Oceanos

Entrevista: ‘Há 20 anos, os chilenos nem sabiam que tinham baleias’

Especialista chileno Maximiliano Bello explica como o país virou um dos líderes globais na proteção dos oceanos e na conservação ambiental
<p>Baleia-jubarte salta no Parque Marinho Francisco Coloane, no Estreito de Magalhães, Chile (Imagem: Nature / Kristel Richard / Picture Library / Alamy)</p>

Baleia-jubarte salta no Parque Marinho Francisco Coloane, no Estreito de Magalhães, Chile (Imagem: Nature / Kristel Richard / Picture Library / Alamy)

Nos últimos anos, o Chile tem mostrado um grande compromisso com a proteção dos oceanos: o país triplicou suas áreas marinhas protegidas entre 2010 e 2020, cobrindo 43% de seu território oceânico; e, em janeiro, foi um dos primeiros a ratificar o tratado da ONU para proteger a vida marinha em alto-mar. 

Para Maximiliano Bello, consultor de políticas globais da Mission Blue, a sociedade chilena passou por uma transformação significativa nos últimos anos e hoje o país ocupa uma posição de liderança na valorização dos oceanos.

Em entrevista ao Dialogue Earth, Bello falou sobre a mudança na relação do Chile com o mar, os desafios para o futuro da conservação e o papel da América Latina na proteção dos oceanos.

Dialogue Earth: Ao longo de sua carreira, o que mudou na forma de tratar as questões marinhas e ambientais no Chile?

Maximiliano Bello
Maximiliano Bello (Imagem: Brittany Bello)

Maximiliano Bello: Houve uma mudança bastante radical desde que comecei a trabalhar com isso. Cerca de 20 anos atrás, as pessoas no Chile não faziam ideia de que tínhamos tubarões ou baleias. Esse desconhecimento deve-se, em parte, à separação entre terra e mar em nosso imaginário. Mas isso mudou, principalmente entre os jovens. Eles já estão a par das maravilhas do oceano.

No aspecto político, também houve uma enorme mudança — e não apenas no Chile. Até a COP25 [em 2019], o oceano não fazia parte das discussões sobre mudanças climáticas. Agora vemos um interesse constante nas políticas oceânicas globais. É o caso, por exemplo, da expansão das áreas marinhas protegidas e dos recentes acordos internacionais sobre os oceanos.

Em fevereiro, uma pesquisa questionou as razões para termos orgulho de ser chilenos, e as áreas marinhas protegidas foram apontadas como um dos principais motivos. É algo que eu não teria imaginado, mas que me enche de orgulho. Se um político lê algo assim, ele se dá conta de que precisa de propostas sobre o tema.

O que influenciou a mudança nas políticas ambientais do Chile?

Na década de 1980, houve uma conscientização para deixar de sacrificar o meio ambiente em prol do progresso, protegendo nosso patrimônio natural. Isso ocorreu em meio às discussões sobre projetos de investimento na silvicultura, bem como os impactos de certos setores nas comunidades originárias, como a indústria do carvão

Hoje, o meio ambiente orienta as discussões políticas e socioeconômicas. Nós, chilenos, estivemos na vanguarda dos debates sobre a moratória da mineração em águas profundas, a defesa da Antártida e a proteção da vida em alto-mar. Isso não significa que sejamos perfeitos: o Chile tem muito a fazer em relação à produção de salmão, nosso ponto fraco.

Fazenda de salmão em Puerto Montt, Chile
Fazenda de salmão em Puerto Montt, Chile. O país é um dos maiores produtores globais de salmão, mas o setor é criticado por ambientalistas (Imagem: Andreas Werth / Alamy)

Qual é o principal aspecto que o Norte Global não entende sobre o Chile e seu oceano?

Os países do Sul Global são os detentores os recursos, mas não fomos capazes de entender ou reconhecer o poder isso. Por parte dos países desenvolvidos, as negociações sempre foram ajustadas aos seus interesses.

Conversei com diplomatas norte-americanos sobre áreas marinhas protegidas, algo em que somos líderes na América Latina, e acho que é um campo com potencial para colaboração. Os Estados Unidos têm ferramentas para ajudar a proteger essas áreas e a gente pode mostrar o que tem sido feito até agora. Um exemplo bem-sucedido disso foi a assinatura, em 2022, do acordo “Américas pela Proteção do Oceano”, que visa a criação de um corredor marinho da Patagônia ao Alasca. Essa é uma ideia que vem do Sul e chega ao Norte. Os Estados Unidos e o Canadá deveriam abrir uma porta para além de seus próprios interesses, para ver o que a América Latina pode oferecer. Temos interesses semelhantes e enfrentamos as mesmas ameaças.

Grande parte da biodiversidade global está nos países em desenvolvimento. Temos uma riqueza gigantesca, e essa é a resposta para a crise ambiental.

A política oceânica está totalmente entrelaçada à política global. Vemos isso nas discussões sobre a Antártida e o alto-mar. As tensões políticas e econômicas refletem-se cada vez mais na saúde dos oceanos. Estamos caminhando para uma população global de 10 bilhões de pessoas no planeta, mas os recursos disponíveis continuam os mesmos. A pressão sobre esses recursos aumenta e o oceano já é visto como a última fronteira para a exploração. Precisamos proteger o oceano antes que seja tarde demais.

Como as políticas e os interesses dos países latino-americanos na Antártida diferem dos de outros países?

A Antártida é um local de experimentos científicos e políticos. Na Guerra Fria, os países concordaram em protegê-la com o Tratado da Antártida, o que nos dá esperança de que, mesmo nos momentos mais sombrios, seja possível chegar a acordos. Atualmente, a Antártida também enfrenta um período sombrio em relação à pesca industrial, já que países como a China e a Rússia ainda subsidiam o setor. Trata-se de um recurso escasso em um ambiente vulnerável.

A Argentina e o Chile fizeram uma proposta conjunta para criar uma área protegida [ao redor da Antártida], mas, como outras proposições, ela não avançou em quase dez anos. Temos discutido formas de criar uma coalizão maior entre os países da região, com Colômbia, Equador e Brasil. Também devemos trazer a China à discussão, para fazer parte desse processo: caso contrário, sempre que houver um novo debate sobre conservação, teremos os mesmos tipos de obstáculos.

Em relação ao papel do oceano, quais são as suas expectativas para a cúpula da biodiversidade COP16, na Colômbia, e a cúpula climática COP29, no Azerbaijão?

A COP16 dá a oportunidade de fazer um balanço sobre o estado atual da biodiversidade. Faltam cinco anos para atingirmos os objetivos do acordo de biodiversidade e a situação é preocupante. Estamos longe da meta de proteger 30% dos oceanos até 2030. Porém, acho ótimo que a cúpula seja realizada na Colômbia, país que já atingiu os 30% e está em busca de mais.

Com relação à COP29, a preocupação é que a pressão do setor petrolífero seja mantida, já que o Azerbaijão é um país com grande interesse em combustíveis fósseis. Além disso, é importante que as pessoas não percam a esperança nessas reuniões globais. É a ferramenta que temos para fazer acordos, gostemos disso ou não.

Quais são suas esperanças e projetos para o futuro?

Estou muito esperançoso. Atualmente, trabalho no Timor Leste, um dos países mais pobres e jovens do mundo, com uma triste história de ocupação e casos de tortura. É importante que uma nação com tantas preocupações também esteja interessado na proteção dos oceanos. Fui convidado a fazer parte da equipe do primeiro-ministro para definir os locais de criação de áreas marinhas protegidas. É o país com maior diversidade de corais do planeta.

Grande parte da biodiversidade global está nos países em desenvolvimento. Temos uma riqueza gigantesca, e essa é a resposta para a crise ambiental. Se conseguirmos proteger e mudar esse histórico de exploração e violência contra a natureza, teremos a oportunidade de sair da crise ambiental.