Negócios

Brics faz dez anos

Líderes do grupo se reúnem em sua 11a cúpula e querem aumentar integração com novos empréstimos bancários
<p>Jair Bolsonaro e Xi Jinping fizeram uma reunião durante a cúpula dos Brics em Brasilia (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/palaciodoplanalto/49060585232/">Alex Santos/ PR</a>)</p>

Jair Bolsonaro e Xi Jinping fizeram uma reunião durante a cúpula dos Brics em Brasilia (imagem: Alex Santos/ PR)

Nesta semana os líderes de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul discutiram em uma cúpula em Brasília os caminhos para o futuro do Brics. Os líderes veem no estímulo aos empréstimos concedidos pelo NDB (Novo Banco de Desenvolvimento) como inevitável para fortalecer o bloco.

Em diferentes momentos os líderes mencionaram a importância de investir em projetos que deem prioridade ao desenvolvimento sustentável. O presidente do NDB, K.V. Kamath disse que o banco deve aumentar a oferta a investidores privados e estimular os empréstimos em moedas locais.

“Notamos com satisfação o papel do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) no financiamento de infraestrutura e no desenvolvimento sustentável”, escreveram os chefes do Brics na declaração conjunta divulgada ao fim da 11a cúpula dos Brics.

O documento foi assinado pelos presidentes Jair Bolsonaro (Brasil), Vladimir Putin (Rússia) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), além do primeiro-ministro Narendra Modi (Índia) e do dirigente da China, Xi Jinping. “Expressamos nosso compromisso com o desenvolvimento sustentável em suas três dimensões – econômica, social e ambiental – de maneira equilibrada e integrada”, diz o texto.

Welber Barral, ex-secretário de comércio exterior do Brasil e sócio da consultoria Barral M Jorge, destaca que os projetos de infraestrutura representam a maior parte dos financiamentos do banco, mas que a opção por projetos sustentáveis é decisão política e cabe a cada governo.

Construindo os Brics

Dez anos depois de o bloco ser criado, os Brics não são mais a nova sensação mundial que um dia foram. Se no início firmaram-se que a nova e poderosa voz do mundo em desenvolvimento, hoje frequentemente parecem uma coleção desengonçada de países um tanto diferentes entre si.

Apesar disso tudo, a importância geopolítica do grupo ainda é inegável: são cinco das maiores economias, populações e territórios do mundo. O que os Brics fazem ainda importa — e muito.

“Os Brics são grandes potências de grande desenvolvimento e riqueza que se associaram para serem uma força alternativa às que existiam até então,” diz Marcio Azambuja, ex-secretário Geral do Itamaraty.  “Mas estão precisando encontrar seu caminho e sua vocação, é uma ideia ainda à procura de uma agenda comum.”

Nosso projeto inicial era reformar as instituições de Washington

Para o professor de relações internacionais da FGV, Oliver Stuenkel, que o Brics é hoje muito mais institucionalizado, com mais de 100 reuniões anuais e que o grupo ajudou a fazer o Brasil ter uma percepção mais de mundo mais centrada na Ásia: “A importância [do bloco] é altamente significativa”, escreveu ele no Twitter.

A primeira cúpula dos Brics aconteceu em 2009, na Rússia, depois se seus membros inaugurais se encontrarem mais informalmente por alguns anos. O nome do grupo havia sido criado no início daquela década, pelo economista do Goldman Sachs Jim O’Neill.

Desde então se tornaram um bloco de importância geopolítica valiosa, como quando juntos negociaram e tornaram possível tratados sobre o clima — que antes eram em grande parte embarreirados por nações em desenvolvimento que não aceitavam pagar a mesma conta que os poluidores históricos.

Os Brics nasciam ali como uma voz potente do mundo em desenvolvimento. Uma das suas primeiras agendas era reformar os mecanismos de financiamento internacionais, segundo conta Paulo Nogueira Batista Jr, que fez parte do processo dos Brics como representante brasileiro no Fundo Monetário Internacional e um dos fundados do banco dos Brics — o banco em si foi resultado dessa agenda.

“Nosso projeto inicial era reformar as instituições de Washington,” conta Batista Jr.

A cúpula Brics em Brasília confirmou a abertura do escritório regional do NDB nas Américas em São Paulo e de uma subsede em Brasília. O banco, cuja sede fica em Xangai, também planeja abrir escritórios em Moscou, na Rússia, e na Índia no próximo ano.

Embora o NDB se comprometa a desenvolver medidas para mitigar as mudanças climáticas e 16 dos 42 empréstimos aprovados pelo banco sejam para projetos de energia renovável, a instituição adia a implementação de padrões ambientais dos países destinatários.

Isso significa que o NDB, apesar de prometer ser uma ferramenta revolucionária para o desenvolvimento sustentável, não descartou investir projetos que utilizem energia de carvão.

Em vez disso, compromete-se a: “adotar processos limpos de produção e boas práticas de eficiência energética. Evitar a poluição ou, quando não for possível, minimizar ou controlar a intensidade ou a carga das emissões de poluentes ”.

No início deste ano, o NDB emprestou 480 milhões de dólares a instalação de unidades de dessulfuração na usina a carvão de Medupi, na África do Sul.

Críticos afirmam que as políticas ambientais do banco são vagas e sofrem com a falta de imaginação sobre como pode ser o apoio a projetos que priorizem o desenvolvimento sustentável.

Compromisso com a sustentabilidade

Na reunião desta semana, durante a 11a Cúpula, os líderes reiteraram os compromissos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e a implementação do Acordo de Paris.

Na declaração,  os líderes também afirmam esperar que a primeira reposição do Fundo Verde para o Clima (GCF) “exceda significativamente, até o final de 2019, a mobilização inicial de recursos” e dizem estar comprometidos em trabalhar pelo sucesso da COP 25.

No primeiro dia do evento, Jair Bolsonaro e Xi Jinping fizeram uma reunião na qual fecharam acordos bilaterais, como protocolos sanitários para exportação de pera e melão, entre outros. Xi Jinping e Vladimir Putin criticaram barreiras protecionistas, em um momento em que a China enfrenta guerra comercial com os Estados Unidos.

São cinco países que não aceitam, nenhum deles, a hegemonia do outro

Paulo Guedes, ministro da Economia do Brasil, disse que o governo brasileiro negocia com a China uma área de livre comércio entre os dois países. As re­gras do Mer­co­sul impedem que membros acertem in­di­vi­du­al­men­te acor­dos bi­la­te­rais que en­vol­vam eli­mi­na­ção de ta­ri­fas.

De acordo com o jornal O Estado de S.Paulo, as conversas ain­da não in­clu­em a ideia de área de li­vre-co­mér­cio, mas tratam de au­men­tar os itens na pau­ta de ex­por­ta­ção.

Desafios dos Brics

Depois de alguns anos dominando manchetes, os Brics submergiram. A promessa do Brasil de se tornar um gigante não se concretizou — tampouco a do novo membro, a África do Sul. O relacionamento entre Índia e China azedou, enquanto a Rússia passou a ser alvo de diversas sanções. A coordenação entre nações tão diferentes, que já era árdua, tornou-se mais difícil.

Azambuja explica que coordenação sempre foi o desafio dos Brics. Historicamente blocos entre países diferentes são construídos por proximidade geográfico, em torno dos vitoriosos de uma guerra, ou de um poder hegemônico. Os Brics não eram nada disso.

“São cinco países que não aceitam, nenhum deles, a hegemonia do outro. Então, isso gera um problema operacional,” explica. “Como eu transformo grandes ideias em planos operacionais? É muito complicado.”

Para além disso, em poucos anos os Brics já não eram mais um grupo de países em desenvolvimento — tornaram-se um grupo de economias emergentes. Isso transformou seu papel no mundo.  A China se tornou uma superpotência, a Índia cada dia chegar mais perto de se tornar outra e a Rússia é cada vez mais importante em questões de segurança internacional.

Mas isso não significa que qualquer um dos países desistirá do bloco — afinal, fazer parte dele prestigia a todos. Principalmente ao Brasil e à África do Sul, que já não têm a importância geopolítica que um dia tiveram.

Mas o mundo também mudou, explica Paulo Esteves, coordenador do Brics Policy Center.

“O mundo hoje se parece muito mais com um mundo construído à imagem do Brics,” diz. “Ou seja, um mundo que tem múltiplos polos de poder, do que propriamente a imagem do ocidente.”