O Panamá realiza eleições gerais — para eleger desde prefeitos a presidente — no próximo domingo, 5 de maio. Elas ocorrem apenas alguns meses após as mobilizações que levaram milhares de pessoas às ruas do país e impulsionaram o fechamento da Cobre Panamá, maior mina de cobre da América Central.
A questão ganhou destaque nos debates presidenciais e apareceu nos discursos dos principais candidatos: o líder de centro-direita e ex-ministro José Raúl Mulino; o ex-presidente Martín Torrijos (2004-2009); o ex-chanceler Rómulo Roux; e o advogado e candidato independente Ricardo Lombana. A mina de cobre ganhou tanta relevância nas eleições no país que chegou a ser apelidada de “outra candidata”.
Estima-se que as obras para o fechamento da mina, determinadas pelo governo em novembro, poderiam levar quase uma década e custar US$ 800 milhões. Além disso, aqueles contrários ao processo lembram que o país deu as costas a um setor que abarca 3% do produto interno bruto (PIB) do país, segundo estimativas do economista panamenho Felipe Argote. Já a First Quantum, mineradora canadense proprietária da mina desde 2013, sugere que o índice pode chegar a 5%.
Enquanto isso, especialistas alertam para a necessidade de adotar medidas que evitem ainda mais danos ambientais com o fechamento das instalações, o que já ocorreu em experiências prévias, como nas minas de ouro de Remance, Santa Rosa e Molejón. Nesses casos, as fontes d’água próximas continham cianeto, toxina prejudicial à saúde humana e a ecossistemas.
As posições dos candidatos sobre a mina podem ser decisivas nas eleições. A maioria se comprometeu a respeitar a proibição de novas concessões de mineração, medida também decretada em novembro diante da onda de protestos. Apenas dois candidatos — o atual vice-presidente José Gabriel Carrizo, do Partido Revolucionário Democrático, e Melitón Arrocha, sem partido — falaram abertamente sobre realizar um referendo para decidir, finalmente, se a mineração deveria ser proibida ou não no país.
A poucos dias da votação, o Dialogue Earth analisa o histórico da mina Cobre Panamá, as possíveis consequências de seu fechamento e as alternativas para o futuro.
Origem dos problemas da mina de cobre
A mina Cobre Panamá está localizada na província de Colón, 120 quilômetros a oeste da Cidade do Panamá. A área minerária fica no coração do Corredor Biológico Mesoamericano, ponte migratória para centenas de espécies que se estende da Colômbia ao México. Em 2023, mais de 330 mil toneladas de cobre foram extraídas da mina, segundo a First Quantum.
As preocupações com os impactos ambientais da mina, em operação desde 2019, foram algumas das principais razões que culminaram com os protestos do ano passado.
Em 2021, o jornal La Prensa publicou uma investigação na qual identificou 209 violações às obrigações estabelecidas no estudo de impacto ambiental da mina. A Minera Panamá teria negligenciado medidas de mitigação, afetando uma área atravessada por vários rios. Em pelo menos dois deles, os rios Caimito e Botija, autoridades registraram impactos à vida aquática.
A própria empresa reconheceu que a mineração impactou mais de três mil hectares, embora afirme ter reflorestado 4,2 mil hectares para mitigar seus danos.
Conforme Joana Ábrego, diretora jurídica do Centro de Defesa Ambiental do Panamá, o impacto real do projeto pode chegar a 20 mil hectares caso as instalações anexas à mina, como o porto de Punta Rincón, forem incluídas em sua área de influência.
Em 20 de outubro de 2023, o presidente Laurentino Cortizo assinou uma lei de concessão que permitiria à mineradora extrair cobre por mais 20 anos. Esse foi o estopim dos grandes protestos, que bloquearam algumas das principais estradas e portos do país, como Punta Rincón.
Em novembro, após semanas de manifestações, a Suprema Corte do Panamá entendeu que a concessão havia violado a Constituição do país, sobretudo os artigos que regulam a aprovação de contratos públicos. Além disso, a decisão mencionou que os “benefícios excessivos” concedidos à empresa canadense eram contrários à legislação ambiental panamenha — ou seja, que os interesses do Estado haviam sido subordinados aos da mineradora.
Uma saída complicada
Um relatório publicado pela First Quantum em fevereiro observou que o Panamá seria “o primeiro país do mundo a implementar o fechamento repentino de uma mina dessa magnitude”. A empresa estima que a manutenção da mina fechada custa atualmente entre US$ 15 milhões e US$ 20 milhões por mês, contando com cerca de 1,4 mil funcionários para manter a estabilidade do terreno.
De olho no futuro, Joana Ábrego teme os riscos apresentados pela área escavada para a atividade minerária: enquanto permanecer aberta, será “ecologicamente sensível”, podendo afetar rios e fontes subterrâneas de água. Outro perigo, destaca ela, é a infiltração de material tóxico nos tanques de rejeitos da mina, semelhante ao que ocorreu com o fechamento das minas de ouro de Santa Rosa e Molejón.
Uma das propostas da First Quantum para financiar o plano de salvaguarda consiste em vender 121 mil toneladas de concentrado de cobre já extraídas. Segundo especialistas, seu armazenamento prolongado traz riscos para o meio ambiente, uma vez que o produto pode liberar “gases perigosos”. Executivos da empresa teriam discutido a venda do cobre para a empresa chinesa Jiangxi Copper, que detém 18% da mineradora canadense.
O relatório da First Quantum alerta ainda que a paralisação da mina panamenha colocaria em risco sua capacidade de cumprir suas “obrigações financeiras”. Por isso, a empresa já entrou com processos de arbitragem internacional contra o Panamá.
Uma possível solução, segundo o economista Felipe Argote, seria o Estado comprar as ações da mina em troca da desistência de qualquer ação legal movida pela First Quantum. A criação de uma “empresa mista” já havia sido contemplada em um decreto de 1967, que estabeleceu um “regime especial” para a área ocupada pela concessão atual. Essa é uma opção que também acabaria com os questionamentos sobre possíveis violações à soberania do Panamá em relação à mina, preocupação levantada por manifestantes e pela decisão da Suprema Corte.
Porém, o advogado panamenho Harley Mitchell Moran, que trabalhou em casos que acusam empresas por violações ambientais, acredita que chegar a um acordo só seria possível se ele for “legal, de conhecimento público e considere os interesses nacionais em jogo, como um meio ambiente saudável”.
O Dialogue Earth pediu entrevista a um representante da Minera Panamá, mas não obteve resposta. O Ministério do Comércio e Indústria, encarregado de supervisionar a administração da mina Cobre Panamá, também foi contatado para comentar o assunto, mas não respondeu até a publicação da reportagem.
Economia enfrenta ressaca da mineração
A mina acumulou investimentos na casa dos US$ 10 bilhões ao longo de uma década, além de sete mil funcionários e uma produção que responde por 75% das exportações do Panamá. Por isso, autoridades e empresários terão dificuldades para alcançar os números da Cobre Panamá.
Desde a proibição das concessões minerárias, tanto ambientalistas quanto economistas têm apontado para o potencial de indústrias alternativas não-extrativistas, que, segundo eles, podem criar raízes profundas no país.
Argote destaca os sucessos dos setores de construção e logística do Panamá. O ecoturismo de baixo impacto pode ser outra opção: só no ano passado, o setor de turismo gerou mais de US$ 900 milhões em receita para o país.
Apesar do impacto do fechamento da mina na economia panamenha, o PIB ainda deve crescer 2% este ano, fazendo do país uma das economias mais sólidas da região.
Quanto às exportações, após a interrupção das cargas de minério no porto de Punta Rincón em novembro passado, as bananas substituíram o cobre como principal produto exportado pelo Panamá, conforme os dados do primeiro bimestre do Ministério do Comércio e Indústria. A China, até então o principal destino do cobre, passou do primeiro para o nono lugar entre os maiores destinos das exportações panamenhas.
Não pode haver energia ‘limpa’ com materiais que afetam as espécies e a vida humanaJoana Ábrego, diretora jurídica do Centro de Defesa Ambiental do Panamá
O cobre abastece um mercado global em transição para a energia verde, setor em franca ascensão na América Latina. Na cadeia global de minerais estratégicos para descarbonizar as economias, o Panamá é atualmente uma espécie de elo perdido. “Não pode haver energia ‘limpa’ com materiais que afetam as espécies e a vida humana”, observa Ábrego.
O fechamento da mina diante da pressão popular liderada por jovens ativistas representa uma oportunidade de restaurar a “ordem legal” e de enfim respeitar a legislação ambiental, diz o advogado Harley Mitchell Moran.
Caso o governo do próximo presidente eleito decida apostar no futuro da mineração no Panamá, não terá um trabalho fácil pela frente: não bastará promover, negociar e aprovar novos contratos; a nova administração deverá convencer toda uma nova geração de que tem governança ambiental e respeita os limites constitucionais da atividade.
Por enquanto, as últimas pesquisas de intenção de voto colocam José Raúl Mulino, de centro-direita, na liderança da corrida presidencial. Por isso, o país aguarda ansiosamente uma decisão da Suprema Corte sobre o status de sua candidatura, já que ele substituiu o ex-presidente Ricardo Martinelli (2009-2014), condenado em março por lavagem de dinheiro. Críticos defendem, porém, que a troca do candidato a vice-presidente para líder da chapa foi inconstitucional.
Já as perspectivas de que a First Quantum volte a extrair minérios no país são vistas como improváveis, independentemente do resultado das eleições.