Natureza

Novo presidente põe em risco histórico de preservação ambiental da Costa Rica

Rodrigo Chaves, vitorioso nas eleições costarriquenhas, apoia extração de combustíveis fósseis, colocando em cheque plano de descarbonização e sucessos ambientais do país
<p>Rodrigo Chaves, novo presidente eleito da Costa Rica, dirige-se à imprensa após sua vitória nas urnas. Declarações durante sua campanha e seu apoio à extração de combustíveis fósseis põem ativistas ambientais em alerta (Imagem: Mayela Lopez / Alamy)</p>

Rodrigo Chaves, novo presidente eleito da Costa Rica, dirige-se à imprensa após sua vitória nas urnas. Declarações durante sua campanha e seu apoio à extração de combustíveis fósseis põem ativistas ambientais em alerta (Imagem: Mayela Lopez / Alamy)

Rodrigo Chaves, ex-ministro das Finanças da Costa Rica, foi eleito como o mais novo presidente do país no último domingo (03), derrotando no segundo turno, com 53% dos votos, o ex-presidente José María Figueres.

A eleição de Chaves, um ex-economista de direita do Banco Mundial conhecido por sua posição antissistema, gerou incertezas acerca da agenda climática na Costa Rica — uma nação que conquistou reconhecimento nas últimas décadas por seu trabalho para a conservação e sustentabilidade.

Os planos de Chaves para seu governo, inclusive na pasta ambiental, são vistos como ambíguos por especialistas. No passado, por exemplo, o novo chefe de Estado fez comentários a favor da extração de combustíveis fósseis.

Desde 2014, a Costa Rica tem gerado quase toda sua energia a partir de fontes renováveis, posição que o país pretende fortalecer como parte de seu plano de descarbonização até 2050 e seu compromisso internacional com o Acordo de Paris. Esse progresso, no entanto, pode estar em risco sob o novo governo.

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Durante sua campanha, Chaves demonstrou interesse em explorar gás natural na Costa Rica — uma medida que as câmaras empresariais do país propuseram no passado para reduzir os altos preços da eletricidade. Mas, até o momento, o país não se aventurou na indústria de extração de gás e não confirmou, com estudos, a extensão dos depósitos do combustível fóssil que realmente possui.

Mesmo assim, em um debate televisionado antes das eleições, Chaves afirmou que “se o gás existe, e se verificarmos a existência do recurso, podemos usá-lo e, ao mesmo tempo, mantermos um ambiente saudável e limpo”.

“Não creio que tenhamos que assumir o fanatismo quase religioso de dizer: não vamos permitir que os costarriquenhos usem e se beneficiem de um recurso que Deus nos deu”, disse Chaves.

De acordo com Adrián Martínez, diretor da ONG costarriquenha A Rota do Clima, essa é uma das propostas mais preocupantes de Chaves para a agenda ambiental. Segundo ele, a abertura de usinas de gás natural impediria a Costa Rica de cumprir com seu plano de descarbonização e afetaria a imagem de sua bem-sucedida indústria de ecoturismo, que representa 3% do PIB.

O interesse de Chaves pelos combustíveis fósseis não é recente. Quando era diretor para a Indonésia do Banco Mundial, entre 2013 e 2019, seu escritório financiou vários projetos de infraestrutura voltados para os combustíveis fósseis. Isso consta de um relatório do Centro de Informações Bancárias (BIC, na sigla em inglês), uma ONG que monitora as políticas e operações de instituições financeiras internacionais.

Um dos projetos financiados foi uma termelétrica de 2.000 MW na Ilha de Java Central no valor de mais de US$ 4 bilhões, além de mais de US$ 1 bilhão para a rede viária da usina. E na lista de futuros projetos para a Indonésia, o banco incluiu termelétricas, mas nenhuma unidade de energia solar, eólica ou geotérmica, segundo o relatório do BIC.

Isso ocorre em meio aos alertas da comunidade científica para a necessidade de uma transição energética, e principalmente de aposentar as usinas a carvão, que podem gerar até duas vezes mais CO2 que aquelas com outros combustíveis fósseis, como o gás natural.

Histórico ambiental da Costa Rica

A Costa Rica assumiu um papel de liderança em duas iniciativas globais altamente ambiciosas: a Iniciativa 30×30, que propõe proteger 30% dos ecossistemas do planeta até 2030, e a Beyond Oil & Gas Alliance, que almeja erradicar os combustíveis fósseis, incluindo petróleo, carvão e gás natural. Essa última chegou a ser discutida na COP26, conferência climática realizada em novembro do ano passado em Glasgow.

Martínez acredita que a Costa Rica provavelmente prosseguirá com as duas iniciativas, mas sua credibilidade pode ser afetada caso Chaves avance a extração de combustíveis fósseis.

Em sua Contribuição Nacionalmente Determinada para o Acordo de Paris, a Costa Rica se comprometeu a promulgar uma lei proibindo qualquer tipo de exploração de combustíveis fósseis no país. Hoje isso se dá por decreto e pode ser revertido pelo futuro gabinete.

O então presidente Carlos Alvarado, que assumiu o governo de 2018 até agora, tentou aprovar esse projeto de lei no Congresso em 2021, mas não obteve os votos necessários, devido à forte rejeição dos parlamentares de oposição e à pressão contrária das câmaras empresariais.

O plano de governo de Chaves menciona medidas como a adaptação às mudanças climáticas, mas sem muitos detalhes, explicou Pascal Girot, diretor do departamento de geografia da Universidade da Costa Rica e negociador veterano da delegação costarriquenha nas Nações Unidas.

Ele promete, por exemplo, “criar um plano [climático] de redução de danos no primeiro ano de governo, que determine quais investimentos públicos serão utilizados”. O governo anterior, entretanto, já estava desenvolvendo o Plano Nacional de Adaptação às Mudanças Climáticas, que passou inclusive por um processo de consulta pública.

Girot e Martínez ressaltaram que as questões ambientais não tinham muito peso na decisão do eleitorado. Como prioridades, estavam a corrupção e o alto custo de vida para os eleitores de Rodrigo Chaves; e o desemprego e a pandemia para os de Figueres. De todo o modo, as eleições na Costa Rica tiveram um alto índice de abstenção, com 40% dos eleitores aptos a votar não comparecendo às urnas.

Apesar das diferentes visões políticas, ambos os especialistas concordam que o país tem um sistema robusto de leis ambientais e uma forte participação popular, o que permitiria que a agenda ambiental continuasse, independentemente do governo.

“A Costa Rica tem tradição de desempenhar um papel de liderança na influência de ações globais para conter as crises ambientais. Eu não acho que isso vai mudar”, disse Girot.

Outras questões ambientais em espera

A mudança de governo vem em um momento delicado para as áreas protegidas da Costa Rica, que sofreram cortes de até um terço de seu orçamento durante a pandemia da Covid-19. O plano de governo de Chaves não menciona essa questão.

Além disso, alguns dos projetos de infraestrutura propostos pelo presidente eleito são conflitantes com a conservação da natureza. Um deles é a construção de um “canal seco” para permitir o trânsito de mercadorias por terra pela costa caribenha e do Pacífico.

Não é a primeira vez que a construção de um porto é proposta para a costa do Pacífico, ao norte da Costa Rica — uma área visitada por baleias jubarte e diferentes espécies de tubarões, arraias e golfinhos.

O plano de manejo da Área de Conservação de Guanacaste, onde a construção do porto foi planejada, aponta a proposta do porto como uma ameaça à “integridade ecológica” do local.

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Outra questão-chave para o país é a transição energética. As emissões da Costa Rica aumentaram em 76% nos últimos 30 anos, de acordo com seu último inventário. O aumento se deveu principalmente ao crescimento da frota de veículos movidos a gasolina.

Em uma tentativa de reduzir esse impacto, o plano de descarbonização do país pretende  eletrificar 85% da frota de veículos até 2050 e criar uma rede de trens urbanos eletrificados.

O plano de Chaves também propõe uma rede de trens elétricos para a área metropolitana em torno da capital San José, principal emissora de gases do país. Entretanto, ele rejeita continuar o projeto do então governo, para o qual já existe estudo de viabilidade e um aporte de US$ 550 milhões do Banco Centro-Americano de Integração Econômica.

Em vez disso, Chaves quer “repensar um trem elétrico metropolitano com estudos rigorosos que faltam na proposta atual”, sem especificar o que é ou o que quer dizer esse “repensar”.

Em entrevistas, Chaves expressou contrariedade ao Acordo de Escazú, um tratado regional de direitos humanos e meio ambiente, que já foi assinado pela Costa Rica e, inclusive, foi batizado em homenagem a uma cidade costarriquenha.

“[O acordo] não acrescenta nada de novo à nossa legislação e cria questões litigiosas, bagunçando as coisas em um momento em que precisamos fazer o setor produtivo deste país disparar novamente”, disse Chaves em entrevista divulgada por sua campanha eleitoral em 17 de fevereiro.

Nessa mesma linha, o presidente eleito indicou interesse em realizar estudos de viabilidade para liberar a pesca de arrasto nas águas do país. Essa técnica é proibida pela Câmara Constitucional da Costa Rica desde 2013 devido ao enorme impacto sobre as espécies marinhas e à falta de estudos sobre suas consequências ambientais mais amplas.

Além de seu antagonismo ambiental, Chaves foi eleito presidente da Costa Rica apesar das inúmeras alegações de assédio sexual durante sua gestão no Banco Mundial — algo que põe em dúvida seu compromisso com questões de gênero e direitos humanos. Chaves foi rebaixado pelo banco em 2019 — mas não demitido — por sua má conduta sexual.

Os planos de Chaves para a Costa Rica e o meio ambiente devem se tornar mais claros nas próximas semanas, com a tomada de posse do presidente eleito no dia 8 de maio.