Após dois anos de adiamentos e uma mudança no formato, a Convenção da ONU sobre a Diversidade Biológica, a CDB ou COP15, será realizada em Montreal, no Canadá, em dezembro deste ano. Ainda há muito trabalho para os próximos meses se os países quiserem garantir um novo acordo global sobre a proteção da biodiversidade na próxima década.
Na recente Conferência dos Oceanos da ONU, realizada em Lisboa no início deste mês, o China Dialogue Ocean conversou com Elizabeth Mrema, secretária-executiva da CDB, sobre os avanços até o momento, o porquê da transferência da convenção da China para o Canadá e o que ainda precisa ser feito nesse período que antecede o evento.
Elizabeth Mrema: O oceano não funciona sozinho, especialmente quando se trata de soluções. A biodiversidade é a base da vida. É o alimento, o ar, a água e o estoque de carbono. Você pode ver a conexão. Nossas partes estão desenvolvendo um acordo global sobre a biodiversidade pós-2020, que também cobrirá ações nos oceanos, da mesma forma que ocorre na implementação do Acordo de Paris. Um erro que muitos de nós cometemos é pensarmos que olhar para os oceanos significa olhar apenas para o ODS14 [Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14, sobre a vida aquática], mas isso tem que ser alcançado em conexão com outras metas. Sozinho, não será bem sucedido.
O que foi acordado esta semana em Lisboa que pode ajudar a avançar com um resultado mais forte da CDB?
Há muitas discussões aqui de se aumentar as áreas marinhas protegidas para 30% [do oceano global] até 2030. É aqui que entra o acordo da biodiversidade. Mas o texto preliminar ainda não está finalizado. Ainda há trabalho a ser feito para que ele seja plenamente aceito, mas já há mais de cem países que aceitaram a proposta.
Você poderia explicar por que a COP15 foi transferida da China para Montreal e o que isso significa?
Nossa COP deveria ter sido realizada na China. Por causa da Covid-19, tivemos que adiá-la quatro vezes. As reuniões estão acontecendo, mas 2022 tem sido um ano desafiador para a China por causa da Covid-19. Os Estados-membros insistiram que a COP ocorresse este ano, mas nosso anfitrião precisava de mais tempo para avaliar a situação. Foi uma decisão difícil para a China abrir mão da convenção, pois ela realmente investiu nos preparativos da COP. Passou dois anos se preparando para a COP. O Canadá terá que preparar a COP em seis meses.
Como o calendário afeta as discussões, agora que a CDB será realizada após as negociações climáticas da ONU no Egito, em novembro?
Inicialmente, queríamos que nossa COP fosse antes da convenção climática, mas isso não foi possível. O Egito foi presidente da COP14 antes de a China assumir o comando da COP15. A ministra [Yasmine Fouad, ministra do Meio Ambiente do Egito e enviada à COP27], que foi nossa presidente da COP14, agora quer incorporar a biodiversidade nas discussões da COP climática. Teremos um dia inteiro apenas para fazer as conexões entre o clima e a biodiversidade.
Um erro que muitos de nós cometemos é pensarmos que olhar para os oceanos significa olhar apenas para o ODS14, mas isso tem que ser alcançado em conexão com outras metas
Quais são as expectativas para o acordo sobre a biodiversidade?
Após a reunião de Nairóbi [uma reunião do grupo de trabalho realizada em junho], pensamos que teríamos um texto bastante robusto e pronto para a COP, já que essa deveria ter sido a última reunião. Mas ainda não estamos lá. O avanço é lento, há muito a ser feito, muitos parênteses [indicações de trechos ainda não concluídos] no rascunho. Mas houve alguns progressos. Em Genebra, nem todas as metas haviam sido discutidas. Em Nairóbi, foram todas elas — mesmo as novas metas. Assim, tivemos avanços em apenas uma semana.
Também houve um bom avanço em uma questão controversa: as informações de sequenciamento digital para recursos genéticos. Foram feitos progressos no acordo sobre um plano para avançar. As partes terão que decidir em dezembro se as informações de sequenciamento digital farão parte do acordo, ou se serão separadas.
Quais são os obstáculos?
Há questões controversas sobre a mesa, especialmente sobre os meios de implementação. A estratégia só pode ser ambiciosa se houver recursos para sua implementação. Os países querem a garantia de que haverá recursos. Quando falamos de recursos, os países sabem que há milhões gastos em subsídios prejudiciais. Podemos movimentar esse dinheiro e redirecioná-lo para subsídios e incentivos positivos à biodiversidade. Isso reduzirá a lacuna financeira que temos. Isso está em discussão.
Além disso, a comunidade climática tomou a decisão de que as soluções para as mudanças climáticas estão na natureza, e reconhecemos que grande parte da mitigação do clima virá da biodiversidade. Mas a comunidade da biodiversidade não está necessariamente de acordo. Nossas decisões e COPs anteriores utilizaram uma abordagem bem estabelecida baseada em ecossistemas. Ainda é preciso um acordo sobre se as soluções baseadas na natureza podem ser adotadas para a biodiversidade. Quando se olha para as soluções baseadas na natureza, nem todas são positivas — temos que ser cuidadosos, pois algumas podem ser prejudiciais à biodiversidade. Esta é a cautela da comunidade da biodiversidade.
Haverá outra reunião antes da COP?
Em Nairóbi, foi decidido que haveria outra reunião. Apenas três dias antes da COP, os Estados-membros se reunirão novamente para dar a seus ministros uma cópia limpa, espera-se. Isso nos pressionará, pois precisamos encontrar recursos para essa reunião.
Esta entrevista foi realizada na recente Conferência dos Oceanos da ONU em Lisboa, de 27 de junho a 1 de julho, e foi publicada originalmente no China Dialogue Ocean. Ela foi brevemente editada para maior clareza.