Em 26 de janeiro, a Colômbia e os Estados Unidos protagonizaram um conflito diplomático por questões migratórias: o presidente colombiano Gustavo Petro impediu a aterrissagem de um voo com colombianos deportados pelos Estados Unidos. Em suas redes sociais, Petro disse que os EUA deveriam “estabelecer um protocolo para o tratamento digno dos migrantes”, sugerindo que eles haviam sido tratados como criminosos.
A declaração de Petro levou a uma resposta dura do governo de Donald Trump, que interrompeu os processos de solicitação de visto americano na Colômbia e ameaçou impor tarifas de importação de 25% para todos os produtos colombianos. Em sua tréplica, Petro anunciou que também taxaria as importações dos EUA e, se necessário, deportaria americanos em situação migratória irregular na Colômbia. A crise só foi resolvida após um recuo parcial do governo Petro, que enviou aviões militares para repatriar os deportados “livres, dignos e sem algemas”, nas palavras do presidente.
A Colômbia tem os Estados Unidos como seu principal parceiro comercial, tornando qualquer ameaça de sanção uma dor de cabeça para a economia colombiana.
Especialistas e militantes da oposição criticaram duramente a maneira como Petro lidou com a situação, considerando suas ações “irresponsáveis”, uma ameaça à “estabilidade da Colômbia” e um “erro de cálculo”.
Em meio às tensões diplomáticas, analisamos o rumo das relações entre os dois países e as consequências de a Colômbia diversificar seus parceiros comerciais e reduzir sua dependência dos EUA — com os olhos voltados principalmente para a China, aliado cada vez mais estratégico em comércio, investimentos, energia e outras áreas.
Relações entre Colômbia e China
Embora a Colômbia e a China já tenham 45 anos de relações diplomáticas, foi somente no século 21 que o país asiático se tornou um dos parceiros comerciais mais importantes da Colômbia, principalmente a partir do governo de Juan Manuel Santos (2010-2018). Conforme dados da Embaixada da Colômbia na China divulgados em 2023, a China hoje é o segundo maior parceiro das exportações colombianas e a principal fonte de importações.

“Há uma década, a China já era um parceiro comercial importante para muitos países da região, mas, desde então, o relacionamento com a Colômbia se aprofundou”, disse David Castrillon Kerrigan, professor da Universidade Externado da Colômbia, onde pesquisa as políticas externas da China e dos EUA e seus impactos na América Latina.
Em 2008, a Colômbia exportou pouco mais de US$ 400 milhões em produtos para a China, segundo estatísticas oficiais, valor que saltou 475% em 2024, chegando a US$ 2,3 bilhões. Só entre janeiro e agosto do ano passado, as exportações colombianas para a China cresceram 14,8% em comparação com o mesmo período de 2023.
Por sua vez, a Colômbia importou mais de US$ 14,7 bilhões em mercadorias da China em 2024. A partir de 2022, uma grande variedade de produtos chineses entrou no país, desde eletrônicos e pneus até produtos químicos e têxteis.
Para Daniel Gómez, vice-presidente do Conselho de Competitividade Privada, organização voltada para o fortalecimento dos negócios colombianos, o mercado chinês não foi devidamente explorado pela Colômbia. “Não conseguimos aproveitar a enorme demanda que vem do mercado chinês”, disse ele ao Dialogue Earth.
Gómez ressalta que, embora a Colômbia tenha expandido seu alcance global com quase 20 acordos de livre comércio hoje assinados, sua projeção no mercado asiático “tem sido mais tímida”.
A China tem feito incursões na Colômbia não apenas com a venda de produtos de alto valor agregado, mas através de investimentos em infraestrutura. Segundo Zhu Jingyang, embaixador da China na Colômbia, mais de 110 empresas chinesas operam no país em setores como infraestrutura, energia e mineração, energias renováveis, telecomunicações e saúde.
Já a Embaixada da Colômbia na China informou que 62 projetos chineses investiram mais de US$ 800 milhões em áreas como infraestrutura e energia. Por trás desses planos, estão empresas como a China Harbour Engineering Company, que lidera um consórcio para construir a primeira linha do metrô de Bogotá, a Zijin Continental Gold, proprietária de uma problemática mina de ouro em Buriticá; e a Trina Solar, que construiu o parque solar Bosque de los Llanos.
Algumas dessas obras trouxeram desafios socioambientais, explicou Julie Radomski, pesquisadora da atuação internacional da China no Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston. “Com o tempo, os desdobramentos desses projetos se tornaram problemáticos”, disse Radomski ao Dialogue Earth.
Esse foi o caso do metrô de Bogotá, cuja construção impactou o meio ambiente e a rotina dos habitantes da cidade, com uma disputa econômica e urbanística entre a prefeitura e a presidência; já em Buriticá, ataques de grupos armados afetaram as operações da mina.
Geopolítica do Cinturão e Rota
Nos últimos meses, autoridades colombianas sugeriram que o país poderia aderir à Iniciativa Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês) — programa chinês visando a expandir sua presença global por meio de investimentos em projetos de infraestrutura.
Em outubro de 2024, o então vice-ministro das Relações Exteriores da Colômbia, Jorge Rojas Rodríguez, confirmou uma adesão à BRI ocorreria diante de novas negociações. Havia a expectativa de que o presidente Petro fizesse um anúncio ainda este mês em torno do assunto, o que pode ter sido adiado por causa de uma recente crise ministerial.
Desde 2013, cerca de 150 países aderiram à BRI, e seu financiamento total ultrapassou a marca de US$ 1 trilhão em 2023. Até o momento, 21 países da América Latina e do Caribe, incluindo Peru, Chile e Argentina, aderiram à iniciativa. Ao longo de uma década, o programa promoveu grandes obras de infraestrutura e energia por toda a região, mas o foco mudou para projetos de menor escala nos últimos anos.

À medida que a BRI se expandiu, remodelando os fluxos de investimento e fortalecendo os laços comerciais de diversos países com a China, essa estratégia também acabou redefinindo a geopolítica do Sul Global. Radomski descreveu a BRI como “um termo guarda-chuva” que cresceu além de seu foco original em conectividade e agora é “mutável, englobando a expansão da infraestrutura e da China como potência”.
Em meio a tensões com os EUA, a adesão da Colômbia à iniciativa chinesa pode ir além de um simples acordo comercial, tornando-se um movimento diplomático com fortes implicações. Radomski destaca que, embora a entrada na BRI tenha um componente mais simbólico, “as implicações geoestratégicas dessa decisão são significativas”.
Isso não passa despercebido pelos Estados Unidos. De acordo com Margaret Myers, diretora do Programa para a Ásia e a América Latina do Inter-American Dialogue, parte do motivo pelo qual o governo colombiano tem se movido timidamente em direção a Beijing deve-se ao relacionamento de longa data com os EUA.
Se a Colômbia aderir à BRI logo no início do governo Trump, isso não será bem recebido pelos EUADavid Castrillón Kerrigan, professor da Universidade Externado da Colômbia
Além disso, o novo governo dos Estados Unidos elevou a tradicional animosidade da Casa Branca em relação à China. O reflexo disso foi a concretização das tarifas de importação prometidas por Trump, medida que pode se expandir nos próximos meses para os setores automotivo, eletrônico e farmacêutico.
“Este é um governo que vê a China como uma ameaça”, disse Castrillón, referindo-se à administração americana. “Se a Colômbia aderir à BRI logo no início do governo Trump, isso não será bem recebido pelos EUA”.
Castrillón também destacou que a interdependência entre a Colômbia e os EUA não deve ser ignorada — não apenas em termos comerciais, mas também em áreas como a gestão migratória: “Trump certamente castigará a Colômbia”.
Independentemente do rumo das relações Colômbia-China, a agenda de Trump já provoca atritos em outras frentes. No fim de janeiro, o novo presidente dos EUA determinou a suspensão de todos os programas de apoio financeiro a nações estrangeiras por 90 dias. Somente em 2023, a Colômbia recebeu mais de US$ 738 milhões em assistência do governo dos EUA para áreas como alimentação, apoio militar e migração.
O que a Colômbia tem a ganhar?
Para Daniel Gómez, do Conselho de Competitividade Privada, a entrada da Colômbia na BRI é uma oportunidade de fortalecer os laços com um mercado em expansão. “A China é um mercado que segue crescendo e terá demandas significativas de alimentos, proteína animal e energia”, avaliou.
Castrillón também observou que, nos últimos anos, a China tem adotado uma forte política de aumento das importações do Sul Global para reduzir sua dependência dos Estados Unidos e da Europa.
Os acordos assinados entre Gustavo Petro e Xi Jinping durante sua reunião em Beijing, em outubro de 2023, destacaram os setores de agricultura, energia renovável, indústria e ciência como algumas das áreas nas quais os dois países buscam fortalecer seus laços.
O foco do governo Petro na transição energética e o compromisso com a expansão da energia renovável serão fundamentais para a dinâmica entre os dois países. A agenda ambiental da Colômbia também está sincronizada com uma China cada vez mais voltada para a energia renovável em projetos de infraestrutura no exterior.
Atualmente, a China é o principal fabricante e exportador de painéis solares no mundo. Especialistas consultados pela reportagem também disseram que hoje não há outro parceiro com melhor infraestrutura para apoiar a transição energética da Colômbia. “Em termos de energia renovável, é difícil pensar em outros países que estejam no mesmo nível das empresas chinesas”, destacou Radomski.
Em 2023, quase 43% das exportações da Colômbia para a China foram de petróleo bruto, seguidas por 18% de carvão vegetal, segundo números da OEC. Ter a China como parceira no desenvolvimento de fontes de energia renovável, bem como contar com seu apoio para uma transição energética justa, pode ser crucial para alavancar outros produtos de exportação colombianos nos mercados chineses.
Especialistas acrescentaram que a modernização de seu setor agrícola é outra área na qual a Colômbia poderia se beneficiar. Essa é uma das metas de Petro e área na qual a China tem grande conhecimento técnico e infraestrutura. “A Colômbia viu como a China eliminou a pobreza extrema em seu país e melhorou as condições no campo por meio da tecnologia — e quer replicar isso”, disse Castrillón.
Outras possíveis áreas de cooperação incluem a realocação de operações das indústrias de transformação chinesas para a Colômbia — algo que, segundo Gómez, pode ser discutido no âmbito das negociações da BRI — e os projetos de infraestrutura de transporte apresentados pelo governo colombiano a empresas chinesas em Beijing.