A grande surpresa nas eleições presidenciais de domingo no Equador veio de Yaku Pérez Guartambel, um carismático líder indígena e candidato do partido indígena Pachakutik. Até dois anos atrás Pérez sequer era bem conhecido nacionalmente, mas agora está perto de chegar ao segundo turno.
Normalmente visto com seu cabelo preso em um rabo-de-cavalo e um lenço de arco-íris amarrado ao pescoço, o advogado ambientalista deve grande parte de seu capital político à visibilidade da luta que ajudou a liderar contra vários projetos de mineração de ouro na região montanhosa de Cuenca. Um deles foi conduzido pela mineradora chinesa Junefield Ecuagoldmining.
19.8%
é o percentual de votos de Pérez no primeiro turno
Depois de uma campanha com forte apelo ambiental, Pérez, 51, tem 19,84% dos votos na pré-contagem, com 99,60% dos votos válidos apurados. São apenas 23 mil votos — ou 0,26% do total — à frente do empresário e banqueiro Guillermo Lasso, 65 anos, apoiado por uma aliança de direita e duas vezes candidato à presidência no passado.
A votação acirrada significa que, em ambos os cenários, Pérez desempenhará um papel de liderança: se a tendência continuar, ele disputará o segundo turno contra Andrés Arauz, o economista de 36 anos e ex-ministro do governo Rafael Correa que obteve 32% dos votos.
Se, por outro lado, for ultrapassado por Lasso, Perez será um dos apoiadores mais cobiçados diante da definição de um terceiro confronto consecutivo entre o grupo de Correa e a direita que Lasso representa. Correa governou o Equador durante uma década, foi condenado no ano passado a oito anos de prisão por um caso de suborno e promoveu o atual presidente Lenín Moreno, que mais tarde se distanciou dele e hoje tem índices mínimos de aprovação.
O caso mais midiático de Yaku
Yaku Pérez, que até o ano passado era o prefeito da província de Azuay no sul do Equador, ficou conhecido por seu papel como advogado de várias comunidades que se opunham a projetos de mineração de ouro.
Talvez o caso que lhe tenha dado maior visibilidade tenha sido o de Río Blanco, em que protagonizou quatro anos de confrontos legais e até físicos entre a mineradora chinesa Junefield Ecuagoldmining e várias comunidades locais. As comunidades conseguiram paralisar o projeto de mineração, que estava entre as prioridades dos dois últimos governos, que quiseram apostar neste setor para alavancar o desenvolvimento econômico do país.
Conforme reportagens do Diálogo Chino e da Initium Media de Hong Kong relataram há dois anos, o caso, que atraiu intensa cobertura da imprensa, revelou as dificuldades do setor de mineração no Equador, em meio à falta de diálogo entre empresas e comunidades, preocupações com sua pegada ambiental e a quase total ausência do Estado.
A tensão entre duas comunidades camponesas indígenas e a empresa de propriedade do conglomerado privado chinês Junefield Mineral Resources Holdings chegou ao seu auge em maio de 2018. Naquela época, o que começou como um protesto pacífico em Río Blanco terminou com o campo de mineração incendiado. Até hoje não há clareza sobre o que aconteceu naquele dia, em uma conflagração que os chineses dizem ter sido provocada pelos camponeses e pela qual os camponeses acusam a segurança privada da mina.
Eles confundem consulta prévia com socialização, com audiências, com qualquer outra coisa que não consulta prévia
A mina — cujos depósitos de ouro e prata podem gerar mais de 200 milhões de dólares para o Equador — está localizada às margens do Parque Nacional de Cajas, que abriga centenas de lagos de alta montanha e é uma verdadeira fábrica de água. Uma dúzia de rios nasce em suas terras, trazendo água para Cuenca (a terceira maior cidade do país), a costa equatoriana e os rios da bacia amazônica.
As comunidades temem que as atividades da mineradora possam afetar a água que flui para o parque nacional, algo proibido por lei. A empresa insiste que seu projeto está fora do parque — a 3,5 quilômetros de seu perímetro — e que não há como impactá-lo de nenhuma maneira.
Embora quase todas as manchetes tenham se concentrado na relação tensa entre as comunidades e a empresa, o caso foi parar na Justiça.
Em junho de 2018, um juiz de Cuenca ordenou a suspensão das atividades na mina, respondendo a uma ação legal de proteção apresentada pelas comunidades que argumentava que seus direitos à água, ao trabalho e a serem consultados haviam sido violados. O maior golpe para Junefield e o governo equatoriano foi a determinação de que o direito das comunidades indígenas vizinhas a uma consulta prévia sobre o projeto havia sido violado.
O governo equatoriano recorreu dessa decisão, mas três magistrados do Tribunal Provincial de Azuay confirmaram a decisão, que ainda está pendente de um possível recurso final no Tribunal Constitucional. Há um ano, em janeiro de 2020, foi revelado que a empresa havia iniciado uma ação judicial contra o Equador, devido à impossibilidade de extração de ouro.
Uma parte importante do caso gira em torno da decisão dos habitantes de Río Blanco de começar a se identificar como indígenas Cañari Kichwa em 2017, quando já havia um conflito com a Junefield. Esse status indígena é o que lhes dá o direito de exigir consulta prévia livre e informada, um direito protegido pela Constituição equatoriana e pela Convenção 169 sobre os povos indígenas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que o Equador assinou.
Assim, eles se organizaram como uma comunidade indígena, redigiram seus estatutos e se registraram no Ecuarunari, o braço da organização indígena nacional que reúne os povos indígenas dos Andes.
A questão da autoidentificação é delicada. O governo de Lenín Moreno contestou a identidade indígena do grupo, argumentando que tais informações não estavam disponíveis no início do projeto. Ironicamente, porém, foi o próprio governo equatoriano — então liderado por Correa, com Moreno como vice-presidente — que incentivou, a partir do censo populacional de 2010, que as comunidades com raízes indígenas começassem a se declarar como tal.
Além da questão étnica, Río Blanco ilustra uma realidade cada vez mais comum no Equador e na América Latina: conscientes de que os protestos e bloqueios de estradas muitas vezes terminam em confrontos e até mesmo em processos criminais contra seus líderes, as comunidades locais estão optando por mais estratégias legais e políticas. E muitas delas estão ganhando.
Yaku Pérez, o advogado indígena de Río Blanco
Foi Yaku Pérez, então líder da organização indígena regional Ecuarunari, quem aconselhou a comunidade Río Blanco a identificar-se como o povo Cañari Kichwa e quem instaurou a ação de proteção em seu nome.
Yaku já era bem conhecido em Cuenca após anos de litígio em casos relacionados aos direitos indígenas e à proteção das águas, além de já ter sido sido vereador, mas a vitória do tribunal sobre Junefield consolidou ainda mais seu status.
“Claro que somos indígenas: nossos sobrenomes, nossa cor, nossa cosmovisão é. Mas há um modus operandi muito generalizado: aqui não há consulta prévia. Eles confundem consulta prévia com socialização, com audiências, com qualquer outra coisa que não consulta prévia”, Pérez relatou ao Diálogo Chino há dois anos. Durante o processo legal ele denunciou ter sido detido ilegalmente por residentes pró-mineração, que em seguida o ameaçaram de morte e o espancaram, segundo o seu relato.
Como resultado desse episódio, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) — que depende da OEA — concedeu-lhe medidas cautelares, pedindo ao Equador que garantisse sua segurança.
Em 2018, Pérez concorreu a prefeito da província de Azuay como candidato do partido indígena Pachakutik, fazendo campanha com o slogan do “defensor da água” e tocando saxofone nas ruas. No final, sua vitória nas eleições de março de 2019 foi tão surpreendente quanto retumbante: ele ganhou com 117 mil votos e mais de 10 pontos percentuais à frente de seu concorrente.
Neste processo de autoidentificação como um indígena Cañari Kichwa, Pérez também mudou seu nome: nos últimos quatro anos ele não mais foi Carlos Ranulfo, mas Yaku Sacha —- ou “água da montanha” —- em reconhecimento às origens Cañari Kichwa de sua família.
Ao tomar posse como governador provincial de Azuay, Pérez tornou-se apenas o terceiro prefeito indígena do Equador. Um ano e meio depois, em outubro de 2020, ele surpreendeu a todos ao anunciar que estava deixando o cargo de prefeito e que se candidataria à presidência.
Esta semana ele pode surpreender uma vez mais, se ele se tornar o primeiro indígena a chegar a um segundo turno de uma eleição presidencial no Equador.
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