Natureza

Conheça professores inspiradores que promovem educação ambiental

Da compostagem dos resíduos de café na Colômbia à escola que recicla água no México, projetos educacionais impulsionam conservação ambiental na América Latina
<p>Engenheiro florestal Gustavo Brichi ensina técnicas agroflorestais de plantio de bananeiras na Escola Estadual Francisco Derosa, em Nazaré Paulista, São Paulo (Imagem: Lucas Ninno / Dialogue Earth)</p>

Engenheiro florestal Gustavo Brichi ensina técnicas agroflorestais de plantio de bananeiras na Escola Estadual Francisco Derosa, em Nazaré Paulista, São Paulo (Imagem: Lucas Ninno / Dialogue Earth)

“A educação ambiental deixou de ser um nicho e transformou-se em uma questão central”, diz Zelmira May, especialista em educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) na América Latina. “Antes, esse tema não era muito relevante na região; hoje a situação é completamente diferente”.

Desde as primeiras discussões sobre o assunto, na década de 1970, o objetivo central tem sido desenvolver uma “consciência ambiental” entre cidadãos. Assinada em 1975, a Carta de Belgrado foi a primeira declaração internacional sobre educação ambiental e cobrava “uma nova ética global” que levasse a humanidade a estar mais conectada com a biosfera. 

Verónica Cáceres, pesquisadora do Conselho Nacional de Pesquisas Científicas e Técnicas da Argentina, explica que, mais tarde, na década de 1990, a discussão colocou as atividades humanas e a natureza no mesmo patamar.

Até o momento, há pelo menos 89 instrumentos de políticas ambientais latino-americanas que contemplam a área da educação. A maioria estabelece planos de trabalho interministeriais para implementar projetos no ensino fundamental, médio e superior. Essa abordagem permite que o ambientalismo seja transversal ao currículo, à capacitação de professores e ao desenvolvimento de tecnologia e infraestrutura verdes.

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Oito países latino-americanos têm leis ou políticas nacionais voltadas para a educação ambiental: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, República Dominicana, Equador, Guatemala e Peru.

A América Latina, no entanto, é uma das regiões que menos investe em educação. De acordo com dados do Banco Mundial, a média de gastos públicos da região com educação caiu em 2022 para níveis nunca vistos em 20 anos. A falta de recursos dificulta a missão de coordenar projetos educacionais entre diferentes esferas de governo. 

Isso leva muitos professores — sobretudo em escolas pequenas — a gerir projetos ambientais por conta própria: recai sobre eles a tarefa de articular autorizações, obter financiamento e participar de competições para dar visibilidade às ações. 

O Dialogue Earth conta as histórias de três professores latino-americanos que criaram projetos inspiradores de educação ambiental.

Novo futuro para resíduos do café

O professor de matemática Ramón Majé dá aula na Instituição Educacional Municipal Montessori, em San Francisco, pequena cidade produtora de café no departamento de Huila, sudoeste da Colômbia. Em sete anos na escola, Majé deixou uma marca muito maior do que as equações ensinadas no quadro branco. 

“Antes, a evasão escolar era muito alta”, explicou Majé. “Muitas crianças que estudam aqui são filhos de trabalhadores rurais temporários. Quando a época de cultivo ou colheita terminava, famílias inteiras buscavam outro lugar para trabalhar. Conseguimos reduzir isso”.

coffee plantation on hillside
Plantação de café em San Agustín, departamento de Huila, sudoeste da Colômbia. Huila é o principal departamento cafeicultor do país (Imagem: Ron Giling / Alamy)

Em 2017, Majé lançou uma iniciativa chamada Cafelab — um verdadeiro “laboratório de café”. Segundo o professor, o projeto é voltado para estudantes de famílias produtoras da região. “Queremos que aprendam sobre o reaproveitamento de resíduos de café para que não precisem se mudar para outros lugares a trabalho. Também queremos resolver um problema ambiental até agora ignorado”, afirmou o professor. 

O projeto foi criado assim que Majé chegou a San Francisco. De cara, ele notou uma falha nas diretrizes de ensino. “Se um professor vai ensinar matemática, mas isso não tem relação com o entorno dos alunos, essa informação se torna vazia e sem sentido”, explicou. “Quando comecei na Montessori, integrei a matemática com aquilo que os alunos conheciam bem: tudo girava em torno do café”.

Os números relacionados ao café foram integrados aos exercícios de adição e subtração, e as crianças começaram a ver a aula de forma diferente. “Um dia, um aluno veio até mim e disse: ‘professor, na minha fazenda todos os resíduos de café são descartados, muitos deles nos rios’. Então, propus que os alunos fizessem uma análise do contexto”.

Majé uniu esforços com o professor de ciências da escola para criar um projeto que avaliasse o efeito do descarte de cascas de café na água e no solo. Primeiro, descobriu-se que quase todas as pessoas do vilarejo jogavam fora as cascas de café. Depois, foi identificado que isso estava provocando a acidificação do solo, impedindo o cultivo de outras espécies de plantas na área.

Em seguida, o Cafelab determinou que a melhor maneira de neutralizar essa acidez era compostar os resíduos de café em contêineres. Os alunos testaram várias técnicas de compostagem e concluíram que essa era, de fato, uma solução viável para o tratamento de resíduos.

Alunas do projeto Cafelab, na Colômbia, mostram cesta feita de talos de café
Alunas do projeto Cafelab, na Colômbia, mostram cesta feita de talos de café (Imagem: Cafelab)

Após o sucesso da compostagem do Cafelab, os alunos procuraram Majé com soluções alternativas para os resíduos de café: “Sugeriram fazer vinho, velas perfumadas, biogás e até baterias elétricas a partir do ácido das cascas”.

A direção da escola apelidou o Cafelab de “Os Loucos”, e alguns professores foram céticos em relação ao método de ensino, mas o projeto continuou. Majé e seus alunos seguiram coletando cascas de café descartadas para diferentes experimentos no laboratório.

“O Cafelab foi financiado de nossos próprios bolsos”, destaca Majé. “Cada passeio e equipamentos foram pagos com nosso dinheiro. Ao longo dos anos, o Ministério da Educação fez contribuições mínimas, mas sempre respondiam dizendo que não havia recursos”.

Apenas quando o Cafelab começou a receber prêmios internacionais, a iniciativa ganhou destaque na Colômbia. “No momento, temos um bom relacionamento com o Ministério da Educação, mas isso foi após termos sido reconhecidos como uma das melhores escolas do mundo”, diz Majé. Eles participaram de todas as competições que encontraram e já acumulam 34 prêmios.

Nas disciplinas de matemática e ciências, essa abordagem agora é integrada à grade curricular dos alunos de 14 a 17 anos da Instituição Montessori em San Francisco. “Houve uma revolução após o prêmio de melhor escola ambiental do mundo”, diz Majé em referência à competição vencida no ano passado. “Tínhamos 350 alunos e, desde novembro, ganhamos mais cem alunos”.

O que começou como uma pequena iniciativa evoluiu para se tornar um modelo educacional replicado em outras 12 escolas da rede Montessori. O sonho de Majé é levar o modelo às demais áreas rurais da Colômbia: “Gostaríamos que todas as regiões tivessem um modelo semelhante”.

Reutilização de água no México

O México é um país assolado pela crise hídrica. Após a declaração de emergência nacional na seca de 2021, os mexicanos sabem que, cedo ou tarde, a água em suas torneiras pode acabar novamente.

“Alguns estados ficaram sem água por várias semanas”, lembrou César Guzmán Balderrama, professor de programação e robótica no Instituto Cultural Vigotsky, em Tampico, na costa leste do México.

“Ensinamos programação a crianças de 7 a 11 anos, e tento mostrar como isso é implementado no mundo”, diz Guzmán. No ano passado, três alunos receberam o prêmio Escolas Sustentáveis, da Fundação Santillana, por um projeto de reuso de águas residuais desenvolvido na escola.

Tudo começou com uma tarefa de casa para os alunos do último ano do ensino fundamental. Eles já conheciam os conceitos básicos de programação de dispositivos, como de motores, bombas d’água e interruptores de luz, mas não iam além da mecânica e do código. Quando uma feira nacional de ciências solicitou projetos de desenvolvimento sustentável, Guzmán convocou seus alunos a resolverem um problema ambiental.

“Três meninos me pediram para abordar a questão do desperdício de água”, lembra Guzmán. “Quando fizemos pesquisas, descobrimos que lavar as mãos desperdiçava muita água na escola. Então, começamos a contar quantas crianças iam ao banheiro e quanta água era desperdiçada. Eram muitos litros”.

Eles projetaram um sistema que armazena e filtra a água jogada na pia e depois faz o bombeamento para um tanque especial antes de reutilizá-la na descarga do vaso sanitário. Os garotos de 11 anos criaram um protótipo em pequena escala para a competição.

O projeto foi um sucesso, venceu a disputa, e os alunos viajaram para receber o prêmio na Cidade do México. Depois, eles receberam convites para competições internacionais. “A partir daí, decidimos ampliar o projeto e instalar o sistema de reuso de água em toda a escola”, explicou Guzmán. 

O trio de alunos premiado já se formou da escola primária, mas o professor acredita que outros continuarão o ciclo: “Queremos compartilhar nosso projeto com outras escolas. Se isso funcionou para nós, pode ser usado em outros lugares também”.

Discos para recuperar a vegetação

Todos os dias, a professora argentina Jorgelina Gavotti viaja alguns quilômetros até Villa Rumipal, pequena cidade na província de Córdoba, para lecionar na mesma escola onde estudou. Ela ensina química a alunos do último ano do Instituto Provincial de Educação Técnica Gustavo Riemann.

“Trabalhamos com base em projetos”, explica Gavotti. “Começamos essa abordagem em 2014, sempre com um foco socioambiental”. As iniciativas são desenvolvidas pelos alunos ao longo do ano e incluem o diagnóstico de problemas e o desenvolvimento de soluções.

Em 2021, os professores pediram aos estudantes propostas de soluções para os incêndios florestais que atingem a área. No Vale de Calamuchita, próximo à cidade, milhares de hectares de vegetação haviam sido consumidos pelas chamas naquele ano, chegando muito perto das casas de vários alunos.

Bombeiros enfrentam incêndios florestais em Córdoba, Argentina
Bombeiros enfrentam incêndios florestais em Córdoba, Argentina, em 2020. O Vale de Calamuchita tem sofrido com fogo nos últimos anos (Imagem: Charly Parrilla / Alamy)

Entre todas as sugestões apresentadas, uma em particular impressionou os professores. Batizada de “Re-Forest”, a iniciativa propôs criar pequenos discos biodegradáveis que abrigassem sementes e fossem dispersos na região para auxiliar na restauração florestal. O projeto foi desenvolvido por três alunos, entre eles a filha de Gavotti. 

“É algo muito simples, mas quando você vê os resultados, não consegue acreditar”, disse Gavotti.

Os discos são feitos de papel reciclado coletado na cidade. Em seu interior, são acrescentadas sementes nativas e uma mistura de cascas de frutas e vegetais desidratados para servir de composto orgânico. 

Segundo a professora, os alunos pegaram todas as sobras descartadas por suas famílias, secaram o composto no sol, o trituraram e começaram a fazer testes com os materiais inseridos no disco.

Eles então coletaram amostras do solo degradado para análise. No laboratório da escola, mediram a acidez e a umidade das amostras. Isso permitiu que eles determinassem com precisão o tempo de compostagem dos discos, as mudanças nas condições do solo e o tempo que as sementes levariam para se transformar em plantas.

Gavotti explica que, em áreas afetadas por incêndios florestais ou pela silvicultura de pinheiros, o solo pode se tornar muito compacto e ácido. As plantas têm dificuldade para crescer nessas condições, e a recuperação natural dos solos pode levar mais de cinco anos. “O disco retém a água por mais tempo que o normal. Eles são compostados em um mês e meio, e o solo é neutralizado”, explica a professora de química. 

Gavotti quer manter o projeto de forma regular, mas ainda depende de financiamento. Ela quer produzir discos suficientes para apoiar as atividades de replantio desenvolvidas pelos guardas florestais locais.