Negócios

Investimentos responsáveis requerem participação da sociedade civil

É preciso análise conjunta de impactos chineses indesejados

O líder chinês Deng Xiaoping disse, em 1988, que “o século XXI vai ser a era da América Latina” para a China. Depois, os líderes que o substituíram se encarregaram de estabelecer os instrumentos para conseguir que a China se convertesse em uma referência econômica e geopolítica fundamental para a região. Como nenhum outro país, a China anunciou em 2008 sua política de relacionamento com a América Latina; em 2015 pactuou o Plano de Cooperação (2015-2019), durante a Cúpula da CELAC, em Pequim e 2016 foi declarado por Xi Jinping como o Ano de Intercâmbio Cultural com América Latina e Caribe, o momento mais importante dessa relação entre povos desde que foi fundada a República Popular da China, em 1949. Apesar de a China ter declarado, na sua política de 2008, que “o governo chinês almeja o intercâmbio entre organizações não governamentais…” e menciona que “o lado chinês está disposto a fortalecer essa troca com os países latino-americanos e caribenhos no aspecto das leis, disposições legais e políticas de proteção ambiental…”, é claro que não houve, nem de parte da China nem dos governos receptores do investimento chinês, uma vontade de tratar os problemas e desafios ambientais e sociais dos projetos com presença chinesa, e principalmente, fazê-lo de maneira participativa. Em alguns casos, os contratantes chineses, inclusive, falharam ao cumprir as regulações dos países anfitriões. Como exemplo, no projeto de mineração Mirador, no Equador, a empresa chinesa Ecuacorrientes (uma associação da Tongling Nonferrous Metals com a China Railway Construction Company) começou suas atividades, em 2012, sem ter o correspondente EIA aprovado. No fim de 2015, comunidades locais propuseram uma ação de amparo constitucional alegando uma desocupação forçada e ilegal por parte da empresa chinesa e das agências governamentais equatorianas. Com estes desafios em mente, em março passado, em Bogotá, reuniram-se mais de 35 representantes de organizações não governamentais da América Latina e internacionais para analisar os compromissos e diretrizes ambientais e sociais chinesas que são aplicados nas operações fora da China. Foi uma surpresa saber que existem mais de 300 regulações e diretrizes para os bancos e empresas chinesas no exterior, e que mais de 30 delas têm princípios e requisitos de proteção ambiental e social. No encontro também foram analisados os acordos bilaterais firmados pela China com a Colômbia, Argentina, Brasil e Bolívia, estudos de caso de investimentos chineses nos setores de mineração, hídrico e de extração de carbono, assim como também o Canal da Nicarágua e o projeto de construção do Trem Brasil-Peru. Foi o primeiro evento deste tipo na região, co-organizado pela Iniciativa para os Investimentos Sustentáveis China-América Latina (projeto patrocinado pela American University, Washington DC), a Associação Ambiente e Sociedade (Colômbia), e o Instituto Brasileiro para a Análise Econômica e Social (Brasil). Entre as regulações chinesas mais destacadas pode-se mencionar a Diretriz de Crédito Verde (aplica-se a todas as instituições bancárias chinesas), que requer que os devedores dos bancos chineses implantem as melhores práticas internacionais ambientais e sociais nos projetos financiados por esses bancos. Esta Diretriz foi estabelecida pela Comissão de Regulação da Banca Chinesa (CRBC). Outro assunto que chamou a atenção foram os Alinhamentos sobre Responsabilidade Social para o Investimento Minerador Chinês que, ainda que sejam voluntários, se aplicam às companhias membros da Câmara Chinesa de Comércio de Importações e Exportações de Metais, Minerais e Químicos (CCCMC, suas siglas em Inglês), onde se agrupam as maiores empresas mineradoras chinesas, tanto estatais como privadas. Estes alinhamentos reconhecem o direito ao consentimento livre, informado e prévio das comunidades locais, abrem a possibilidade de estabelecer áreas de exclusão dentro da própria área do projeto por razões ambientais, e requerem que as companhias mineradoras chinesas (públicas e privadas) publiquem todos os pagamentos que fazem às instituições e empregados públicos do país receptor. Além disso, as companhias mineradoras chinesas devem informar à CCCMC sobre a implementação dos alinhamentos e as instituições financeiras chinesas devem, também, informar à CRBC sobre a implantação da Diretriz de Crédito Verde. É importante ressaltar que nenhuma associação mineradora ou agência de controle bancário de caráter nacional estabeleceu diretrizes ambientais e sociais como fizeram as instituições chinesas, mesmo que a existência destes princípios ainda não se reflita na prática. Mas, se para alguma coisa serve a experiência com os bancos multilaterais tradicionais, como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, as diretrizes ambientais e sociais chinesas não terão utilidade se não caminharem lado a lado com mecanismos institucionais que assegurem a transparência, facilitem o diálogo entre múltiplos atores e promovam uma cultura de prestação de contas ao público. Tomara que 2016, declarado como o Ano do Intercâmbio Cultural da China com a América Latina e o Caribe, abra a oportunidade de um verdadeiro intercâmbio que vá mais além dos aspectos folclóricos da relação. Que crie oportunidades – de povo a povo – para abrir espaços para a análise informada sobre os impactos não desejados dos investimentos chineses, assim como também de uma busca conjunta de soluções e alternativas.

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