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Mercosul comemora 30 anos em meio a tensões crescentes

Paraguai, Uruguai e Brasil buscam um Mercosul mais flexível e aberto, enquanto a Argentina mantém uma posição mais conservadora
<p>Presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala na cúpula on-line do Mercosul (imagem: presidência da Argentina)</p>
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Presidente da Argentina, Alberto Fernández, fala na cúpula on-line do Mercosul (imagem: presidência da Argentina)

Em 26 de março de 1991, os chefes de Estado da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai se reuniram para assinar um tratado que estabeleceria formalmente uma iniciativa de integração econômica denominada Mercado Comum do Sul, mais conhecido como Mercosul.

Agora, 30 anos depois desse tratado, o modelo de integração é discutido novamente. Os presidentes dos quatro países comemoraram o aniversário do Mercosul na semana passada com uma cúpula on-line, na qual as visões opostas sobre o futuro do bloco se tornaram visíveis. 

Jair Bolsonaro (Brasil), Luis Lacalle Pou (Uruguai) e Miguel Abdo Benítez (Paraguai) pediram que o Mercosul negociasse mais acordos comerciais com outros países e reduzisse as tarifas do bloco. O pedido foi rejeitado pelo presidente argentino Alberto Fernández, que agora detém a presidência pro tempore do Mercosul. 

Bolsonaro defendeu a “modernização” do Mercosul e disse que o bloco deveria aderir à “quarta revolução industrial” mundial. O presidente brasileiro também pediu para que as economias regionais “participem mais nas cadeias de valor agregado regional e global, especialmente agora, de modo a superar os grandes danos causados pela pandemia”.

Dando coro aos comentários de Jair Bolsonaro, Lacalle Pou disse que o Uruguai “precisa avançar na arena global” e propôs uma discussão formal sobre a mudança das regras do bloco. “Quase todos os presidentes falaram de pragmatismo, eu quero fazer coro a esse conceito”. O Mercosul não deve se tornar um fardo para nosso comércio regional”, acrescentou ele. 

Fernández não deixou por menos e afirmou que a Argentina “não quer ser um fardo” para o resto dos membros do Mercosul e até ameaçou deixar o bloco. Ele reconheceu que os quatro países não têm, atualmente, uma visão comum sobre as prioridades do Mercosul e pediu que se dê  “o tempo necessário” para implementar novos acordos comerciais de forma a não afetar negativamente o setor industrial no nível local. 

O desacordo entre os quatro países aumentou ao longo dos anos e agora é mais pronunciado, dada a posição mais protecionista da administração Fernández na Argentina. Em 2019, o bloco pôde concordar em princípio com um acordo de livre comércio com a União Européia (UE), mas as negociações ficaram paradas desde então. 

O Uruguai tem repetidamente afirmado seu desejo de uma aliança com a China por meio do Mercosul, ou de um acordo com a China que contorne o Mercosul. O Brasil também tem discutido a possibilidade de assinar um acordo bilateral com a China, bem como com os Estados Unidos.

Mas como se sabe, não é permitido pelas regras do bloco que membros do Mercosul façam acordos comerciais bilaterais, especificamente pela chamada “Decisão 32”, acordada há 20 anos. Alterá-la significaria uma revisão e transformação do bloco de uma união aduaneira para uma zona de livre comércio, algo que a Argentina rejeita.

Um bloco de comércio limitado

Especialistas em comércio descrevem o Mercosul como uma das entidades menos eficazes do mundo, tanto em termos de comércio entre seus membros quanto com parceiros externos. O consultor comercial argentino Marcelo Elizondo estima que, de todos os blocos comerciais, o Mercosul exporta o mínimo do mundo em relação ao seu Produto Interno Bruto (PIB). 

“O Mercosul foi construído para impulsionar o comércio entre seus membros, mas sem incentivos para desenvolver relações comerciais com o resto do mundo”, escreveu Elizondo e o especialista em comércio uruguaio Ignacio Bartesaghi em uma coluna na semana passada. “Parece inevitável que o Mercosul deve enfrentar uma nova era na qual deve refletir o interesse nacional e as tendências internacionais”.

O Mercosul está atualmente em negociações abertas com a Coreia do Sul, Cingapura, Canadá, Líbano e a Associação Européia de Livre Comércio (EFTA, sigla em inglês). Também está prestes a finalizar os detalhes finais de um acordo comercial com a UE. 

Especialistas em relações internacionais Julieta Zelicovich e Magdalena Bas argumentam que, do ponto de vista da eficácia do Mercosul em ser um mecanismo para criar relações comercais com o resto do mundo, o saldo de 30 anos é negativo.

“Nas últimas três décadas, o bloco comercial assinou um número muito limitado de acordos que têm relevância muito limitada em termos de participação de mercado”, argumentam as internacionalistas. “O acordo com a UE foi apresentado como a última oportunidade para o Mercosul reagir como um ator internacional”. Mas a atual resistência ao acordo coloca a ele uma sentença de morte”.

Com quase 300 milhões de habitantes em uma área de quase 15 milhões de quilômetros quadrados, o Mercosul tem uma produção econômica total de 2,4 trilhões de dólares. A China, os Estados Unidos e a União Europeia são os principais destinos de exportação e importação. A soja, o petróleo bruto e os minerais são os principais produtos exportados. 

Em um relatório recente, a consultoria econômica argentina Abeceb solicitou que o Mercosul “olhe além” de seus quatro membros para evitar que o bloco continue a perder relevância. A consultoria também destacou a crescente importância da China para o Mercosul, deixando de representar apenas 3% de suas exportações 30 anos atrás para ser o principal destino das exportações de hoje.