Aprofundada pela pandemia de Covid-19, diversos países ricos em biodiversidade da América Latina enfrentam crises fiscais e ambientais semelhantes. Essa conjuntura aumentou a competição por recursos necessários para a conservação e ação climática.
No dia da abertura das negociações climáticas da COP26 em Glasgow, o presidente equatoriano Guillermo Lasso anunciou uma nova área marinha protegida (MPA) de 60.000 quilômetros quadrados ao redor das Ilhas Galápagos. A nova MPA colocará limites à pesca industrial e servirá como um laboratório científico vivo a serviço do mundo, disse Lasso, acrescentando que a iniciativa será financiada por meio de um swap de dívida por natureza.
Os presidentes da Argentina e da Colômbia — dois países altamente endividados e entre os mais biodiversos do mundo, segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica (CBD) das Nações Unidas — também estão recorrendo a swaps de dívida por natureza e por clima como possíveis soluções.
Mas afinal, o que são swaps de dívida por natureza, e como eles funcionam?
A idéia por trás dos swaps
Em 1984, enquanto a América Latina vivia uma profunda crise financeira, Thomas Lovejoy, ex-cientista do World Wildlife Fund (WWF, agora conhecido como World Wide Fund for Nature), escreveu um artigo para o The New York Times intitulado “Aid Debtor Nations’ Ecology”, considerado o marco intelectual dos swaps de dívida por natureza.
Por que não usar a crise financeira para ajudar a resolver problemas ambientais?
À medida que nações devedoras cortavam seus gastos, programas de proteção de recursos naturais estavam entre os primeiros a ir para a gaveta, observou Lovejoy. Ele temia como os cortes no orçamento poderiam impactar ecossistemas inteiros, como os parques nacionais da Costa Rica ou habitats protegiods pela agências de proteção ambiental do Brasil, exemplos que ainda soam muito atuais.
“Por que não usar a crise financeira — que parece estar próxima de um impasse financeiro — para ajudar a resolver problemas ambientais?” Lovejoy questionava, argumentando que se as nações devedoras se comprometessem a proteger os recursos naturais, elas poderiam se tornar elegíveis para abatimentos de dívidas.
Os benefícios seriam maiores até do que liquidar a dívida em questão. As iniciativas de swaps não precisariam de novas injeções de moeda forte, e aumentariam a capacidade do país devedor de pagar os empréstimos. Os projetos de conservação também seriam pagos em moeda local, de modo que os recursos seriam utilizados de maneira melhor do que quitando as dívidas.
Além de aumentar a probabilidade de reembolso, os credores poderiam até ter uma “pontinha de satisfação”, sugeriu Lovejoy.
Como eles funcionam?
Os swaps de dívida por natureza nada mais são do que uma transação voluntária na qual a dívida de um governo de um país em desenvolvimento é cancelada ou reduzida por um credor específico, em troca de o devedor assumir compromissos financeiros voltados à conservação ambiental.
As trocas envolvem tipicamente países que estão em dificuldades financeiras e com dificuldades no pagamento de dívidas estrangeiras. O volume gerado pelos swaps é frequentemente administrados por fundos fiduciários locais de conservação ou ambientais.
Os credores podem ser governos de países desenvolvidos, bancos comerciais ou mesmo empresas privadas. Os swaps de dívidas comerciais envolvem a venda da dívida de um banco comercial em mercados secundários a taxas com desconto. Os swaps bilaterais de dívida envolvem uma dívida governamental, conhecida como dívida soberana, e normalmente exigem um plano de reestruturação para o país devedor.
Existem também swaps ‘trilaterais’. Nesses casos, uma ONG compra a dívida pendente do credor em um mercado secundário a taxas descontadas, e depois renegocia a dívida com o país devedor. A ONG então vende a dívida de volta ao devedor a um preço mais baixo.
Quando o devedor readquire sua dívida, a obrigação é perdoada. Uma parte do capital que, de outra forma, teria ido para pagar o compromisso original, é canalizada para doações, títulos ou fundos para investimentos pré-acordados em programas de conservação ou para a implementação de políticas ambientais.
América Latina e o primeiro swap de dívida por natureza
Nos anos 1970 e início dos anos 1980, conhecidos como a “década perdida” de desenvolvimento da América Latina, muitos governos da região contraíram empréstimos consideráveis de bancos comerciais ou governos estrangeiros. Havia uma preocupação crescente de que grande parte da dívida nunca seria totalmente paga.
Quando o México não pagou sua dívida externa de US$80 bilhões em 1982, outros países latino-americanos endividados seguiram o mesmo exemplo, confirmando os temores dos credores.
Em 1987, a ONG ambiental Conservation International organizou o primeiro swap de dívida por natureza entre a Bolívia e credores estrangeiros, que perdoaram US$ 650 mil da dívida, uma parte do total. Em troca, o governo boliviano concordou em reservar 3,7 milhões de acres de terra adjacentes à Bacia Amazônica para conservação ambiental.
Diversos países latino-americanos participaram em swaps de dívida por natureza nos anos 1990. Entre eles destacam-se Belize e Costa Rica, dois países que geram, desde 2003, boa parte dos fundos de conservação a partir do valor total de suas dívidas — 108% e 68%, respectivamente — segundo dados da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A Nature Conservancy e a WWF, entre outras ONGs, também têm sido intermediárias em trocas trilaterais de dívida por natureza na América Latina e no Caribe.
Por que os swaps de dívida por natureza são relevantes agora?
Embora os swaps de dívida por natureza tenham diminuído em popularidade desde os anos 1990, eles ainda são utilizados em todo o mundo. Em 2018, as Ilhas Seychelles colaboraram com a ONU e a Nature Conservancy para ter US$ 21,6 milhões de sua dívida perdoada. Foi o primeiro swap de dívida a se concentrar na conservação de um ecossistema marinho.
Em meio aos impactos econômicos da pandemia, países latino-americanos não estão conseguindo alocar os recursos de que dispõem para projetos de mitigação e adaptação climática, ou de sustentabilidade de longo prazo.
Swaps de dívida por natureza podem envolver a criação de novas áreas protegidas em habitats relativamente intactos ou ameaçados
Em 2020, os 33 países da região destinaram US$318 bilhões para medidas fiscais e de estímulo em resposta à pandemia de Covid-19, dos quais US$46 bilhões foram destinados à recuperação econômica. Destes, apenas US$ 1,47 bilhão, ou 0,5%, se qualifica como “verde”, de acordo com pesquisas da ONU e da Universidade de Oxford. A média global foi de 19,2%.
Hoje, países com uma situação fiscal crítica pela pandemia da Covid-19, como Argentina, Colômbia e Equador, enfrentam um dilema. Sua biodiversidade está ameaçada pela expansão da agricultura e das indústrias extrativas das quais dependem as receitas de exportação para pagar suas dívidas.
Sem fundos para proteger os ecossistemas, serviços ecológicos que prestam à economia em geral, tais como sequestro de carbono e água, poderiam ser comprometidos.
“Tradicionalmente, os swaps de dívida por natureza envolvem a criação de novas áreas protegidas em habitats relativamente intactos ou ameaçados”, avalia Blake Alexander Simmons, cientista de conservação do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston. Simmons ressalta que, embora os swaps de dívida estejam ficando mais criativos, as novas áreas protegidas continuam sendo uma das ações comparativamente mais fáceis de implementar.
Mas elas nem sempre são a melhor solução.
“As áreas protegidas podem não ser a solução mais eficaz e equitativa para as questões de conservação, e pode haver ameaças mais urgentes em paisagens que não estão intactas, como terras pastoris ou agrícolas”, disse Simmons.
A Universidade de Boston publicou um mapa interativo em que avalia as oportunidades para a China, o maior credor bilateral do mundo, de se envolver em swaps de dívida por natureza no planeta. Desde 2018, Venezuela, Equador, Jamaica e Guiana têm níveis relativamente altos de dívida para com a China como parte de seu PIB e em relação à sua dívida pública geral.
Os dados comparam o montante estimado da dívida bilateral de um país com a China (os números oficiais muitas vezes não são divulgados) e a área de terra intacta não protegida que poderia ser conservada.
Essas métricas, argumentaram os pesquisadores, ajudam a construir uma imagem de como a China e seus devedores poderiam trilhar objetivos ambientais mútuos por meio de swaps de dívida por natureza. Embora poucos países estejam listados como tendo alto potencial de swap de dívida por natureza com a China especificamente, pesquisadores identificam o Equador, que deve cerca de US$ 18 bilhões à China, ou 17% de seu PIB, como tendo um potencial “moderadamente alto” para um swap de dívida em troca de ação climática. Os “swaps dívida por clima” são um conceito paralelo, em que a dívida é trocada por investimentos em projetos climáticos, embora estes não tenham, necessariamente, a natureza como centro.
Quais são as desvantagens dos swaps de dívidas por natureza?
Apesar da visão geral de que os swaps de dívida por natureza sejam mecanismos capazes de reverter bons frutos ambientais, o esquema ainda carece de aprovação generalizada. Organizações internacionais têm levantado preocupações sobre a percepção de ineficiência e riscos de swaps em comparação com outros instrumentos financeiros.
A ONU divulgou um relatório analisando a prática e avaliando seus benefícios e riscos em 2017. Embora tenha constatado que os swaps poderiam melhorar a situação creditícia de um país e conceder a seu governo acesso a serviços financeiros para o desenvolvimento econômico e social, riscos e ineficiências associados a acordos de troca mal implementados podem ser significativos.
Atrasos e lentidão
Os swaps de dívida por natureza podem ser negociados por anos sem que haja uma conclusão satisfatória. Além disso, podem atrasar e, assim, aumentar os custos das operações.
Os swaps de dívida por natureza também podem levar anos para negociar, o que pode custar caro. Particularmente demoradas são as negociações entre os países devedores e credores sobre o escopo das medidas de conservação. Os atrasos aumentam o custo das operações e, mesmo depois de um processo cuidadoso, as negociações talvez nunca cheguem a uma conclusão satisfatória.
Após o acordo de swap da Bolívia em 1987, ONGs e formuladores de políticas dos EUA voltaram sua atenção para um acordo semelhante com o Brasil em 1989. Apesar das negociações avançadas para perdoar até US$ 8 bilhões da dívida externa brasileira, lideranças políticas do Brasil optaram no último minuto por blindar a Amazônia de qualquer ajuda financeira direta de governos estrangeiros.
Os swaps de dívida por natureza podem, no entanto, estar prestes a retornar à mesa para os países latino-americanos, com o presidente argentino Alberto Fernández pedindo recentemente as trocas como uma forma de enfrentar uma crise crescente da dívida. A COP26 e, particularmente, a segunda parte das conversações sobre biodiversidade da COP15 em 2022 também podem ver os swaps de dívida por natureza subirem mais alto na agenda.
Atrasos e lentidão
Os swaps de dívida por natureza podem ser negociados por anos sem que haja uma conclusão satisfatória. Além disso, podem atrasar e, assim, aumentar os custos das operações.