Poluição

Lixo plástico aumenta no México — e catadores correm risco

Aumento de importações de resíduos sólidos eleva demanda para catadores e recicladores, que podem ter apoio com novo tratado da ONU
<p><span style="font-weight: 400;">Trabalhadores no lixão de Xochiaca, na Cidade do México, o maior do país (Imagem: Alamy)</span></p>

Trabalhadores no lixão de Xochiaca, na Cidade do México, o maior do país (Imagem: Alamy)

É uma tarde quente em Iztapalapa, bairro mais populoso da Cidade do México. Sob o sol escaldante, Enriqueta Loreto separa os materiais recicláveis dos rejeitos. Todos os dias, ela bate de porta em porta, coletando o lixo das residências na esperança de encontrar objetos que possa revender. 

“Ninguém nos protege”, diz Loreto, que atua como catadora informal, sem contrato ou seguridade social. “O governo não nos reconhece, nem o sindicato dos trabalhadores do setor de resíduos. Não temos qualquer proteção”.

A mais de nove mil quilômetros de Iztapalapa, representantes de mais de 170 nações se reuniram recentemente em Paris para deliberar sobre o acordo que pode mudar o futuro do uso global de plástico — e terá efeitos também na atividade de pessoas como Loreto. O tratado da ONU, cujas discussões estão só começando, deverá superar problemas internacionais complexos — a começar pelo aumento do descarte de resíduos plásticos.

Entre os pontos mais urgentes da negociação, estão a proibição de determinados plásticos, o aprimoramento da gestão de resíduos sólidos e o chamado “colonialismo tóxico ou de resíduos” — prática em que países desenvolvidos exportam seu lixo para nações pobres do Sul Global, onde as regulamentações ambientais e os direitos trabalhistas são menos rigorosos.  

A regulamentação do setor global de plásticos é necessária: nos últimos 20 anos, a produção anual mais do que dobrou, chegando a 460 milhões de toneladas. Metade disso é destinada a produtos de uso único ou de curta duração. Apenas 9% do plástico é reciclado e 12% é incinerado. A grande maioria é despejada em aterros sanitários ou no meio ambiente, onde pode levar centenas de anos para se degradar. 

Os plásticos também agravam o aquecimento global, acumulando uma grande pegada de carbono ao longo de sua vida útil: em 2019, eles foram responsáveis por 3,4% das emissões globais de gases de efeito estufa. Se não houver mudanças drásticas, os resíduos plásticos podem triplicar em quatro décadas. 

“A poluição plástica é uma bomba-relógio, como uma praga que já começou”, disse o presidente francês Emmanuel Macron em um vídeo enviado aos delegados nas negociações de Paris. “Os olhos do mundo estão voltados para nós”, concluiu o mandatário.

Nos últimos anos, foram aprovadas mudanças históricas nas legislações de vários países para reduzir os resíduos plásticos. A China era uma das maiores importadoras de resíduos do mundo, mas baniu essas importações em 2018. Isso apenas deslocou as cargas de lixo das nações desenvolvidas para outros países — mas alguns responderam com novas proibições enquanto outros passaram a discutir os impactos da prática na saúde humana e no meio ambiente. 

Em janeiro, o Parlamento Europeu apoiou um plano para restringir as exportações de lixo para além de suas fronteiras, abrindo a porta para regulamentações que podem reduzir o ônus da gestão dos resíduos, que hoje fica a cargo do Sul Global.

Embora os esforços para combater o desperdício de plástico avancem em algumas partes do mundo, a poluição piora em outras. Esse é o caso do México, maior importador de plástico da América Latina. Uma investigação recente descobriu que, nos últimos dois anos, o México dobrou suas importações somente dos Estados Unidos. E os trabalhadores informais — expostos a produtos tóxicos e condições de trabalho precárias — pagam o preço.

Poluição plástica no México

O México importa resíduos plásticos há bastante tempo, mas as remessas dos EUA e outros países dispararam desde a proibição da China.

A waste pickers carries a giant bag of waste on his shoulder walking into a recycling plant in Mexico
Reciclagem de resíduos sólidos em Xalapa, estado de Veracruz, México. A fábrica processa centenas de quilos de plástico todos os dias (Imagem: Alamy)

O governo mexicano não consegue administrar o novo fluxo de resíduos plásticos. O Índice de Gestão de Plásticos da Iniciativa Back to Blue, plataforma de proteção dos oceanos, constatou que a falta qualificação técnica e de governança fazem do México um dos países menos preparados para lidar com a poluição plástica. 

Embora o México tenha implementado diversas leis para regulamentar a poluição de plástico, muitas delas estão em nível estadual ou municipal, como o plano da Cidade do México para proibir plásticos de uso único. Isso resulta em uma legislação fragmentada, que deixa lacunas significativas em relação à aplicação dessas políticas. No que diz respeito às importações de plástico, nenhum órgão governamental monitora se as importações são de fato recicladas. Algumas iniciativas pesquisam a poluição plástica, como o mapa interativo do projeto Colonialismo do Lixo Plástico no México, que mostra os lugares onde o plástico é queimado no país. Porém, de modo geral, faltam dados confiáveis.

Não sabemos o quanto desse plástico importado vai para a reciclagem
Alethia Vázquez Morillas, professora e pesquisadora de resíduos urbanos da UAM em Azcapotzalco

“Não sabemos o quanto desse plástico importado vai para a reciclagem”, diz Alethia Vázquez Morillas, professora e pesquisadora de resíduos urbanos da Universidade Autônoma Metropolitana (UAM), em Azcapotzalco. “Não há uma base centralizado onde sejam registradas todas as informações”. 

Além das importações de resíduos, o México tem outro problema: é um grande produtor e consumidor de plástico. São 66 kg de plástico per capita consumidos anualmente — atrás dos EUA (221 kg per capita) e próximo de nações mais desenvolvidas, como o Japão e a Coreia (69 kg, em média). 

Porém, o México não tem os meios para reciclar todo o plástico que circula em seu território. O país consegue manter uma taxa de coleta de resíduos acima de 90%, embora mais de 200 de seus 2.471 municípios não tenham serviços formais de coleta, diz Vázquez Morillas. A maior parte dos resíduos coletados é descartada inadequadamente, o que faz com que o México tenha uma taxa de reciclagem de apenas 5%, uma das menores do mundo.

Quando a reciclagem não é uma opção, as pessoas tentam se livrar do plástico do jeito que podem, seja queimando-o ou enterrando-o. Mas isso causa impactos ambientais devastadores: a poluição plástica introduz materiais tóxicos no meio ambiente, poluindo rios, praias, mares e terras agrícolas.

Impacto sobre catadores

A poluição plástica têm consequências perigosas não apenas para o meio ambiente, mas também para a saúde humana. Estudos mostram como as partículas de plástico já chegam aos nossos alimentos e estão presentes em nossos corpos.

A waste pickers sorts plastic bottles by hand at the solid waste recycling plant in Mexico
Catador separa garrafas plásticas manualmente na usina de reciclagem de resíduos sólidos em Xalapa, estado de Veracruz, México (Imagem: Alamy)

Mas a poluição por plásticos é particularmente perigosa para catadores, que trabalham muitas vezes na informalidade e com contato direto com os resíduos. Um relatório de 2022 da Human Rights Watch constatou que os trabalhadores de usinas de reciclagem de plástico na Turquia são regularmente expostos a produtos químicos nocivos quando inalam poeira tóxica e fumaça emitida durante o processo de reciclagem. Isso aumenta os riscos de desenvolver problemas de saúde agudos e crônicos, incluindo câncer, doenças respiratórias, doenças de pele e dor crônica. 

Estudos também descobriram que a exposição a toxinas em produtos plásticos aumenta o risco de abortos espontâneos e síndrome do ovário policístico em mulheres cisgênero e homens trans. Além disso, os filhos têm maior probabilidade de nascer com deficiências. Os riscos são considerados tão altos que, no ano passado, especialistas da ONU afirmaram que a exposição a toxinas ligadas à gestão de resíduos plásticos em Gana representava uma violação dos direitos humanos dos trabalhadores da reciclagem. 

No México, os riscos à saúde dos catadores de recicláveis também são altos. Na ausência de sistemas adequados de gestão de resíduos, é comum que materiais recicláveis sejam misturados a outros resíduos contaminados, diz Tania Espinosa, coordenadora mexicana da organização Mulheres no Emprego Informal: Globalizando e Organizando (Wiego, na sigla em inglês). Isso pode incluir dejetos humanos ou de animais, animais mortos, resíduos hospitalares ou qualquer outra substância que possa ser prejudicial à saúde. Os trabalhadores também costumam sofrer cortes ou perfurações durante o manuseio de resíduos, expondo-os a materiais infecciosos e tóxicos. Essa exposição contribuiu para que os catadores de materiais recicláveis tivessem uma taxa de mortalidade maior do que a média nacional durante a pandemia de Covid-19, informa a Wiego.

Recycling workers sorting plastic waste in Mexico City
Trabalhadores informais separam resíduos plásticos na Cidade do México (Imagem: César Parra)

Os riscos são agravados pelo fato de que a maioria dos trabalhadores do setor de resíduos sólidos no México não tem acesso a atendimento médico. A maioria dos catadores de lixo trabalha na economia informal, sem planos de saúde ou contratos. Muitos trabalham em aterros sanitários privados ou nas ruas, onde nem as empresas, nem o governo oferece apoio. 

“O governo do México não lida com isso de forma séria”, diz Vázquez Morillas, da UAM. “É preciso conversar com os trabalhadores e entender suas demandas e as melhores formas de apoiá-los”.

Tratado global sobre plásticos

Na reunião sobre o tratado global contra a poluição plástica em Paris, realizada de 29 de maio a 2 de junho, os catadores mexicanos uniram forças com trabalhadores do setor de resíduos de todo o mundo para que suas vozes fossem escutadas nas negociações. 

O objetivo da Aliança Internacional de Catadores de Materiais Recicláveis é garantir que o acordo final reconheça e proteja explicitamente os trabalhadores do setor.

A aliança, diz Espinosa, “propõe obrigações essenciais no tratado que beneficiem os catadores de materiais recicláveis, os mais vulneráveis na cadeia de valor da reciclagem”.

Especialistas não acreditam que um tratado global sobre plásticos erradicaria o problema dos resíduos plásticos no México, nem melhoraria imediatamente a vida dos trabalhadores do setor. “Esse tratado é apenas o começo”, diz Vázquez Morillas. 

Mas pesquisadores da área dizem que esses tratados internacionais podem, sim, ter algum papel prático. “O tratado global já pressiona o governo”, diz Vázquez Morillas. Desde que as nações se comprometeram a iniciar o processo do tratado sobre plásticos no ano passado, o Ministério do Meio Ambiente mexicano começou a trabalhar com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente na criação de um inventário nacional de poluição plástica. “Vejo que o anúncio do tratado global no ano passado realmente fez com que as coisas andassem mais rápido internamente”, acrescenta Vázquez Morillas.

No entanto, para os catadores de materiais recicláveis, as mudanças são urgentes — e devem ser profundas.

“Gosto do meu trabalho”, diz a catadora Enriqueta Loreto. “Mas gostaria que o governo me pagasse pelo serviço público que eu presto”.

Esta reportagem foi produzida com o apoio da Earth Journalism Network.