Clima

Crise climática afeta saúde mental de latino-americanos

Secas, furacões, ondas de calor e inundações deixam marcas profundas na saúde mental da população na América Latina, despertando atenção de especialistas
<p>Mulher observa prédios pela janela do teleférico da Cidade do México. Em 2024, o país registrou recordes de altas temperaturas, fator que pode prejudicar a saúde física e mental da população, segundo estudos recentes (Imagem © Emiliano Molina)</p>

Mulher observa prédios pela janela do teleférico da Cidade do México. Em 2024, o país registrou recordes de altas temperaturas, fator que pode prejudicar a saúde física e mental da população, segundo estudos recentes (Imagem © Emiliano Molina)

Nos meses mais quentes de 2024, um ano em que o México e o mundo atingiram temperaturas recordes, Yanine Quiroz sentia uma fadiga e uma agonia que a impediam de trabalhar ao longo do dia. “Tive muito medo ao ver a escassez de água e como toda a minha família e amigos estavam sofrendo”, disse a jornalista de 33 anos de Ecatepec, um dos municípios mais afetados pela seca no Estado do México — território que circunda a capital do país. No ano passado, havia o temor de que a Cidade do México atingisse o “dia zero”, ponto de colapso total das reservas municipais de água potável. 

Estudos indicam que a exposição prolongada ao calor afeta a saúde física e mental: as altas temperaturas elevam os riscos de exaustão, insolação, transtornos psiquiátricos, ansiedade e até pensamentos suicidas. No caso de Quiroz, as preocupações relacionadas ao clima foram agravadas por um episódio anterior de ansiedade aguda. A soma dessas condições resultou em ataques de pânico, o que a forçou a pedir um período de licença no trabalho. Ela também procurou apoio profissional, o que a ajudou a falar mais abertamente sobre sua saúde mental.

Quiroz acredita ter sofrido daquilo que ficou conhecido como “ecoansiedade”, estado de agonia, inquietação ou mal-estar diante dos efeitos da crise climática e da degradação ambiental. Embora ainda não seja formalmente reconhecido como uma condição médica, o conceito foi descrito em 2017 pela Associação de Psicologia Americana (APA).

Yanine Quiroz em sua casa no Estado do México, em março de 2025
Yanine Quiroz em sua casa no Estado do México, em março de 2025. A seca severa e as altas temperaturas no país podem tê-la levado a um quadro de ecoansiedade, condição descrita recentemente na literatura médica (Imagem © Ginnette Riquelme)

Os sinais da ecoansiedade afetam principalmente a geração mais jovem e também aqueles que trabalham com questões ambientais. Um estudo publicado em 2021 pela revista médica Lancet constatou que a maioria dos jovens experimenta emoções negativas como ansiedade, tristeza, raiva e impotência diante da crise climática. A pesquisa entrevistou dez mil voluntários de dez países diferentes, todos com idades entre 16 e 25 anos.

À medida que o planeta enfrenta eventos climáticos mais intensos e frequentes, é urgente que profissionais de saúde compreendam o impacto da crise climática na saúde mental, disse Ana Laura Torlaschi, consultora de projetos de saúde e mudanças climáticas da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas). “Você pode ter um conhecimento profundo sobre várias doenças, mas se não perceber que uma pessoa está sendo acometida por esses fatores ambientais, não poderá oferecer a ajuda certa”, concluiu.

Saúde mental e desastres climáticos

Estudos apontam que pessoas impactadas diretamente por um desastre ambiental provavelmente sofrerão efeitos agudos em sua saúde mental. Em 2023, esse foi o caso de Diana Ruiz, 35 anos, e sua mãe, vítimas do furacão Otis, o mais severo no Pacífico mexicano em mais de três décadas. Os ventos fortes devastaram a praia de Acapulco, famoso ponto turístico na costa oeste do país.

O Otis demorou apenas 12 horas para passar de uma tempestade tropical a um furacão de categoria cinco, a mais alta. Diante de um ciclone que se fortalecia rapidamente, mãe e filha não conseguiram evacuar sua casa a tempo — e a única alternativa que encontraram foi se trancar no banheiro com seu gato até o furacão passar. 

“Foi um choque. Ficamos assustadas. Tentamos dormir, mas havia um barulho muito estranho do vento”, contou Ruiz. De manhã, elas saíram ilesas, mas viram o tamanho do estrago: a casa havia sofrido muitos danos, e sua loja de acessórios e roupas havia sido destruída. Nas semanas seguintes, suas principais preocupações foram conseguir alimentos e evitar que ladrões invadissem sua casa, já que os saqueios viraram comuns após o furacão. “Um tempo depois, a ficha cai, e você percebe como tudo aconteceu”, lembrou ela.

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Moradores da comunidade de Aguas Blancas, no estado mexicano de Guerrero, lavam suas roupas em um rio, após terem suas casas destruídas pelo furacão Otis no fim de 2023 (Imagem: Luis E Salgado / ZUMA Press Wire / Alamy)

Após o furacão, psicólogos da organização Médicos Sem Fronteiras e do estado mexicano de Guerrero foram até Acapulco e Coyuca de Benítez, dois dos municípios mais afetados, para cuidar da saúde mental da população. Desde a década de 1990, a entidade mantém ações de saúde mental como parte de sua assistência em casos emergenciais. 

“A gente chega na fase imediatamente posterior ao desastre”, explicou Berzaida López, psicóloga que supervisionou os trabalhos de saúde mental da organização após a passagem do Otis. Ela disse que, nessa etapa, há um forte sentimento de incredulidade das pessoas afetadas, que sentem como se estivessem vivendo um pesadelo.

“O estresse é muito alto nesses primeiros dias. As pessoas relatam dificuldade para dormir, porque ficam em um estado de vigília constante”, disse Lopez. “Se há um vento forte que faça ruídos semelhantes aos do furacão, as pessoas revivem esse trauma”, acrescentou. Esses pequenos flashbacks do desastre são sinais de estresse agudo.

A importância dada à saúde mental em casos de desastres e o fato de haver profissionais dedicados a cuidar de pessoas nessas situações é algo relativamente novo. Em 2011, após o terremoto que deixou mais de 18 mil pessoas mortas em Sendai, no Japão, foi criado o Marco de Sendai para Redução dos Riscos de Desastres, documento das Nações Unidas para definir as melhores práticas de recuperação e apoio psicossocial para a população afetada. Na América Latina, as evidências de que esses eventos podem aumentar os riscos de depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático, dependência de substâncias químicas e comportamentos suicidas destacam a importância desses planos. 

Mais de dois anos após o furacão Otis, manter uma boa saúde mental ainda é um desafio para Diana e sua mãe. Elas também foram acometidas pela dengue — que aumentou na área afetada pelo desastre, causando mais um golpe na economia local e agravando os fatores que levaram Diana e sua família para uma nova vida na Cidade do México.

Além do desastre, dor da destruição ambiental

Para muitos povos indígenas latino-americanos, cujas tradições, culturas e meios de subsistência geralmente se baseiam na relação estreita com o meio ambiente, a ecoansiedade também pode ser uma resposta às mudanças do clima e da paisagem natural. A brasileira Regeane Oliveira Suares, jovem do povo Terena, deixou sua comunidade em Nioaque há mais de cinco anos para estudar medicina em Campo Grande, capital mato-grossense. Desde então, ela descreve como sua saúde mental foi afetada tanto pelo desenraizamento quanto pela perda gradual de seu território.

“Vim de um pequeno município onde todos se conheciam e a rotina era diferente. Quando comecei a morar na cidade, minha saúde mental sofreu muito. Comecei a desenvolver depressão e ansiedade”, contou. Suares lembra que, em seu vilarejo, tudo lhe transmitia uma sensação de liberdade, como poder andar a pé ou de bicicleta tranquilamente. 

Porém, se deixar sua comunidade foi desafiador, também foi difícil voltar e ver que a terra e a paisagem haviam mudado: “Percebi mudanças drásticas nas plantações; a falta de chuva empobreceu o solo, e o sol forte matou quase tudo o que estava sendo cultivado para consumo próprio ou venda”. O rio da comunidade estava ficando cada vez mais seco — e às vezes era desviado —, criando uma paisagem que ela descreveu como “triste”.

Mato Grosso e Mato Grosso do Sul são importantes estados agrícolas do Brasil, com uma grande produção de grãos, cana-de-açúcar, gado e soja. No entanto, nas últimas décadas, isso também os colocou entre os dez maiores desmatadores do país, fator que gera uma intensa transformação na paisagem natural e ameaça os biomas locais — a Amazônia, o Cerrado e o Pantanal. Nos últimos anos, algumas áreas desses estados sofreram os efeitos das condições climáticas extremas, incluindo secas causadas pelo fenômeno La Niña.

Imagem aérea de campo desmatado para cultivo de soja em Querência, Mato Grosso. Floresta ao lado esquerdo e terra arrasada ao lado direito.
Campo desmatado para cultivo de soja em Querência, Mato Grosso. O estado brasileiro tem uma das maiores taxas de desmatamento no país (Imagem: Flávia Milhorance / Dialogue Earth)

Além da própria tristeza diante dessas mudanças, Oliveira disse ter experimentado aquilo que o filósofo Glenn Albrecht batizou em 2005 como solastalgia: “A dor de reconhecer que o lugar em que se vive e se ama está sendo atacado”. O sentimento é uma espécie de luto e tem sido bastante estudado recentemente.

“Meus filhos podem não conhecer o lugar onde eu cresci. Isso me entristece ainda mais porque, aos poucos, vi aquele lugar desmoronar diante de nossos olhos”, disse Oliveira.

Em 2021, Oliveira participou de uma pesquisa na Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, onde ela estuda, com a missão de explorar as ações necessárias para apoiar a saúde mental dos povos indígenas diante da crise climática. 

“Essas pessoas estão perdendo a perspectiva de vida, de esperança. Para elas, tudo o que acontece tem um significado mais profundo”, explicou Antonio Grande, professor que lidera o estudo, em uma chamada de vídeo. “Atualmente, tudo se resume às mudanças climáticas. A terra foi devastada e [as pessoas] não conseguem mais se comunicar com a natureza. Alguns até falam que não conseguem mais ouvi-la”.

Estudos e organizações internacionais, incluindo a ONU e a Opas, destacaram o aumento dos problemas de saúde mental em comunidades indígenas ao redor do mundo, muitas vezes ligadas aos deslocamentos forçados e às mudanças ambientais.

Essas pessoas estão perdendo a perspectiva de vida, de esperança. Tudo se resume às mudanças climáticas
Antonio Grande, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul

A pesquisa de Grande e sua equipe destaca a necessidade de preservação dos territórios indígenas, respeitando os modos de vida dos povos tradicionais e quebrando os tabus sobre as doenças mentais nessas comunidades. “É algo político, que começa com a não destruição de suas terras”, disse Grande. O estudo que ele lidera, um dos poucos sobre saúde mental e mudanças climáticas realizados na América Latina, fornece pistas de como a região pode abordar uma questão historicamente estigmatizada

Já Oliveira passa sua visão como uma mulher indígena prestes a se tornar médica. Segundo ela, as faculdades de medicina precisam trabalhar melhor essa relação entre a saúde mental indígena e as mudanças climáticas, mas a chave é entender as causas básicas que geram ansiedade e pressão nas comunidades. “Os governos precisam garantir o direito à terra ancestral e à assistência financeira, e as escolas precisam ensinar sobre nossas origens, nossos direitos e nossos valores como seres humanos na sociedade”, ressaltou.

Caminhos para trabalhar a saúde mental

Com a intensificação dos eventos climáticos extremos e do aquecimento global, é provável que mais pessoas tenham sua saúde mental afetada. Em 2023, a psiquiatra argentina Nora Leal Marchena promoveu a criação do Capítulo de Saúde Mental Ambiental e Urbana da Associação de Psiquiatras da Argentina. Ela enfatizou a importância de tomar medidas concretas para lidar com essas emoções: “Quando você começa a trabalhar em um tema específico, as ações mobilizam respostas positivas que ajudam a mitigar suas preocupações”.

Estudos como o da revista Lancet sobre a ecoansiedade em jovens mostraram que a magnitude da crise climática, em escala global, pode provocar sentimentos de desespero — a sensação apocalíptica de que é “tarde demais”. Porém, pelo menos no que diz respeito à saúde mental, tomar medidas sobre os impactos climáticos pode fazer a diferença. Marchena vê isso especialmente na saúde de crianças e adolescentes, área na qual é especialista. “É preciso motivá-los a agir, porque sem isso você gera impotência”.

Os laços afetivos que se formam nesse processo de colaboração nos ajudam a enfrentar o medo do futuro distópico que imaginamos
Alice Poma, pesquisadora da Universidade Nacional Autônoma do México

Alice Poma, pesquisadora da Universidade Nacional Autônoma do México, corrobora essa visão. Uma das descobertas de seu trabalho focado em emoções e movimentos sociais é que “o ativismo é quase terapêutico em termos de emoções climáticas”, explicou ela, “porque ao se organizar, ao participar disso, você consegue lidar com algumas das emoções climáticas”. 

Ter esperança por meio da ação coletiva e criar espaços de discussão nos permite pensar em um futuro diferente, disse Poma: “Os laços afetivos que se formam nesse processo de colaboração nos ajudam a enfrentar o medo do futuro distópico que imaginamos”. 

É por isso que pessoas como a jornalista Yanine Quiroz buscam estratégias para lidar com o impacto emocional do clima extremo. “Tenho algumas ideias em mente para reagir no curto prazo às situações futuras que possam desencadear novamente a ecoansiedade”, disse ela. Essas estratégias variam de soluções individuais, como a adaptação e a preparação dos espaços em que ela vive e trabalha para futuros extremos, a ações mais coletivas, como a participação em esforços de reflorestamento com organizações socioambientais. “Mas o medo definitivamente aparece toda vez que o calor se torna mais intenso”, disse.

Esta reportagem foi escrita pelo Dialogue Earth em parceria com a América Futura, seção do jornal El País.