Esta é a primeira de uma serie especial de matérias sobre o papel da China no desenvolvimento pacífico e sustentável da Colômbia
“Precisamos fazer as pazes com a natureza”, afirmou o ministro do meio ambiente e desenvolvimento sustentável da Colômbia, Luis Murillo, frente a uma plateia de quase dois mil cientistas que desembarcaram em Cartagena, nesta última semana, para participar do Congresso Internacional para Conservação da Biologia (ICCB 2017). A plateia para a qual falou o ministro era formada por pesquisadores de diversos países especialistas em estudos da biodiversidade.
O ICCB é um fórum global para discutir os desafios da preservação do meio ambiente e apresentar as novas pesquisas e tendências no mundo científico. Não por coincidência, a cidade escolhida para abrigar a 28ª edição do congresso foi Cartagena, tendo sido anteriormente realizado em Nova York, Sidney e Pequim. O país atravessa um momento histórico após mais de cinco décadas de conflito armado e quase cinco anos de negociação com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), um dos grupos guerrilheiros que deixou um rastro de 220 mil mortes, 60 mil desaparecidos e sete milhões de deslocados.
“A natureza foi uma vítima silenciosa do conflito e, para recuperar estes ecossistemas, precisamos de pesquisa. A paz vai nos permitir mobilizar muitos recursos para promover o desenvolvimento”, anunciou o ministro na noite de abertura. “Os acordos com as FARC tiveram grandes implicações para a conservação”, destacou aos jornalistas. “O processo de paz permitiu que chegássemos a uma área de grande riqueza de biodiversidade que antes não conhecíamos”. E é exatamente aí que está o grande perigo, alertam os pesquisadores.
“Os grupos guerrilheiros ocupavam muitas zonas, tinham controle territorial e exerciam autoridade sobre a agricultura e atividades ilícitas. Quando saíram desses territórios, o Estado não teve a capacidade de ocupar imediatamente estas áreas, o que gerou um vazio de governabilidade. Temos observado que cresceu o desmatamento e o cultivo de coca duplicou nos últimos cinco anos nas áreas antes sob o domínio das FARC”, disse ao Dialogo Chino Thomas Walschburger, diretor de ciências da organização The Nature Conservancy.
Oportunidades no pós-acordo
Existe a perspectiva de que a Colômbia no pós-acordo seja um país de oportunidades para investimentos estrangeiros ávidos por penetrar e explorar recursos naturais que estiveram blindados durante várias décadas, acredita a bióloga Brigitte Baptiste, diretora do Instituto de Pesquisa de Recursos Biológicos Alexander von Humboldt. A instituição público-privada com sede em Bogotá se dedica a realizar investigação científica para apoiar a formulação de políticas públicas no país.
“O governo tem claro que esta é uma oportunidade importante. Haverá um processo de reforço das atividades petrolíferas, energéticas e desenvolvimento agroindustrial. Mas ninguém tem uma versão inovadora que incorpore o potencial da biodiversidade para o futuro do país. Falta uma visão de conservação que assegure um novo lugar para a biodiversidade”.
Os acordos para processo de paz deram uma injeção de ânimo nos empresários, como já havia declarado em maio deste ano Li Nianping, embaixador chinês na Colômbia. Estimam-se que investimentos da ordem de US$ 10 bilhões sejam feitos nos próximos anos.
A China se consolidou como o segundo sócio comercial da Colômbia e agora está interessada em envolver-se na reconstrução do país no pós-acordo. Em março, a agência de promoção do turismo e investimento estrangeiro ProColombia realizou, em Pequim, um fórum na tentativa de abrir portas e dar um novo impulso ao seu desenvolvimento econômico de olho nas áreas de infraestrutura, energia, agroindústria e turismo. Em 2015, havia apenas 20 empresas chinesas na Colômbia, agora este número subiu para 70.
Com vistas a facilitar a entrada de capital chinês, o governo colombiano baixou os impostos, segundo informou à imprensa o diretor de ProColombia, Alejandro Valencia, durante a viagem de negócios em Pequim. A proteção ambiental e o impulso à pesquisa também estão entre as metas que o governo colombiano pretende estimular com recursos estrangeiros.
Para Brigitte Baptiste, o investimento estrangeiro é bem-vindo, “seja da China ou de qualquer outra parte”. Ela, porém, espera que a Colômbia seja capaz de escolher os investimentos que tenham salvaguardas, controles de qualidade e uma “preocupação ambiental evidente e um compromisso global”.
Lamentavelmente, segundo a bióloga, “não é o caso de muitas agências de cooperação chinesa”. Baptiste argumenta que empresas chinesas estão ganhando “espaço político com seu afã e capital sem lhes interessar muito o tema ambiental”.
Em sua avaliação, é preciso ter uma ideia clara sobre o nível de investimento que tais companhias estão dispostas a fazer para uma boa gestão da biodiversidade. “Se a Colômbia reduz seus standards, sem dúvida, vamos ter investimentos de má qualidade e que ponha em risco o futuro do país. Os negócios com a China têm que passar por um filtro importante”.
É possível, sim, em sua opinião ter os chineses como aliados da conservação ambiental, especialmente por parte do mundo científico. “A gestão ambiental da China é muito inovadora e da melhor qualidade. Pediríamos que aplicassem aqui o mesmo standard que têm em seu país”.
Chineses como aliados
Questionado pelo Dialogo Chino, o ministro Luis Murillo afirmou que existem “muitas oportunidades de investimentos ambientalmente amigáveis”. Um exemplo são as vastas áreas usadas para agropecuária, entre 25 a 30 milhões de hectares que podem ser convertidas em florestas. “Este é um tema em que a China pode estar interessada. Podemos ter ainda uma cadeia de produção de alimentos sem desmatamento na Colômbia e que crie postos de trabalho para comunidades e até alianças estratégicas entre o governo, o setor privado e as comunidades”, comentou o chefe da pasta de ambiente e desenvolvimento sustentável.
“Em 2010, tínhamos 13 milhões de hectares em 59 áreas protegidas. Nossa meta é dobrar para 26 milhões de hectares protegidas nos próximos anos”, anunciou Murillo afirmando também esperar que a China se interesse em investir no mercado de créditos de carbono.
O país recentemente criou o imposto de carbono (“carbon taxing”) e pagamentos por serviços ecossistêmicos. A partir desta receita, prevê-se investir em projetos locais para a conservação ambiental, informou o ministro. Espera-se que seja arrecadado cerca de 7 bilhões de pesos colombianos por ano, algo como US$ 2 milhões, segundo projeções do Departamento Nacional de Planificação da Presidência.
“Vamos ainda apresentar um projeto de lei para as mudanças climáticas na próxima semana para criar um mercado de carbono na Colômbia. A ideia é receber aportes do setor privado internacional”, disse Murillo.
A autoridade ambiental colombiana ainda afirmou que o governo optou por congelar atualmente todas as solicitações de extração mineira e petrolífera. “Fui eu quem propôs congelar todo e qualquer pedido para minas e petróleo na bacia Amazônica. Estas atividades são proibidas em áreas protegidas. Algumas das áreas que demarcamos como o Parque de los Nevados e os Páramos na área de Tolima, algumas das áreas mais atrativas para as mineradoras, e também zonas do Pacífico necessitam que sejam proibidas à mineração. Consideramos que a extrair minério pode ser feito de maneira sustentável e responsável, mas este tipo de atividade atrai colonização e expansão da fronteira agrícola. Não podemos lutar contra isso se não congelarmos estas áreas para exploração”.
Promessas em meio a obstáculos
A fala do ministro soa ambientalmente promissora aos olhos internacionais. Contudo, existem sinais de que as ambições anunciadas enfaticamente pelas autoridades têm enfrentado uma série de obstáculos e embates.
A taxa de desmatamento na Colômbia disparou 44% em 2016 em relação ao ano anterior, anunciou no início de julho o Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (IDEAM). No ano passado, 178.597 hectares de florestas foram devastados. A situação está pior na Amazônia colombiana em que 34% do desmatamento registrado em 2016 se concentraram nos estados de Putumayo, Caquetá, Meta e Guaviare. A pecuária extensiva, os cultivos de coca, a mineração ilegal, os incêndios florestais e infraestrutura viária foram os principais motores do desmatamento.
Em 2015, na conferência do clima em Paris, o governo colombiano se comprometeu a zerar a taxa bruta de devastação da Amazônia até 2020. No rastro desta meta anunciada globalmente, países como Alemanha, Reino Unido e Noruega declararam que investirão US$ 100 milhões gradualmente à medida que o país comprovar a redução do desmatamento.
As projeções se complicaram quando, no último dia 22 de julho, o anteprojeto do orçamento geral da nação para 2018 vazou para a imprensa colombiana. A expectativa é de que a pasta de meio ambiente tenha um corte de 60% no seu orçamento – passaria de 632 bilhões de pesos a 232 bilhões de pesos (US$ 208 milhões para US$ 76 bilhões). Os cortes sofridos seriam mais pelo setor de parques nacionais, o Ideam e o Instituto Humboldt que terá um terço do seu orçamento cortado.