No bairro de Nuevo Alberdi, na periferia de Rosário, terceira maior cidade da Argentina, as irmãs Lorena e Elizabeth Ayala lutam para ter acesso à eletricidade e a outros serviços básicos.
As 460 famílias que moram no bairro tiveram que construir uma infraestrutura própria para ter acesso à eletricidade clandestinamente – algo que no Brasil é conhecido como “gato”, uma gambiarra geralmente ilegal e perigosa.
“Compartilho eletricidade com meu cunhado e um vizinho”, conta Lorena em entrevista ao Diálogo Chino. “Os cabos são muito caros, trazemos de longe. Tivemos que comprar o poste e os cabos e alugar uma escada, fizemos tudo”.
As experiências de Lorena e Elizabeth em um bairro periférico são típicas da pobreza energética que atinge cerca de 30% dos lares argentinos, segundo dados de 2018 compilados pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Técnica do país.
“Aqueles de nós que não têm eletricidade confiável sofrem muitos problemas, como quedas de energia, que estragam as poucas coisas que conseguimos ter em nossas casas e danificam nossos aparelhos”, diz Elizabeth. “Como não temos um regulador de tensão, consumimos mais do que precisamos. É o mesmo com a água e o gás”.
Nesse contexto, as energias renováveis em pequena escala, como os painéis solares, poderiam ser parte da solução, fornecendo serviços mais seguros e econômicos, com o benefício adicional de menores impactos ambientais. Várias iniciativas para levar esses desenvolvimentos a bairros vulneráveis estão em andamento na Argentina, mas seguem em estágios iniciais, em pequena escala e gerando resultados nem sempre positivos – muitas vezes, pela falta de acompanhamento estatal e outras questões culturais.
Pobreza energética na Argentina
A pobreza energética refere-se às limitações no acesso da população à eletricidade e outros serviços básicos, como o fornecimento de gás. Essa falta de cobertura prejudica o direito a uma vida digna e, por tabela, restringe a capacidade de preparação de alimentos, a iluminação e o aquecimento das casas, a higiene e a refrigeração.
Pablo Bertinat, diretor do Observatório de Energia e Sustentabilidade da Universidade Tecnológica Nacional, em Buenos Aires, destaca que “não há uma definição única” para pobreza energética, mas que o indicador mais usado é saber se uma família usa mais de 10% de sua renda em recursos energéticos. “É uma definição limitada, porque se refere à renda, não considera os bens ou as condições de vida”, acrescenta.
As famílias de baixa renda precisam de mais energia para cobrir as mesmas necessidades
Rodrigo Durán, pesquisador da Universidade Nacional de Salta, diz que a definição de pobreza energética deve levar em conta não apenas a satisfação das necessidades energéticas básicas de uma família, mas também sua capacidade de crescimento e desenvolvimento. Segundo Durán, a porcentagem da população que vive na pobreza energética aumentou expressivamente desde 2016 devido aos sucessivos aumentos nas tarifas de eletricidade e gás.
Um artigo publicado em 2022 sobre pobreza energética e cozimento de comida na Argentina destacou que muitas residências pobres em áreas urbanas não têm acesso a gás e, por isso, precisam recorrer a botijões, um combustível mais caro. Da mesma forma, se o acesso à eletricidade é informal – ou seja, por meio de “gatos” e infraestrutura própria –, os pesquisadores explicam que o consumo é maior devido ao uso de equipamentos obsoletos. A lenha continua sendo usada para aquecer a água em muitas residências.
“As famílias de baixa renda precisam de mais energia para cobrir as mesmas necessidades”, disse Bertinat. “É mais difícil refrigerar ou aquecer casas precárias porque elas não são isoladas, os aparelhos mais baratos consomem mais e o gás em botijão é mais caro do que o gás que chega por tubulações”.
Tudo isso ocorre em Nuevo Alberdi. “Aqui a cura é mais cara que a doença”, comentou Lorena Ayala, enquanto dava um gole de tereré.
Renováveis: solução ou falsa esperança?
Na Argentina, o governo começou a promover energias renováveis não convencionais, como a solar, eólica e biomassa, há pouco mais de duas décadas. Em 2021, essas fontes de energia representavam 12% da matriz energética do país – ainda dominada pelos combustíveis fósseis – abaixo das metas do governo para atingir 16% da geração em energias renováveis até 2021, 18% até 2023 e 20% até 2025.
Especialistas concordam que essas fontes de energia podem proporcionar uma solução de menor custo para a falta de acesso a serviços energéticos básicos em populações vulneráveis. Ao mesmo tempo, trazem o benefício de causar menos impactos ambientais, embora haja algumas preocupações em relação ao tema.
As energias renováveis “geram autonomia na geração de energia local e custos mais baixos, mas isso não é gratuito e nem necessariamente barato em termos ambientais, pois tanto os painéis como as baterias demandam recursos minerais”, observa Durán. “Mesmo assim, a redução das emissões é considerável a médio e longo prazo”.
Já há alguns exemplos de energias renováveis sendo incorporadas em habitações sociais ou assentamentos informais na Argentina, ainda em pequena escala. Um deles é a Casa Propia (Casa Própria), um programa social do governo argentino para construir, reequipar ou atualizar um total de 264 mil casas entre 2021 e 2023. Cerca de 70 mil residências serão equipadas com sistemas de aquecimento de água movidos a energia solar.
No bairro Godoy de Rosário, 62 novas casas com aquecedores solares de água já foram concluídas. Para seus novos habitantes, os resultados foram variados. Alguns moradores estão satisfeitos, porque o equipamento solar funcionou bem e trouxe economia. Outros reclamam que seus aquecedores pararam de funcionar — problema que não conseguem resolver ou não sabem como consertar.
É o caso de Yolanda Benítez, que comanda uma pequena sorveteria em Godoy e divide a casa com duas outras pessoas. “O aquecedor funcionou durante um ano e depois quebrou, e não sabemos a quem chamar para consertá-lo”, disse ela. “Estou feliz com a casa, mas gostaria que tudo funcionasse”.
O vizinho Miguel Angel Diaz relatou o mesmo problema na casa que compartilha com seus dois irmãos, onde o aquecedor solar parou de funcionar há algum tempo: “Nunca foi consertado, porque não sabemos a quem chamar, por isso agora aquecemos a água em um fogão a gás”.
Anabel Sosa, outra moradora do pequeno complexo habitacional, teve mais sorte. Embora o aquecedor tenha queimado, foi possível substituí-lo e o novo aparelho funciona bem. “É bom porque pagamos menos pelo gás e pela eletricidade”, diz.
Rodrigo Durán, da Universidade Nacional de Salta, diz que essas experiências mostram que, em nível estatal, ainda há um longo caminho a percorrer antes que as energias renováveis sejam uma solução concreta para a pobreza energética na Argentina. Além da fabricação e instalação, diz ele, seria necessário avançar na educação e no monitoramento de projetos. “Às vezes a ferramenta chega, mas é mal utilizada ou mal monitorada, e isso traz um problema clássico: a falta de consideração com a pessoa que se beneficia dessas ferramentas”, disse ele.
“Temos que pensar em uma política de acesso à energia segura dentro de um marco de desenvolvimento social e afastar-nos de critérios de mercado que só levam em conta os custos”, acrescentou Durán.
Energias renováveis em bairros vulneráveis
Na periferia de Bahía Blanca, cidade no sul da província de Buenos Aires, um programa-piloto no bairro 9 de Noviembre também ajuda a equipar as residências com coletores solares, dispositivos usados para aquecer água de uso doméstico.
Maria Ibañez, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais do Sul (IIESS), foi uma das que trabalhou na gestão do projeto, concluído em março de 2022. Ela explicou que a água aquecida pelos coletores solares não pode ser usada para ferver alimentos, mas é adequada para o banho, lavagem de pratos e lavanderia.
Não percebemos uma mudança de hábitos que melhoraria significativamente a situação de falta de energia
Um aspecto inovador do projeto é que os próprios beneficiários do programa participam da construção, instalação e monitoramento dos coletores solares. “Realizamos 12 oficinas com famílias interessadas, porque queríamos que os beneficiários estivessem envolvidos desde o início”, diz Ibañez. No total, seis coletores foram instalados em casas e dois em uma organização eclesiástica local.
Ibañez conta que, apesar de ter realizado oficinas específicas sobre reparo ou manutenção dos equipamentos, alguns membros da comunidade mostraram uma “atitude passiva” em relação à incorporação de novas tecnologias, uma barreira difícil de superar. Esse é um dos pontos que, segundo ela, precisa ser trabalhado para avançar com as energias renováveis.
“As famílias envolvidas não pararam de queimar lenha e continuam usando conexões informais na rede elétrica”, explica Ibañez. “Não percebemos uma mudança de hábitos que melhoraria significativamente a situação de falta de energia”.
Algumas pessoas, acrescenta, têm o hábito de coletar lenha ou usar gás em botijão nas residências, algo que não deve mudar tão facilmente.