O Oceano Atlântico Sudoeste atrai frotas pesqueiras de todo o mundo devido à rica vida marinha que vive além dos limites das águas nacionais. Mas, apesar das preocupações com a sobrepesca, a região carece de um tipo de organização de gestão da pesca ou sistema de governança presente em muitas outras regiões do mundo. O Uruguai, com um novo governo desde o ano passado, quer mudar isso.
As frotas de pesca da China, Taiwan, Coreia do Sul e Espanha se concentram em águas próximas ao limite das Zonas Econômicas Exclusivas (ZEEs) do Uruguai, Argentina e Brasil. As embarcações buscam lulas e outras espécies e frequentemente param no porto de Montevidéu.
Pesca comercial no Atlântico Sudoeste (2013-2019)
O número de embarcações dos dois lados do continente sul-americano cresceu sem parar nas últimas duas décadas, o que diversas vezes resultou em atritos com as autoridades locais. Embarcações chinesas já foram acusadas de pesca ilegal no Equador e na Argentina.
Ocorrências como essas impulsionam a necessidade de haver uma iniciativa regional para regulamentar a atividade pesqueira em áreas além das ZEEs. Com isso, seria possível estabelecer limites de captura, delimitar épocas de pesca e reservas, e viabilizar um registro adequado da atividade pesqueira e de sua legalidade.
Ao entrar no segundo ano do governo de Luis Lacalle Pou, o Uruguai passou a estar mais atento quanto aos benefícios de uma iniciativa como essa. Um exemplo disso foi o anúncio do governo, no ano passado, de criar novas áreas marinhas protegidas capazes de cobrir 10% das águas do país.
Organizações regionais de pesca
Jaime Coronel, diretor nacional de recursos aquáticos do Uruguai, disse ao China Dialogue Ocean que o país está em negociações com o Brasil desde o ano passado sobre a criação de uma organização regional de gestão da pesca (RFMO, sigla em inglês). “É essencial ter um sistema de controle na região, assim como os que existem em outras partes do mundo”, argumentou.
As RFMOs existem na maioria das áreas de alto mar que são alvo de grandes pescarias ou que abrigam ecossistemas complexos. Esse tipo de cooperação regional facilita a cooperação entre os governos e ajuda a salvaguardar espécies que estão sob pressão contínua da pesca, como o atum e o espadarte. As RFMOs são responsáveis por avaliar os recursos, monitorar embarcações e adotar medidas de conservação, entre outras coisas. Algumas dessas organizações têm poderes para administrar os recursos de acordo com uma “abordagem ecossistêmica“. Existem duas RFMOs especificamente para o atum que cobrem o Oceano Atlântico. Mas não há RFMO para outras espécies encontradas no Atlântico Sudoeste.
De acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS), os países têm a obrigação de cooperar na conservação da vida oceânica em alto mar e de desenvolver medidas de gestão se explorarem os mesmos recursos que outros países. Os Estados são inclusive solicitados a estabelecer organizações regionais de pesca.
Isso é um ponto relevante, dado que as RFMOs têm o potencial de proteger a biodiversidade. Países têm negociado um acordo global histórico conhecido como o da Biodiversidade fora da Jurisdição Nacional (BBNJ, sigla em inglês) — embora a última sessão da BBNJ, em 2020, tenha sido adiada pela pandemia.
Países costeiros do Atlântico Sudoeste não concordaram com nenhuma fórmula de gestão e governança para águas internacionais, nem se organizaram para impedir que frotas estrangeiras em águas adjacentes a jurisdições nacionais capturassem peixes e lulas nessas áreas.
Países devem se organizar para regular a pesca que ocorre fora dos limites das águas nacionais
Coronel disse que o Ministério das Relações Exteriores do Uruguai está em negociações com o Brasil sobre a criação de uma RFMO do Atlântico Sudoeste, o que, por sua vez, levantou a ideia dentro do Mercosul, a união aduaneira que compreende Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai. No entanto, Coronel advertiu que todos os países teriam que concordar caso a ideia avançasse.
Segundo Coronel, na última reunião do Comitê de Pesca da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em fevereiro, a Argentina disse que não estava disposta a negociar a RFMO, mas que o faria se o modelo fosse diferente. O país ainda não propôs um sistema alternativo de governança para áreas fora da jurisdição nacional.
Coronel explicou que o Uruguai vai paralisar as negociações com a Argentina por cerca de um mês, tempo que acredita ser viável para que Buenos Aires proponha alternativas à RFMO.
Uma rede de troca de informações
O chefe da Marinha do Uruguai, contra-almirante José Luis Elizondo, disse ao China Dialogue Ocean que o país também está progredindo com um grupo de trabalho na Rede Regional de Cooperação Operacional das Autoridades Marítimas das Américas (ROCRAM).
O objetivo é criar uma plataforma digital em que os países possam reunir informações sobre todas as embarcações, inclusive aquelas que realizam ou apoiam a pesca não declarada e não regulamentada.
Elizondo explicou que, atualmente, os esforços para abordar esse tipo de atividade são feitos apenas de modo isolado. Uma vez operacional, a plataforma fornecerá informações sobre o tráfego marítimo, especialmente sobre as embarcações que transportam peixe, combustível ou outras cargas de navio para navio.
O grupo de trabalho da ROCRAM tentará conscientizar, buscar soluções e ver como influenciar a pesca não declarada e não regulamentada, já que “ela ameaça a segurança alimentar de nossos países”, acrescentou Elizondo.
A pesca ilegal e a má gestão em alto mar colocam em perigo a renovação natural das populações de peixes e até mesmo de espécies inteiras. Quando declarada, a pesca legítima e regulamentada fornece proteína e segurança alimentar a três bilhões de pessoas no mundo, de acordo com a ONU.
Os recursos pesqueiros do Uruguai
Quarenta e cinco espécies de valor comercial foram capturadas no Uruguai em 2018, segundo o biólogo marinho Andrés Milessi, coordenador da Organização para a Conservação dos Cetáceos (OCC) e do projeto Oceanosanos, que faz uso de estatísticas oficiais. Em 2019, as espécies mais capturadas foram o robalo, a pescada, o badejo, o rouget e a pescada azul.
A maioria dos peixes são capturados com arrastões, seja trabalhando sozinhos ou aos pares, com palangres ou, no caso de uma pesca mais artesanal, com redes de emalhar.
Segundo Milessi, as principais espécies capturadas ao largo da costa do Uruguai migram entre lá, Brasil e Argentina. Já existe uma Comissão Técnica Conjunta entre Argentina e Uruguai que estuda e analisa as capturas e estabelece medidas de gestão da pesca, além de fazer recomendações sobre os níveis de captura. Mas uma maior coordenação entre os países do Atlântico Sudoeste ajudaria as espécies que migram entre os três países, como a pescada, acrescentou Milessi.
“Temos que pescar em níveis que permitam às espécies crescer, reproduzir e manter populações saudáveis sem atingir o extremo do colapso”, disse Milessi. “Para isso, os países devem se organizar para regulamentar as capturas, geralmente migratórias, fora das águas nacionais”.