Se há um lugar na América Latina onde a República Popular da China concentrou esforços, projetos e recursos na implacável corrida para expandir sua influência global, este lugar é a Venezuela. Na última década, o país rico em petróleo foi o destino de mais de um quarto dos 200 bilhões de dólares que a China investiu no continente latino-americano.
O caminho foi pavimentado por Hugo Chávez. O então presidente estava tão determinado a romper com as tradicionais alianças estratégicas do país quanto a garantir a entrada de mais dinheiro para impulsionar sua visão de “socialismo do século XXI”. Em 2007, foi formalmente criado o Fundo Conjunto China-Venezuela, o epítome de uma nova etapa da aliança entre Beijing e Caracas. A nova fase deu seus primeiros passos em 2001, com um aperto de mão entre Chávez e o então presidente chinês Jiang Zemin.
Beijing injetou cerca de 30 bilhões de dólares no Fundo Conjunto China-Venezuela. O montante começou a ser pago em 2007 e foi dividido em três parcelas, chamadas simplesmente de “A”, “B” e “C”, cujo prazo de pagamento foi estendido duas vezes até 2015. Outros 20 bilhões foram depositados em 2010 e administrados por um órgão conjunto chamado Fundo de Grande Volume e Longo Prazo. Estes 50 bilhões de dólares, no total, foram colocados na mesa pela China para o desenvolvimento de projetos em solo venezuelano (em sua maioria realizados por empresas chinesas) em troca de recursos minerais, petróleo, compras de produtos finais manufaturados chineses e uma dose implícita de lealdade política.
Armando.info obteve e analisou, junto com o Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP), centenas de documentos sobre o desenvolvimento desta cooperação ocorrida entre 2007 e 2012, que, até hoje, segundo o regime de Nicolás Maduro, promoveu 790 projetos no marco da “revolução bolivariana”. O Diálogo Chino forneceu informações adicionais. Porta-vozes oficiais do governo sempre apresentaram esta relação como vantajosa para a Venezuela, mas estes documentos — que incluem relatórios de projetos, memorandos entre ministérios, correspondência e ordens de pagamento — retratam um governo que, apesar de entusiasmado com a parceria, era ineficiente e desorganizado. Era como se faltasse capacidade para instrumentalizar o pragmático apoio chinês em seu favor.
O progresso destes projetos foi tímido em praticamente todos os aspectos. Com exceção, talvez, do lançamento dos satélites Simón Bolívar, Francisco de Miranda e Antonio José de Sucre (o primeiro dos quais perdeu comunicação no ano passado), a cooperação entre a China e a Venezuela deixou decepções equivalentes a milhões de dólares, como um sistema ferroviário nunca concluído, tumultuadas compras de aviões militares e eletrodomésticos, e até mesmo um escritório que custou mais do que muitos outros projetos juntos.
A Venezuela e a China queriam dançar joropo, a valsa da região, juntas, mas, ao que parece, os resultados da dupla foram tudo menos espetaculares.
A China transferiu 1 bilhão de dólares para o governo de Hugo Chávez, um crédito atrelado à venda de uma quantidade astronômica de minério de ferro. Mas a única coisa que decolou foi a dívida
3. Em vez de produzir, fábrica na Venezuela importa da China
A Venezuela queria construir uma fábrica para abastecer todo o país com eletrodomésticos manufaturados localmente até 2025. Acabou importando tudo da própria financiadora da fábrica: a Haier, da China.
4. O escritório público mais caro do mundo é uma zona
Em 2010, Beijing pediu um escritório a Caracas para supervisionar projetos binacionais. Foram reservados US $164 milhões para o projeto, mas hoje o espaço é um retrato do abandono.
5. A ferrovia chinesa que tirou a Venezuela dos trilhos
Foi construído apenas um terço dos 468 km planejados da ferrovia entre Tinaco e Anaco, que recebeu US$ 2,74 bi do Fundo Conjunto China-Venezuela. Mas conflitos trabalhistas e ambientais seguem a todo vapor.<
6. As “damas chinesas” que desapareceram do cenário venezuelano
Sob Chávez, duas mulheres representaram a Venezuela nas negociações com a China para obter financiamento de projetos: a banqueira Edmée Betancourt e a diplomata Rocío Maneiro.
*Esta investigação é baseada em um conjunto de documentos obtidos por Armando.info (Venezuela), que foram processados e analisados em parceria com o Centro Latino-americano de Jornalismo Investigativo (CLIP) com colaboração do Diálogo Chino.