O Sul Global está à beira de uma crise da dívida pública.
De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), cerca de 36 países pobres estão endividados ou com alto risco de endividamento. Chade, Etiópia e Gana estão conduzindo negociações para a reestruturação de suas dívidas, que são tão altas que dominam o orçamento público. Pelo menos 62 países gastaram mais com suas dívidas do que investindo em saúde no auge da pandemia de Covid-19.
US$ 1 trilhão
É o acréscimo anual no orçamento que os países em desenvolvimento precisam para impulsionar o desenvolvimento sustentável e alcançar as metas climáticas até 2030.
Da mesma forma, os países em desenvolvimento (excluindo a China) precisam de pelo menos US$ 1 trilhão a mais por ano até 2030 — mais ou menos 4% de seu Produto Interno Bruto (PIB) — para impulsionar o desenvolvimento sustentável e alcançar as metas climáticas. Essas mesmas nações carregam o peso de uma crise climática que não foi causada por elas, e sim pelos países ricos. A frequência crescente de eventos extremos como enchentes, secas e furacões ameaça o bem-estar da humanidade — e agrava os déficits fiscais.
Como países à beira de um colapso financeiro conseguiriam mobilizar recursos para atingir as metas globais do clima e do desenvolvimento sustentável?
Agora que o Brasil começa a recuperar suas credenciais ambientais e diplomáticas no cenário internacional, ele tem uma oportunidade crucial de contribuir com as negociações da dívida pública do Sul Global e abrir caminho para um crescimento verde.
O Brasil tem fortes relações diplomáticas com os principais credores, da China aos membros permanentes do Clube de Paris — grupo de 22 nações credoras, quase todas da Europa, além de EUA, Japão, Rússia e o próprio Brasil.
Embora a questão da dívida não apareça na agenda do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na China — que começa hoje, dia 12, e inclui uma reunião com o presidente chinês Xi Jinping —, a viagem pode ser um primeiro passo rumo a um consenso.
O Brasil pode contribuir com as negociações da dívida pública do Sul Global e abrir caminho para um crescimento verde
O Brasil também vai sediar a cúpula do G20 em 2024, proporcionando amplo espaço para moldar o diálogo multilateral — e até pressionar pela revisão do Quadro Comum do G20, uma tentativa de trazer os grandes credores à mesa para buscar aliviar as dívidas de nações mais vulneráveis.
Esse alívio exige uma reforma da arquitetura financeira global. Em 2020, o G20 reconheceu a necessidade de reestruturação das dívidas públicas e endossou a criação do Quadro Comum.
Até os anos 1990, os principais credores do mundo eram membros do Clube de Paris; hoje, China, Índia, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos também são credores relevantes. Detentores privados de títulos da dívida pública também ganharam importância e acumulam hoje quase metade da dívida de países em desenvolvimento.
O Quadro Comum, tal como está configurado hoje, não consegue resolver a situação, por três razões: exclui os países em desenvolvimento; seu processo é excessivamente lento — os países que se candidataram ainda não viram uma redução da dívida; e não há incentivos para convencer credores privados a participar. O tímido envolvimento de credores multilaterais, como o Banco Mundial e o FMI, também foi alvo de críticas da China e atrasou ainda mais uma reestruturação abrangente dessas dívidas.
Paralelamente a essa reforma, o Quadro Comum deveria associar o alívio da dívida aos compromissos de investimento em sustentabilidade. Isso alinharia as negociações das dívidas públicas com a agenda verde do novo governo brasileiro. Uma versão atualizada dos títulos Brady, ou Bradies, dos anos 1990 — que converteram dívidas em títulos com valores mais acessíveis e ajudaram a aliviar a crise da dívida latino-americana da época — poderia incentivar a participação de uma ampla variedade de credores.
Dívidas e vulnerabilidades climáticas estão interligadas, mas o ciclo pode ser quebrado. O caminho é resolver a iminente crise da dívida e criar oportunidades de investimento em metas climáticas.
O Brasil está em uma posição privilegiada para intermediar essas negociações e moldar uma nova arquitetura financeira global.