Sentado a poucos metros do Parque Solar Girasol, maior usina de energia solar da República Dominicana e do Caribe, Carlos Suazo reclama do aumento do calor em Yaguate, cidade na província de San Cristóbal, sul do país. Segundo Suazo e moradores do entorno, a sensação vem desde que os mais de 268 mil painéis solares foram instalados nas proximidades em 2021.
A usina de 120 megawatts (MW) é uma das nove da República Dominicana — país que, nos últimos anos, viveu um boom de projetos de energia solar e eólica. Essa expansão faz parte de uma corrida para atingir até 2025 a meta nacional de produzir 25% da eletricidade do país por meio de fontes renováveis. Em 2021, essa proporção era de 17%.
A República Dominicana opera também dez parques eólicos e uma usina de biomassa. Este mês, as fontes de energia geraram 1.109 MW de potência, que representam 19% da capacidade instalada e colocam o país na liderança em energia renovável no Caribe.
O setor de renováveis deve continuar a crescer na República Dominicana. Em abril, a Comissão Nacional de Energia do país (CNE) informou que há 18 usinas solares e dois parques eólicos em construção, com início das operações previstas para até 2025. Até lá, a participação dessas duas fontes no Sistema Elétrico Interconectado Nacional (SENI) deve bater a meta dos 25%.
Porém, apesar dos avanços gigantescos do país na transição energética, há também grandes obstáculos: a maioria desses projetos foi desenvolvida antes de o país ter uma lei de planejamento do uso do solo, dispositivo legal que permite uma avaliação detalhada dos possíveis impactos em comunidades, terras agrícolas e áreas protegidas.
“Os projetos de energia solar e eólica foram instalados com base nas altas taxas de radiação solar e de carga eólica do país”, diz Osiris de León, geólogo e membro da Academia de Ciências da República Dominicana. “Mas não foram considerados aspectos fundamentais, como impacto ambiental e expansão urbana ou agrícola”.
Para os projetos, foram exigidas aprovações dos ministérios de Meio Ambiente, Agricultura e da CNE, órgão responsável por coordenar as políticas de energia e monitorar a aplicação da lei 57/2007, que incentiva o desenvolvimento das renováveis.
Em 2022, a República Dominicana promulgou a lei 368/22, sobre planejamento territorial, mas ela ainda precisa ser regulamentada para funcionar.
Erick Dorrejo, diretor de políticas de desenvolvimento no Ministério de Economia, explica que uma comissão está trabalhando nessa regulamentação. “Os instrumentos previstos na lei podem contribuir para definir a localização ideal de cada projeto e, ao mesmo tempo, a distância necessária de alguns locais”, diz Dorrejo.
Dias mais quentes
A ausência de regulamentação e planejamento estatal traz angústia e desconforto a moradores próximos às usinas. Alguns dizem sentir impactos dos projetos no dia a dia.
Os moradores de Yaguate não sabem explicar cientificamente o aumento da temperatura na cidade desde a instalação da usina solar. Porém, do outro lado do Caribe, na Península de Yucatán, especialistas mexicanos respaldam a hipótese.
A Articulación Yucatán, organização de desenvolvimento sustentável, explica que as usinas solares podem, sim, gerar o aumento do calor sentido pelos moradores, já que muitos desses projetos envolvem a remoção de vegetação.
Em resposta enviada ao Diálogo Chino, a Articulación Yucatán explica que “os sistemas fotovoltaicos exigem a remoção de grandes áreas de vegetação e, portanto, envolvem o desmatamento de centenas de hectares”. Os autores da nota — a engenheira ambiental Jazmín Sánchez Arceo, a antropóloga Ivet Reyes Maturano e o físico-químico Rodrigo Patiño Díaz — explicam que isso contribuiu para a degradação dos solos, prejudicando sua capacidade de reter água, o que reduz a umidade e aumenta a temperatura do local.
Os moradores de Yaguate também reclamam que a instalação do Parque Solar Girasol levou ao bloqueio de áreas de plantação de cana-de-açúcar, de criação de animais e que era usada como passagem para outras localidades.
“Antes, você podia andar por ali sem problemas”, diz Bolívar Rodríguez, morador da comunidade. “Hoje, para entrar, é preciso pedir autorização. Se você passar pelo portão, depois de dois minutos o segurança chega e pergunta o que você está fazendo”.
O terreno de pouco mais de três quilômetros quadrados do parque solar pertencia à Caei, empresa do setor açucareiro. Em 2021, a CNE assinou uma concessão de 30 anos com a empresa dominicana EGE Haina para a construção e instalação da usina solar. O projeto foi inaugurado em junho daquele ano. Atualmente, a empresa opera quatro parques eólicos e supervisiona outros dois no país.
O parque Girasol chega a ficar a apenas 40 metros de distância de edifícios residenciais e áreas comunitárias, o que também gera críticas de moradores. Mas pela legislação dominicana, não há uma distância mínima das residências para essa infraestrutura.
Uma resolução da Superintendência de Eletricidade (SIE) divulgada em 2020, antes da construção do parque, menciona apenas a distância da usina em relação a um cemitério.
Quando procurada pela reportagem, a EGE Haina não comentou especificamente sobre a distância entre o parque solar e as residências. A diretora de comunicações e sustentabilidade da empresa, Ginny Taulé, disse ao Diálogo Chino que três audiências públicas foram realizadas antes da construção, sem nenhuma oposição, e que o projeto teria sido recebido positivamente por autoridades locais e membros da comunidade.
Taulé também rejeita as alegações de moradores de que os painéis seriam responsáveis pelo aumento da temperatura na região, apontando, em vez disso, as mudanças climáticas.
“Junho e julho de 2023 foram os meses mais quentes da história da humanidade”, disse Taulé. “Esses dados são facilmente verificáveis e estão relacionados ao aquecimento global e aos efeitos das mudanças climáticas, não às energias renováveis, que constituem uma resposta a essa situação”.
O aumento da sensação térmica no local, no entanto, se estende desde 2021, quando o parque foi inaugurado.
A SIE e a CNE também foram procuradas para comentar as reclamações dos moradores de Yaguate, mas não responderam até esta publicação.
Preocupações com a vida selvagem
No extremo leste dominicano, a comunidade de Mano Juan, na pequena ilha de Saona, não esconde sua tristeza após a construção de um parque solar na cidade — embora o projeto tenha sido instalado, segundo a Companhia de Eletricidade de Bayahíbe, para fornecer eletricidade aos moradores e impulsionar o “desenvolvimento econômico e social da comunidade”.
Pelagio Paulino — mais conhecido como o protetor das tartarugas de Saona — teme que um parque solar, inaugurado este ano pela Companhia de Eletricidade de Bayahibe (CEB), afete as três espécies de tartarugas que fazem ninhos na área. “Quando as tartarugas avistam as luzes, elas ficam desorientadas, deixam o ninho aqui e vão para outro lugar”, explica Paulino.
O biólogo marinho dominicano Omar Shamir explica que o receio Paulino faz sentido e que a luz artificial afeta essas espécies, que se orientam por sinais luminosos. Vários estudos, inclusive da Venezuela e outras regiões do Caribe, documentam os impactos da iluminação artificial na desova de tartarugas marinhas. A luz perto das praias — como a da nova usina solar de Mano Juan — faz com que os filhotes fiquem desorientados e os desvia do caminho para o mar.
Várias espécies desovam na Ilha Saona, incluindo as tartarugas-de-pente (Eretmochelys imbricata), as tartarugas-verdes (Chelonia mydas) e as tartarugas-de-couro (Dermochelys coriacea) — as três ameaçadas de extinção ou vulneráveis, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza.
Shamir ressalta que é necessário avaliar com mais profundidade se as luzes da instalação, das casas e do comércio de Mano Juan, uma comunidade de cerca de 500 habitantes, chegam às áreas onde as tartarugas fazem seus ninhos.
Enquanto isso, Eleuterio Martinez, ecologista e presidente da Academia Dominicana de Ciências, destaca outro problema do projeto solar: a construção da usina no Parque Nacional do Cotubanamá, área protegida, viola as leis do país.
“Não sabemos sob qual regra, qual autorização ou quem tem tanto poder para conceder uma permissão dessa natureza na Ilha Saona”, diz Martinez. “Isso deve ser levado até as últimas instâncias. Isso deve ser levado ao Tribunal Constitucional, porque é uma agressão física a um patrimônio do Estado dominicano”.
Questionado sobre o tema, Federico Franco, vice-ministro de Áreas Protegidas e Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais, diz que a instalação solar existia em Mano Juan desde 2016, mas só entrou em operação este ano por questões técnicas. “Junto do Consórcio Energético Punta Cana/Macao, atualizamos a tecnologia e completamos o que estava faltando”, explica.
Franco não abordou, no entanto, as preocupações de Paulino em relação às tartarugas marinhas, nem comentou diretamente o acordo ou as licenças para o projeto.
A Companhia de Eletricidade de Bayahíbe também foi procurada para comentar o caso, mas não respondeu até o momento da publicação.
Mais rigor nos estudos de impacto ambiental
A geração de energia a partir de fontes renováveis é considerada uma das melhores opções para mitigar as emissões de gases de efeito estufa e, assim, atingir as metas climáticas. Mas, segundo especialistas, são necessárias normas sólidas e fiscalização para evitar conflitos com moradores e impactos socioambientais.
Luis Carvajal, biólogo da Academia de Ciências da República Dominicana, acrescenta que, em muitos casos, os estudos de impacto ambiental não são suficientemente rigorosos. “Muitos estudos ambientais carecem de rigidez. Os termos de referência são insuficientes ou o grau de análise do Ministério [do Meio Ambiente] não é adequado”, diz.
Carvajal reforça que o país deve continuar apoiando as energias renováveis, mas ser mais rigoroso na avaliação de possíveis impactos negativos, por mínimos que sejam, já que há “falhas estruturais” nas licenças ambientais.
“Aqui, frequentemente, os técnicos têm sido sancionados e até mesmo excluídos do Ministério [do Meio Ambiente] por se oporem a projetos com base em análises técnicas”, diz Carvajal. “Há um interesse pessoal, político ou de funcionários com poder para impor essas obras. E isso tem acontecido historicamente”.
Osiris de León defende que os projetos de energia renovável se ajustem à nova lei de planejamento territorial, ao sistema nacional de áreas protegidas e aos planos estratégicos municipais e provinciais, para evitar conflitos futuros.
Os especialistas da Articulación Yucatán também cobram que os estudos de impacto ambiental sejam públicos, transparentes e livres da influência. E pedem que as obras considerem as necessidades e prioridades locais.
“Acreditamos que a lógica atual de localização desse tipo de megaprojetos deva ser superada. É preciso pensar nos diferentes territórios, no tipo de recursos que eles têm e no tipo de desenvolvimento local desejado”, afirmam.