Hoje, representantes dos governos de todo o continente americano e de outros países estão se reunindo em Guayaquil, no Equador, para a reunião anual do Grupo Banco Interamericano de Desenvolvimento (Grupo BID, que inclui tanto o BID como o BID Invest, seu credor do setor privado).
Se você, leitor, não estava sabendo dessa reunião, não se preocupe, ela não foi muito divulgada. Ela foi originalmente marcada para março na cidade de Chengdu, na China, mas acabou sendo cancelada de forma dramática depois que um conflito estourou sobre quem deveria representar a Venezuela. Dessa vez, o evento será mais restrito.
O comunicado de imprensa que divulgou a reunião desse ano não mencionou a participação de empresas ou de representantes da sociedade civil, bem diferente do que aconteceu nos anos anteriores e até mesmo do comunicado da reunião original.
Evento privado
A abordagem cautelosa do BID talvez seja compreensível se lembrarmos que um conflito público levou ao cancelamento da reunião original de 2009 na China. Aquela reunião – que comemoraria o 60o aniversário da instituição e o 10o da China como membro – foi anunciada com muita pompa.
A participação da sociedade civil na nova reunião do Grupo BID talvez seja mais importante agora do que nos últimos anos
O cancelamento aconteceu porque os membros estavam em desacordo sobre a participação de alguns representantes, como o representante de Nicolás Maduro, reconhecido pela China e por vários outros membros do Grupo BID, e Ricardo Hausmann, que integra a oposição a Juan Guaido e é crítico ferrenho dos financiamentos chineses na América Latina.
O conflito escalou depois que os Estados Unidos ameaçaram unir forças com seus aliados regionais para aumentarem o seu poder de influência caso Hausmann não fosse convidado. O Grupo BID acabou cancelando a reunião. Depois desse fracasso retumbante em chegar a um acordo, não é de se espantar que o Grupo BID tenha buscado adotar uma postura mais moderada e discreta essa semana, dedicando-se aos seus negócios normalmente sem chamar atenção.
Porém, a participação da sociedade civil na nova reunião do Grupo BID talvez seja mais importante agora do que nos últimos anos, uma vez que, este ano, o BID e o BID Invest estão revisando as suas salvaguardas ambientais e sociais. Infelizmente, o processo está restrito à consulta pública.
120
o número de dias que o período de revisão das salvaguardas do BID estará aberto
Quando o Banco Mundial revisou as suas políticas de salvaguarda, o processo levou três anos e inúmeras consultas públicas até a instituição definir quais delas seriam adotadas. O Grupo BID, por outro lado, planejou um único período de revisão, com duração de 120 dias. As reuniões anuais estão programadas para acontecer dentro deste período. Apesar disso, o Grupo BID recusou um pedido de consulta feito por uma coalizão de grupos da sociedade civil.
Transparência e engajamento são cruciais
As salvaguardas adotadas pelos bancos de desenvolvimento devem, em grande parte, a sua existência à intervenção da sociedade civil. No início da década de 80, o Banco Mundial emprestou mais de 400 milhões de dólares para o Brasil para financiar o projeto Polonoroeste, que depois foi considerado o “caso padrão” dos financiamentos problemáticos ao desenvolvimento.
O Polonoroeste, que é tanto uma rodovia na Amazônia como um programa de expansão agrícola, atraiu meio milhão de novos assentados em novas áreas de floresta, impulsionando um aumento dramático do desmatamento e deslocando comunidades tradicionais.
Em 1985, foi realizada uma mobilização transnacional intensa pela sociedade civil e por acadêmicos. Como resultado, o Banco Mundial suspendeu seu apoio ao projeto e o Grupo BID negou apoio. Depois de sofrerem pressão internacional, tanto o Banco Mundial como o Grupo BID adotaram as precursoras das suas salvaguardas atuais.
Desde então, o engajamento da sociedade civil tem se mostrado crucial para o desenvolvimento e o sucesso dessas salvaguardas. Entre as reformas mais importantes que foram introduzidas pelo Banco Mundial, podemos citar as garantias de consentimento livre prévio e informado (CLPI) e a sua forma mais fraca, a consulta prévia (CP), junto às comunidades indígenas afetadas.
A pesquisa revelou que houve um aumento significativo do desmatamento durante a pavimentação da rodovia Montero-Yapacaní na Bolívia, que teve financiamento do BID apesar das regras claras
Apesar de o CLPI e a CP serem consideradas salvaguardas “sociais”, eles oferecem importantes benefícios ambientais também. Fizemos uma investigação e descobrimos que a CP está relacionada a um decréscimo significativo do desmatamento causado por projetos realizados na bacia amazônica de diversos países. Incorporar as vozes das comunidades afetadas é indispensável para o processo de assegurar a sustentabilidade ambiental e social dos financiamentos ao desenvolvimento.
A reforma de 2019 das salvaguardas do Grupo BID começou de forma promissora: realizaram uma autoavaliação rigorosa das salvaguardas que estavam sendo utilizadas. A iniciativa foi conduzida pelo Escritório de Avaliação e Supervisão do banco. A avaliação recomendou que a estrutura das salvaguardas enfatizasse mais a coesão, a clareza e a implementação de padrões que, apesar de ambiciosos, são pouco executados na prática.
Isso reflete as mesmas conclusões de uma pesquisa conjunta realizada pela Universidade de Boston, FLACSO-Ecuador, INESAD (Bolívia) e a Universidade do Pacífico (Peru), que mostrou que, apesar de os padrões do BID terem uma natureza ambiciosa, na prática eles não têm conseguido prevenir danos às comunidades e aos ecossistemas de forma consistente.
A pesquisa do INESAD revelou que houve um aumento significativo do desmatamento durante a pavimentação da rodovia Montero-Yapacaní na Bolívia, que teve financiamento do BID apesar das regras claras da instituição contra esse tipo de dano ambiental. Entre as principais razões apontadas para a falha – tanto nos projetos financiados pelo BID como nos de outras instituições parceiras que financiam o desenvolvimento – podemos citar a consulta tardia às comunidades afetadas, o que acaba reduzindo a eficácia das suas contribuições. As comunidades não participam do processo de fiscalização e execução porque as instituições não são suficientemente transparentes.
As preocupações com transparência, no entanto, não se limitam ao BID. Essa questão foi eleita uma das mais importantes em todos os estudos de caso sobre bancos de desenvolvimento no Equador, Bolívia e Peru.
A questão encabeçou a lista de recomendações feitas para um grande projeto colaborativo de infraestrutura financiado pela China na Amazônia e que recebeu contribuições de stakeholders de toda a bacia amazônica. A nossa investigação mostrou que o setor de financiamento ao desenvolvimento precisa de mais, e não de menos, transparência.
Mais discreto sem ser fechado?
As ONGs e as comunidades afetadas desempenham um papel fundamental no estabelecimento e no sucesso das salvaguardas do Grupo BID, então é desanimador saber que a instituição recusou se encontrar com representantes para discutir as suas propostas de reforma em Guayaquil.
É possível que um evento privado tenha sido mesmo a melhor escolha, uma vez que as tensões entre a China e os Estados Unidos sobre a Venezuela ganharam muito destaque na mídia internacional, mas é importante não se fechar às discussões públicas.
Felizmente, as ONGs continuam buscando um engajamento ativo nas salvaguardas do BID esta semana. O Bank Information Center, por exemplo, fez um apelo direto, pedindo “consultas robustas, significativas e inclusivas” sobre os padrões revisados antes de sua adoção final.
Também será realizado um fórum público com participação de grupos diferentes para discutir as novas salvaguardas. Como o evento coincidirá com as reuniões do Grupo BID, o grupo faria bem em enviar um representante para aproveitar a oportunidade. Quando as novas salvaguardas forem aprovadas, o Grupo BID certamente vai querer mostrar as lições que aprendeu com as controvérsias, como a importância do diálogo aberto, ao buscar solucionar os problemas de forma discreta e prática.