Clima

O que o novo relatório do IPCC significa para a América Latina?

Temperaturas vão continuar a subir mais rapidamente do que a média global e eventos climáticos extremos devem ser mais frequentes
<p>Cordilheira dos Andes em El Calafate, Argentina. Espera-se que a perda de geleiras continue nos Andes em decorrência das mudanças climáticas (Alamy)</p>

Cordilheira dos Andes em El Calafate, Argentina. Espera-se que a perda de geleiras continue nos Andes em decorrência das mudanças climáticas (Alamy)

A América Latina ficará particularmente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas nos próximos anos, com mudanças mais pronunciadas na temperatura, aumento da precipitação e de eventos climáticos extremos, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), o principal órgão mundial de especialistas em clima.

O relatório traz uma avaliação abrangente do clima global e conclui que a atividade humana é “inequivocamente” responsável pelas mudanças climáticas “sem precedentes” da Terra. Algumas mudanças são consideradas até “irreversíveis” devido ao aumento das emissões de gases do efeito estufa. 

As emissões das atividades humanas foram responsáveis pelo aquecimento em 1,1°C entre 1850 e 1900, segundo os especialistas em clima. Nos próximos 20 anos, espera-se que as temperaturas globais atinjam ou ultrapassem 1,5°C, quebrando o limite estabelecido pelos governos no acordo climático de Paris de 2015 e provocando graves consequências.

É um “alerta vermelho” para a humanidade, segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres. “Se juntarmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório de hoje deixa claro, não há tempo para atrasos e não há espaço para desculpas”, disse Guterres nesta segunda-feira (10), pedindo a todos os países que elevem seus níveis de ambição antes da cúpula climática da COP26 deste ano em Glasgow.

De acordo com o IPCC, somente uma redução forte, rápida e sustentada dos gases de efeito estufa nesta década pode evitar o colapso do clima, pois cada fração de um grau de aquecimento pode exacerbar os efeitos já observados sobre o clima. Isto significaria deslocar a economia global para uma economia de baixo carbono, se distanciando dos combustíveis fósseis. 

“Esta não é uma mensagem nova, mas uma mensagem cada vez mais forte. Há muito tempo sabemos que o clima está aquecendo e que a causa é a atividade humana, principalmente a queima de combustíveis fósseis. O novo relatório reforça as evidências mais recentes baseadas na ciência”, disse Gregory Flato, vice-presidente do painel do IPCC responsável pelo relatório.

Desafios para a América Latina

É provável que as temperaturas tenham aumentado em todas as sub-regiões da América Latina e continuem a aumentar a um ritmo mais acelerado do que a média global, de acordo com o IPCC. A precipitação média também deve mudar, com aumentos esperados no noroeste e sudeste da América do Sul e diminuições no nordeste e sudoeste do continente.

Nas últimas três décadas, o nível do mar subiu a um ritmo mais rápido do que a média global no Atlântico Sul e no Atlântico Norte subtropical, e a um ritmo mais lento no Pacífico Leste. De acordo com o IPCC, espera-se que isto continue, contribuindo para o aumento das inundações costeiras em áreas baixas e para o recuo da costa em outras áreas.

Se juntarmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório de hoje deixa claro, não há tempo para atrasos e não há espaço para desculpas

A perda de geleiras e o derretimento do permafrost continuarão na Cordilheira dos Andes sob todos os cenários de emissão de gases de efeito estufa do relatório, levando a reduções significativas nos níveis dos rios e a possíveis grandes inundações de lagos glaciais. As secas agrícolas e ecológicas também devem acelerar em vários países. 

“A América Latina tem sido historicamente uma região com informações mais limitadas sobre as mudanças climáticas por ter uma comunidade científica menor. Por isso, não estivemos tão bem representados nos últimos relatórios do IPCC”, disse Maisa Rojas Corradi, autora chilena do IPCC. “Mas agora temos mais autores no novo relatório, contribuindo com informações para nossas próprias comunidades”.

A América Latina é responsável por 5% das emissões globais, em sua maioria procedentes do setor energético, da agricultura e da mudança no uso da terra. Mas a proporção está aumentando à medida que os países continuam a desenvolver combustíveis fósseis. Investir em energia renovável e reduzir o desmatamento poderia evitar que as emissões aumentassem ainda mais, dizem os especialistas.

No ano passado, os 33 países da região gastaram US$ 318 bilhões em iniciativas fiscais e de estímulo para aliviar os impactos econômicos da pandemia, dos quais apenas US$ 46 bilhões (2%) são “verdes”, de acordo com uma nova plataforma da ONU. Isto é significativamente inferior à média global estimada em 19%.

“O mundo está levando os ecossistemas a seus limites, e não podemos mais ignorar nossas contribuições para enfrentar as mudanças climáticas”, disse Tuntiak Katan, líder da comunidade indígena Shuar, do Equador. “As comunidades indígenas e locais protegem as florestas. Sem nós, a meta de 1,5°C estará fora de alcance. As políticas climáticas devem fazer valer os direitos a nossos territórios cobertos por florestas”.

Novo relatório do IPCC

O mais recente relatório é o resultado de um processo de cinco anos de avaliação, redação, revisão e aprovação por 234 importantes cientistas de mais de 60 países. Esses cientistas trabalharam juntos para rigorosamente avaliar mais de 14 mil trabalhos de pesquisa sobre as mudanças climáticas globais. 

O IPCC foi criado em 1988 pelas Nações Unidas e pela Organização Meteorológica Mundial. Seu objetivo é fornecer aos formuladores de políticas públicas avaliações científicas regulares e abrangentes sobre as mudanças climáticas, já que essa se tornou uma preocupação global amplamente reconhecida.

Esses relatórios avaliam a base científica das mudanças climáticas, seus impactos e riscos futuros, e opções para reduzir as emissões e se adaptar a seus efeitos. Eles contêm conclusões, mas não recomendam ações. Essa é a sexta edição do relatório.

“Estamos certos da magnitude da crise climática e do papel da humanidade na condução de eventos climáticos extremos, certos do quanto mudamos o planeta e certos de que as coisas continuarão a piorar a menos que mudemos de rumo imediatamente”, disse Manuel Pulgar-Vidal, diretor de clima e energia global da WWF.

O IPCC afirma que é “inequívoco” que a influência humana aqueceu a atmosfera, o oceano e a terra. Cada uma das últimas quatro décadas tem sido sucessivamente mais quente do que qualquer década anterior desde 1850. Globalmente, a precipitação média tem aumentado, e os extremos climáticos estão se tornando mais frequentes em todo o mundo. 

O aquecimento que experimentamos até hoje já causou mudanças irreversíveis em muitos de nossos sistemas ecológicos. Os oceanos continuarão a aquecer e se tornarão mais ácidos. As geleiras das montanhas, como as dos Andes, juntamente com os polos, continuarão a derreter durante décadas ou séculos.

A cada aumento no aquecimento global, as mudanças se tornam mais extremas. Por exemplo, cada 0,5°C adicional ao aquecimento global provoca aumentos claramente perceptíveis na intensidade e frequência de extremos de calor, incluindo ondas de calor, fortes precipitações e períodos de secas.

“Estamos levando o planeta em direção ao desastre. Os povos indígenas do mundo inteiro têm sentido esta crise ambiental, mas somos resistentes porque temos estratégias. O que precisamos é de um forte compromisso dos líderes mundiais para nos apoiar para que possamos continuar a lutar por nossa terra e nossas vidas”, disse Sineia do Vale, do Conselho Indígena de Roraima no Brasil.