A transição energética, processo que busca substituir fontes de energia fósseis por renováveis, depende de tecnologias como turbinas eólicas, painéis solares e baterias, entre outras. Essas soluções exigem minerais como lítio, cobre e cobalto para sua produção. Porém, esses minerais geralmente são encontrados em áreas de alta biodiversidade ou perto de comunidades que dependem dos ecossistemas locais para sua subsistência — contextos com os quais os países latino-americanos estão bastante familiarizados.
Cerca de 40% desses recursos minerais são encontrados em “países que apresentam governança fraca ou falha” globalmente, segundo uma publicação recente do Instituto de Governança de Recursos Naturais (NGRI na sigla em inglês), organização dedicada à melhoria da governança ambiental mundo afora.
Segundo o documento, isso significa que “essas nações carecem de leis, políticas ou mecanismos de responsabilização para garantir que a mineração não cause danos e, em vez disso, ofereça benefícios às populações”. A má governança também foi destacada como um desafio pelo Painel da ONU sobre Minerais Críticos para a Transição Energética.
Essas preocupações ficaram evidentes na conferência de biodiversidade da ONU, a COP16. O evento foi realizado em 2024 em Cali, na Colômbia, que lançou uma proposta para melhorar a rastreabilidade das cadeias globais de mineração, com o objetivo de combater a perda de biodiversidade e a poluição causada pelo setor. Para se tornar realidade, isso depende da assinatura de um tratado vinculante, que pode ocorrer na COP30, prevista para este ano em Belém do Pará.
O Dialogue Earth entrevistou Juan Luis Dammert, diretor da NGRI para a América Latina, sobre as metas e expectativas em relação à proposta desenvolvida com a contribuição da organização.
Dialogue Earth: Do que se trata exatamente o acordo que está sendo promovido?
Juan Luis Dammert: Esse acordo surgiu da necessidade de ter mecanismos de transparência e rastreabilidade para a mineração, especialmente nos casos em que os produtos de mineração vêm de cadeias que podem estar ligadas a atividades ilegais. Essa foi a motivação original do Ministério do Meio Ambiente da Colômbia, que elaborou essa iniciativa na expectativa de chegar à COP30 em Belém com uma versão consolidada para ser adotada pelos países.
Quais são as próximas etapas para atingir esse objetivo?
Um grupo de trabalho com várias partes interessadas será criado sob o guarda-chuva da ONU para levar essa iniciativa adiante. A via diplomática e o trabalho de políticas públicas deverão tomar forma para a apresentação do acordo nesse grande momento de confluência que será a COP30 em Belém.
Essa é uma corrida na qual o ouro e outros minerais continuarão sendo extraídos
Quais são os desafios pela frente?
O principal deles — e eu não entendo muito bem como isso vai acontecer — é como outros minerais, não apenas os de transição, serão incluídos. Por exemplo, o problema na região central da Amazônia é o ouro. O espírito do painel de transição da ONU é sobre a mineração como um todo. O mundo precisa de cada vez mais minerais, e estamos entrando em um estágio de intensificação da extração, algo que deve ser observado atentamente. Essa é uma corrida na qual o ouro e outros minerais continuarão sendo extraídos. É por isso que precisamos desenvolver esse grupo de trabalho com uma visão global.
Você acredita que a inclusão de outros minerais, como o ouro, é possível?
Acho que sim, porque nessa discussão também estamos falando de biodiversidade. E para países como o Peru e a Colômbia, o foco é o ouro e seu impacto em regiões altamente biodiversas como a Amazônia. Esse é um ângulo que também precisa ser analisado. As outras grandes questões são os direitos humanos e os direitos de consulta dos povos indígenas, para que eles não sejam esquecidos nos processos de extração.
Com essa proposta, foi aberta uma grande agenda com várias questões envolvidas. Não se trata apenas de assinar um tratado inócuo; é um tratado para superar os problemas gerados pela mineração em todos os níveis. Também temos que ver como os países e os mercados podem garantir a rastreabilidade, algo que não está acontecendo.
As empresas também podem participar desse acordo ou é uma negociação apenas em nível governamental?
Quando se fala em um grupo de múltiplas partes interessadas, as empresas definitivamente precisam estar envolvidas. Elas precisam desempenhar um papel muito importante, especialmente os empresários internacionais. E se estivermos falando de ouro, por exemplo, países como Suíça, Estados Unidos, Canadá, Emirados Árabes Unidos e Índia, que estão entre os principais compradores, precisam ser mais ativos.
Na América Latina, quais são as regiões mais críticas de extração de minerais?
Com relação à mineração em geral, há um quadro variado e complexo. Também não podemos perder de vista os minerais que serão prejudicados pela transição energética. Por exemplo, o norte da Colômbia é uma das principais áreas produtoras de carvão, e houve anúncios do governo [contra o setor]. Ao mesmo tempo, alguns países estão apostando na continuidade dessa atividade, e há economias que seguem usando carvão, como a China.
Já a situação do lítio, tido como importante na transição energética, é diferente. A América Latina desempenha um papel fundamental: o Chile é o segundo maior produtor do mundo; a Argentina aumentou sua produção e está emergindo como um ator muito importante; a Bolívia está tentando desenvolver seu setor ainda sem muito sucesso; o Peru tem alguns projetos de exploração que criaram muita expectativa no governo, e o México também está tentando fortalecer essa área. Portanto, há muita expectativa em relação a todos os minerais na América Latina, mas também muita pressão.
Há outro mineral em particular no qual devemos ficar de olho?
Cobre — em qualquer cenário tecnológico, o interesse por ele continua bastante alto. Portanto, o que esperamos agora é um longo ciclo de forte demanda por cobre, para o qual Chile, Peru, Colômbia e México terão que se preparar da melhor forma possível.
E se não nos prepararmos, como as coisas podem acabar?
Nos próximos anos, veremos uma intensificação nas taxas de extração, e isso exige que os países se preparem melhor ou fortaleçam suas estruturas de governança. Caso contrário, veremos a repetição dos problemas do passado em grande escala, com corrupção, ilegalidades e destruição ambiental. Não existe uma solução mágica para nossos problemas, mas há medidas, como esse acordo, por meio das quais devemos evitar que mais conflitos ou injustiças sejam provocados pela expansão da mineração.