Empresas chinesas na América Latina: o que eles devem saber sobre a região antes de investir?

À medida que cresce a relação econômica entre Peru e China, há uma maior necessidade de diálogo sobre as estruturas jurídica, social e ambiental do país.
<p>Uma cerimônia na embaixada da China em Lima comemora os 170 anos da imigração chinesa para o Peru. Hoje, as ONGs pedem que os investimentos chineses respeitem o direito dos povos indígenas à consulta prévia (imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/cancilleriadeperu/48904974462">Cancillería del Perú</a>)</p>

Uma cerimônia na embaixada da China em Lima comemora os 170 anos da imigração chinesa para o Peru. Hoje, as ONGs pedem que os investimentos chineses respeitem o direito dos povos indígenas à consulta prévia (imagem: Cancillería del Perú)

A relação comercial entre Peru e China foi fortalecida mesmo durante a crise da Covid-19. Os dois países continuaram a negociação de acordos, como o Tratado de Livre Comércio ou a compra da empresa mais importante em energia elétrica do Peru (Luz del Sur). Portanto, é necessário promover o diálogo com a sociedade civil, agentes públicos e o setor privado na China para entender o marco regulatório socioambiental, de modo a contribuir para melhorar a sustentabilidade dos investimentos do país asiático no Peru.

Vale mencionar que a compra da Luz del Sur aumenta o patrimônio da empresa chinesa Three Gorges Corporation no Peru, uma vez que também é sócia majoritária da hidrelétrica de Chaglla, localizada no departamento de Huánuco. Este projeto era de propriedade da Odebrecht, que deixou compromissos pendentes a serem cumpridos, como obras e a garantia de acesso à água para as comunidades vizinhas, que foi uma causa de conflito em 2019. Além disso, até hoje, Chaglla ainda não faz parte do processo de investigação do caso Lava Jato. Esta incerteza gera um risco no desenvolvimento do projeto, o que também tem sido observado pelas comunidades pela falta de transparência e mecanismos de diálogo adequados.

O uso sustentável dos recursos naturais deve ser internalizado pelo setor empresarial chinês

Por esta razão, as lições aprendidas devem ser colhidas a partir de projetos como o Lote 58, em Cusco. A China National Petrolum Corporation comprou suas ações e continuou com as mesmas condições socioambientais, sem governança eficiente, e o Estado peruano não cumpriu com o direito à consulta prévia.

Neste sentido, as organizações da sociedade civil latino-americana, assim como as instituições chinesas, veem uma oportunidade para recomendar melhorias nos investimentos e a contrução de espaços de intercâmbio. Assim, as ONGs Derecho Ambiente y Recursos Naturales (DAR, Peru) Green Camel Bell (China), China Civil Climate Action Network (China), Chongqing Renewable Energy Society (China), Chongqing International Culture Exchange Center (China) organizaram um primeiro espaço chamado “Fórum Peruano de Investimento e Meio Ambiente (2020 Fórum de Cooperação Regional China-América Latina – Parte 2)” em 9 de agosto de 2020.

Este espaço foi uma abordagem da comunidade chinesa com o contexto político e econômico, assim como as regulamentações ambientais e sociais, que estão incluídas no âmbito do desenvolvimento de investimentos entre ambos os países.

Participaram do evento especialistas como Jingjing Zhang, do China Accountability Project, que apontou que os líderes das empresas chinesas devem conhecer os riscos ambientais antes de fazer investimentos. Ela também considerou necessário compreender as regulamentações ambientais e dos povos indígenas ao investir no Peru e na América Latina, e implementar mecanismos de due diligence ao realizar projetos em áreas de grande biodiversidade. No âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota, Jingjing Zhang disse que os tratados internacionais dos quais a China e o Peru são partes, que estão ligados ao uso sustentável dos recursos naturais, precisam ser internalizados pelo setor empresarial chinês.

Conhecendo o Peru

Além de Jingjing Zhang, estiveram presentes Mercedes Lu, da Environmental Law Alliance Worldwide (ELAW), Germán Alarco, professor da Universidade do Pacífico, e Denisse Linares, especialista da DAR, que, em suas contribuições, procuraram aprofundar ainda mais o conhecimento do público asiático sobre nosso país.

Por exemplo, Mercedes Lu explicou sobre os riscos sociais e ambientais, devido à falta de aplicação de regras. Ela acrescentou que o Peru passou por uma série de pacotes que tornaram o marco regulatório socioambiental ainda mais flexível, e argumentou que os investimentos estrangeiros devem aplicar padrões internacionais, em oposição a padrões mais frouxos. De sua parte, Germán Alarco destacou as diferenças no comércio exterior e na diversificação produtiva, entre outros. Ele recomendou melhorar a contribuição fiscal das empresas extrativas, incluindo as empresas chinesas, uma vez que a contribuição líquida atual é baixa e em muitos casos há subsídios para as empresas mineiras.

Denisse Linares (DAR) ofereceu à comunidade chinesa uma visão geral do marco regulatório socioambiental peruano, que seus investimentos devem respeitar, enfatizando o Sistema Nacional de Avaliação Ambiental e sua natureza obrigatória para a aprovação de projetos de investimento. É importante que isto seja internalizado pelas empresas chinesas, pois em muitos casos, é no âmbito deste procedimento que as regulamentações ambientais são transgredidas, não cumprindo efetivamente ferramentas como o estudo de impacto ambiental. Da mesma forma, é essencial que os povos indígenas e seu direito à consulta prévia sejam reconhecidos, o que é obrigatório em nosso Peru, uma diferença substancial em relação à China, onde apenas as minorias étnicas são reconhecidas.

Em vista disso, os tratados assinados tanto pelo Peru quanto pela China, como a Convenção sobre Diversidade Biológica, devem ser os pontos de encontro para melhorar os padrões ambientais em suas relações comerciais. Segundo o que foi discutido, também é considerado vital integrar padrões ambientais e sociais aos tratados de livre comércio; o que se torna relevante dada a presença da China no Fórum das Nações Unidas sobre Questões Indígenas, um espaço para o reconhecimento de direitos.