O presidente equatoriano Guillermo Lasso trouxe duas boas notícias de sua viagem à China em fevereiro deste ano: não apenas o país asiático prometeu renegociar sua dívida soberana de US$ 4,6 bilhões, como ambos também começaram a negociar um Tratado de Livre Comércio (TLC). Da América Latina, apenas Peru, Chile e Costa Rica têm TLCs com a China.
“A pandemia teve efeitos negativos na economia global, e o Equador não é exceção”, disse Lasso, explicando os esforços de sua administração para buscar meios de aliviar a difícil situação econômica do país.
Um dos objetivos da visita a Beijing foi o de anular um acordo assinado durante o governo de Rafael Correa em que o pagamento da dívida estava atrelado à venda de petróleo em condições especiais. Segundo Lasso, o acordo incluía termos desfavoráveis a eles.
“Quase dois bilhões [de dólares] estão vinculados a um acordo de venda de petróleo”, disse o presidente no mesmo discurso televisionado do Palácio Carondelet, sede do governo. Ainda na ocasião, Lasso mencionou que tentaria estender os prazos de pagamento e reduzir as taxas de juros.
O tratado pode impulsionar as vendas de produtos agrícolas do Equador para a China, mas também aumentar a concorrência entre fabricantes locais e chineses. A indústria equatoriana ainda está se recuperando da crise econômica aprofundada pela pandemia.
Assim, o país sul-americano está pronto para um acordo de livre comércio com a China?
Negociações complexas entre Equador e China
Gustavo Cáceres, presidente da Câmara de Comércio Equador-China, afirma que a assinatura de um potencial TLC envolve um trabalho árduo para analisar as “diferentes condições, problemas ou oportunidades que um acordo comercial pode ter”.
Cáceres disse ao Diálogo Chino que um acordo comercial com a China é fundamental para que as exportações agrícolas decolem. No entanto, ele aponta que tal tratado deveria ser minuciosamente analisado e seus termos sejam bem discutidos para se entender suas consequências socioculturais mais amplas. Assim, seria possível proteger setores produtivos mais expostos à dura concorrência de homólogos chineses.
“Alguns setores podem ter retrocessos, e devemos analisar quais medidas podem ser tomadas para proteger ou compensar essas áreas ao longo do tempo”, disse Cáceres, sugerindo incentivos fiscais de dez a 20 anos para as empresas mais vulneráveis.
Cáceres também sugere a possibilidade de designar algumas indústrias como “intocáveis”, com medidas protecionistas para protegê-las da concorrência estrangeira.
Certas indústrias, como têxtil e de calçados, podem precisar de uma proteção extra. Lasso garantiu que, se um TLC for assinado, a liberalização do comércio seria gradual justamente para dar aos produtores locais uma chance de aumentar sua competitividade.
“Definitivamente, vamos proteger [esses setores]”, disse Lasso.
TLC ambicioso
A negociação de um TLC com a China demandaria a resolução de questões urgentes para o governo, segundo avaliação de Felipe Rivadeneira, chefe da Federação Equatoriana de Exportadores (Fedexpor). É preciso, sobretudo, elaborar e implementar um plano nacional de exportação, acrescentou.
“Acordos comerciais não envolvem apenas a garantia de mercado, mas também a de receber investimentos e transferência de tecnologia, outra parte interessante. A logística tem que ser melhorada”, pontua Rivadeneira. E continua, “o trabalho [deve ser feito] sobre uma agenda de competitividade, ou seja, para melhorar a produtividade”.
O camarão se destaca como um produto na cesta de exportação não petrolífera do Equador. E é também a indústria que pode ganhar impulso com um TLC com a China.
O país asiático, principal destino do camarão equatoriano, comprou 43% das vendas internacionais de crustáceos do Equador em 2021. O comércio está estimado em US$ 2,3 bilhões, de acordo com a Fedexport.
US$ 2,3 bilhões
Foi o valor das exportações de camarões do Equador para a China em 2021, segundo dados da Fedexport
“A relação deve ser estreitada para melhorar os canais de diálogo e cooperação técnica e assim continuar o processo de maturação do mercado”, disse José Antonio Camposano, presidente da Câmara Nacional de Aquicultura, ao jornal equatoriano El Universo.
Em 2021, o Equador exportou uma série de outros produtos, principalmente agrícolas, para a China. De acordo com a Fedexpor e o Banco Central do Equador, as vendas de madeira chegaram a US$ 128 milhões. A madeira de balsa, utilizada na fabricação das lâminas de turbinas eólicas, é a grande responsável por esse resultado.
O Equador exportou o mesmo valor em produtos manufaturados no ano passado. As vendas de bananas alcançaram US$ 104 milhões; as de ração animal, US$ 68 milhões; de peixe fresco, US$ 13 milhões e pitaia US$ 11 milhões, incentivando agricultores que sonham em ter acesso ao mercado chinês.
Esperanças de um boom agrícola no Equador
Os produtores de pitaia, em particular, esperam que o volume de remessas para a China e outros países aumente. Reinaldo Armijos, gerente da produtora e exportadora Esinnper, acredita ser possível obter um resultado ainda melhor se houvesse mais apoio governamental na fase de produção e promoção do produto no exterior.
“Normalmente, entre governos, você pode obter uma lista de compradores formais, mas [atualmente] não existe tal coisa”, disse Armijos ao Diálogo Chino. “Como produtores, temos que ir atrás e procurá-los. Temos saído para vender para o Canadá e os Estados Unidos. Estamos vendendo para a Espanha, mas não existe apoio”.
A empresa, que tem 46 hectares de plantações de frutas, envia de duas a três toneladas do produto ao exterior semanalmente.
Acordos comerciais não envolvem apenas a garantia de mercado, mas também a de receber investimentos e transferência de tecnologia
Armijos vê o futuro acordo comercial como positivo, mas também acredita que o governo deve facilitar o acesso a empréstimos em condições favoráveis de bancos estaduais (empréstimos com juros mais baixos que as taxas de mercado) para melhorar a tecnologia, aumentando a competitividade de suas frutas e outros produtos equatorianos.
O TLC pode oferecer ainda mais oportunidades de vendas de bananas, diz Franklin Torres, presidente da Federação Nacional dos Produtores de Banana do Equador. Para ele, o acordo comercial pode nivelar a atuação entre os exportadores equatorianos e asiáticos.
“Isto facilitaria tanto a entrada de nossos produtos, sem o imposto atualmente pago sobre as bananas equatorianas, que corresponde a 10% do valor da venda, quanto a compra de produtos chineses de que precisamos aqui. Isso ajudaria com a entrada de fertilizantes a preços mais baixos. O mesmo com as máquinas”, disse Torres.
Riscos para calçados do Equador
Lidia Villavicencio, presidente da Câmara Nacional do Calçado do Equador, disse ao Diálogo Chino que a organização analisa de perto a situação do setor e os potenciais impactos de um TLC com a China.
As preocupações neste setor — responsável por 118 mil empregos diretos, segundo Villavicencio — são de que eles não serão capazes de competir em preço com os produtos chineses, bem como na condição do setor após os desafios impostos pela pandemia. Por isso, Villavicencio acredita que as reduções tarifárias devem ser uma medida de proteção.
“Reduzimos a produção e a geração de empregos. A Covid-19 foi o golpe mais duro que sofremos. Não vender durante dois anos significa não produzir. Até 2019, tínhamos 5.400 fabricantes de calçados, hoje temos cerca de 3.600”, lamenta Villavicencio.
Políticas para impulsionar a produção
Enquanto o governo equatoriano busca melhores condições para comercializar seus produtos no exterior, ele também quer estimular cadeias de produção em setores que poderiam tirar proveito da maior demanda por insumos. A agricultura é uma dessas indústrias.
Em outubro passado, o ministro da agricultura Pedro Álava disse a um programa de notícias do Equador que o governo deseja melhorar os modos de produção dos agricultores.
“Estou trabalhando arduamente em projetos associados. Um agricultor de cinco hectares nunca será elegível para o crédito de um trator, mas se eu juntar 50 agricultores com dez hectares [cada um], eles serão elegíveis ao crédito para tratores, equipamentos, sistemas de irrigação e mais”, disse o ministro.
O Diálogo Chino solicitou entrevista com o Ministério da Agricultura para discutir os planos do governo para a agricultura, mas o órgão não respondeu até o momento.
O acordo comercial com a China também pode atrair novos investimentos em telecomunicações, linhas de montagem automotivas e produtos farmacêuticos. Lasso os identificou em seu recente plano econômico, parte das reformas anunciadas em dezembro que buscam reativar a economia.
Entre as medidas sendo implementadas, está a redução progressiva no imposto sobre a saída de moeda estrangeira, de 5% para 4%. Ele considerou a taxa original, criada durante o governo de seu antecessor Rafael Correa, como “uma barreira aos investimentos”.