Energia

Equador vai às urnas na esperança de superar crise energética

Segundo turno presidencial será realizado após um ano de apagões e déficit na geração elétrica. Especialistas apontam incertezas no setor e desafios na transição à energia limpa
<p>Vendedora trabalha no escuro em mercearia de Quito, capital do Equador, em abril de 2024. Devido à crise energética, o governo impôs apagões programados ao longo do ano (Imagem: Sara Bandes / dpa / Alamy)</p>

Vendedora trabalha no escuro em mercearia de Quito, capital do Equador, em abril de 2024. Devido à crise energética, o governo impôs apagões programados ao longo do ano (Imagem: Sara Bandes / dpa / Alamy)

Lanternas e velas hoje são itens indispensáveis nos lares equatorianos. Desde outubro de 2023, os apagões têm sido mais frequentes, até que, em meados de 2024, se tornaram generalizados em meio a uma crise energética de grandes proporções.  

O problema decorre de uma grave seca que afeta a principal fonte de eletricidade do Equador — as usinas hidrelétricas. E para contorná-lo, o governo instituiu cortes de luz programados. De início, eram duas horas por dia, mas já chegaram a 14 horas diárias. 

Nenhuma cidade equatoriana escapou do desabastecimento elétrico. De um dia para o outro, o país parecia ter voltado ao século 18, quando o dia começava e terminava no breu. 

As lojas esgotaram seus estoques de aparelhos com baterias reservas, como os nobreaks e carregadores portáteis. O ruído dos geradores a gasolina tornou-se um elemento recorrente da paisagem urbana: esses equipamentos foram posicionados do lado de fora de prédios comerciais, shopping centers e restaurantes — locais para os quais a população correu na esperança de se conectar à internet e carregar seus dispositivos. 

Segundo a Câmara de Comércio de Quito, os cortes de luz geraram perdas de até US$ 7,5 bilhões para a indústria e o comércio. Em todo o país, estima-se que cada hora sem eletricidade tenha deixado um prejuízo econômico de US$ 12 milhões.

A poucos dias do segundo turno das eleições equatorianas, especialistas observam que a crise energética segue sem solução — e, consequentemente, será um dos principais desafios do próximo governo. 

No primeiro turno, realizado em 9 de fevereiro, os nomes mais votados foram Luisa González, candidata do partido de esquerda Movimento Revolução Cidadã, e o atual presidente Daniel Noboa, da plataforma de centro-direita Ação Democrática Nacional. Os dois vão se enfrentar neste domingo, 13 de abril. 

Tanto Noboa quanto González incluíram as energias renováveis em seus planos de governo. Porém, nenhum deles explicou como devem implementar esses projetos diante da urgência na qual o país se encontra. A gestão atual tem apostado suas fichas em combustíveis fósseis para tentar superar a crise.

Noboa x González

Em abril de 2024, o então ministro interino de Energia do Equador, Roberto Luque, disse que a principal causa para a crise elétrica foi a grave seca no país, considerada a pior em 60 anos. Os rios secaram e as usinas hidrelétricas, responsáveis por cerca de 80% da geração de eletricidade no país, pararam de funcionar. Naquele mês de abril, que geralmente é chuvoso, começaram os grandes apagões. 

“Os setores de energia e abastecimento hídrico do Equador tinham profundas vulnerabilidades que a seca apenas detonou”, explicou Homero Paltán, pesquisador de riscos climáticos e hídricos na Universidade de Oxford, ao Dialogue Earth

Em seu novo plano de governo, Noboa propõe impulsionar a energia limpa e renovável por meio de investimentos públicos e privados. Além disso, reforçou que sua administração vai incentivar a cooperação internacional em pesquisas tecnológicas, “facilitando a transição energética para fontes mais sustentáveis”. O Plano de Eletricidade do Equador para 2032, lançado no ano passado, prevê a construção de 37 projetos de geração de energia, com uma capacidade de 7,4 gigawatts, a um custo estimado em US$ 10 bilhões.

González, por sua vez, propõe “avançar na mudança da matriz energética, enfatizando a demanda por energias alternativas para incentivar uma transformação nos padrões de consumo”. Seu plano de 16 pontos para a transição energética também se compromete a promover medidas de eficiência energética e, assim como Noboa, incentiva parcerias público-privadas. Porém, o documento ressalta que os combustíveis fósseis farão parte do processo sob a justificativa de garantir a “soberania energética” do Equador.

Presidente equatoriano Daniel Noboa visita obras da usina hidrelétrica de Toachi Pilatón, em outubro de 2024
Presidente equatoriano Daniel Noboa visita obras da usina hidrelétrica de Toachi Pilatón, em outubro de 2024. Embora seu programa de governo não mencione hidrelétricas, Noboa apoiou projetos desse tipo (Imagem: Eduardo Santillán / Presidência do Equador, PDM)
Ex-congressista Luisa González em sessão da Assembleia Nacional no Equador
Ex-congressista Luisa González em sessão da Assembleia Nacional no Equador. Na tentativa de levar seu partido de volta ao poder, o plano de González abraça as fontes renováveis, mas insiste no uso de combustíveis fósseis para garantir a ‘soberania energética’ do país (Imagem: Christian Medina, Assembleia Nacional do Equador, CC BY SA)

A crise energética foi o principal golpe ao índice de aprovação de Noboa, cujo mandato vem sendo tomado por desafios ligados à segurança e ao crime organizado. Conforme a pesquisa Comunicaliza, em 10 de abril de 2024, com os apagões frequentes, a rejeição a Noboa atingiu 35% — 25 pontos percentuais a mais em comparação com fevereiro, quando não houve cortes de luz. Quando a crise bateu 14 horas sem eletricidade em alguns locais, em outubro passado, a rejeição subiu para quase 50%.

Usinas hidrelétricas em risco

Outro ponto-chave do plano de González é reestatizar as hidrelétricas, seguindo a linha de seu mentor, o ex-presidente Rafael Correa (2007-2017). Em seu governo, Correa lançou 14 projetos hidrelétricos em uma década — embora alguns ainda não tenham sido inaugurados e outros apresentem falhas. Noboa não menciona as hidrelétricas em seu plano, mas apoiou projetos desse tipo que estavam atrasados desde a gestão de Correa, como a problemática usina de Toachi Pilatón.

Para Homero Paltán, da Universidade de Oxford, o foco não deveria ser salvar as  hidrelétricas, mas aumentar a segurança hídrica e energética, incluindo medidas como a redução de desperdícios na transmissão de energia. Fernando Salinas, analista de energia, explicou que as perdas na distribuição equatoriana podem representar até 30% da geração.

Conforme o mais recente relatório ‘Balanço Energético do Equador, o fornecimento de eletricidade em 2023 teve uma contribuição de 69% das hidrelétricas, 26% de fontes térmicas e 1,7% de outras fontes, sendo que o restante foi suprido com importações.

“Se dependemos muito de usinas hidrelétricas, o fornecimento de energia é ameaçado quando há uma variação nos fluxos de água”, destacou Ricardo Buitrón Aguirre, engenheiro hidráulico e consultor independente de energia, em entrevista ao Dialogue Earth.

Hidrelétrica de Mazar, no Equador, em meio às montanhas e às nuvens nos Andes
Hidrelétrica de Mazar, a maior do Equador. Durante a crise de 2024, a usina ficou fora de operação, afetando o fornecimento de energia elétrica do país (Imagem: Eduardo Santillán / Presidência do Equador, PDM)

Buitrón Aguirre explicou que, na porção leste dos Andes equatorianos, onde há 4 mil megawatts de capacidade hidrelétrica instalada em usinas como as do Complexo Paute, os períodos de baixo fluxo d’água vão de outubro a março. Na porção oeste, o lado mais próximo das cidades costeiras do Equador, onde há até 1 mil MW instalados, os fluxos diminuem entre junho e dezembro.

Porém, em abril de 2024, a hidrelétrica de Mazar, a maior do país, deixou de operar. Mazar tem capacidade para 410 milhões de metros cúbicos de água e está localizada na bacia do rio Paute, na província de Azuay, na serra equatoriana. 

Conforme Salinas, o país consome cerca de 100 gigawatts-hora por dia. Quando as hidrelétricas param de funcionar, há uma diferença considerável entre a demanda e a geração de energia. No auge da crise energética, foi registrado um déficit de até 30 GWh. Em outras palavras, o país apenas conseguiu gerar 70 GWh a partir de fontes próprias.

Seca não é a única culpada

Embora tenha se falado muito no impacto da seca, o setor de energia no Equador enfrenta outros problemas estruturais. A usina hidrelétrica Coca Codo Sinclair, inaugurada em 2016, ainda não está operando 100% devido a falhas de construção. Entre janeiro e junho de 2024, em plena crise de apagões, ela teve de fechar 18 vezes devido ao acúmulo de sedimentos em suas turbinas.

O projeto Toachi Pilatón, com capacidade de 254 MW, é outro que tem sido bastante prejudicado desde a assinatura de seu contrato de construção, em 2007. Apenas em dezembro de 2024, a turbina três da usina de Alluriquín, que faz parte do mesmo complexo, foi conectada ao Sistema Nacional Interconectado (SNI) do país. Quando entrou em operação, em fevereiro, o presidente Noboa disse que o projeto ajudaria a “garantir que cada canto do Equador tenha a energia que precisa”. Outras duas unidades devem ser adicionadas em 2025.

Salinas disse que as perdas na distribuição e a melhoria da eficiência energética serão alguns dos maiores desafios enfrentados pelo próximo governo. Por outro lado, ele observou que ainda não há investimentos suficientes na expansão da geração de eletricidade para atender à demanda atual. 

Conforme o Balanço Energético Nacional, o consumo de eletricidade por pessoa no Equador aumentou 28,8% entre 2013 e 2023. “Quando a crise começou, falei que os apagões vieram para ficar”, acrescentou Salinas. “Desde então, não houve nenhuma mudança na dinâmica do setor; a situação não mudou”.

Combustíveis fósseis como uma solução imediata

De acordo com um relatório exigido pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, o Equador tem 77 usinas hidrelétricas em operação, que geram “eletricidade de forma sustentável e renovável”. Porém, Paltán vê essa crise como um desafio para a transição energética. “Ser verde ou amigável está sendo colocado em segundo plano”, disse ele ao Dialogue Earth. Uma das medidas do governo Noboa, por exemplo, foi lançar uma isenção temporária de tarifas para geradores a gasolina e diesel.

Gerador do lado de fora de um prédio em Quito, Equador
O barulho e a poluição provocados pelos geradores a gasolina nas calçadas tornaram-se elementos recorrentes da paisagem urbana no Equador durante os apagões recentes (Imagem: Rolando Enriquez / Imago / Alamy)

Embora tenham ajudado a aliviar temporariamente a falta de energia elétrica, as fontes alimentadas por combustíveis fósseis podem ter trazido outros impactos. Uma pesquisa ainda em revisão feita por Rasa Zalakeviciute e Génesis Chuquimarca, da Universidade das Américas, mostram que a concentração de dióxido de nitrogênio (NO₂), químico poluente, aumentou 22% em Quito durante a crise energética e excedeu os níveis permitidos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para período de 24 horas. O material particulado fino (MP2.5) também aumentou 5,48% e excedeu os níveis da OMS. A exposição ao MP2.5 pode causar câncer e afetar o sistema cardiovascular. 

De acordo com Zalakeviciute, os níveis mais altos foram registrados quando os apagões duraram mais tempo e houve maior uso de geradores alimentados por combustíveis fósseis.

Entre setembro de 2024 e março de 2025, o governo também alugou três navios-usina de geração termelétrica com capacidade total de 300 MW da empresa turca Karpowership. O aluguel das embarcações custou US$ 250 milhões e todas estão em operação e conectadas ao SNI.

Gás é a solução?

Como em outras partes do mundo, o gás foi apresentado pelo governo como uma alternativa viável para a crise. Os olhos se voltaram para o campo de Amistad, localizado no Golfo de Guayaquil. Ele começou a produzir gás em 2002 e, conforme a estatal Petroecuador, o campo pode “atingir uma produção de 94 milhões de pés cúbicos por dia, mesma capacidade operacional do gasoduto”. A produção atual é de 20 milhões de pés cúbicos por dia a partir de três poços petrolíferos. 

Em 2023, o governo equatoriano explicou que, para aumentar a produção do campo, seria necessária uma parceria estratégica. No entanto, em setembro de 2024, foi anunciado que o campo de Amistad voltaria às mãos do Ministério de Minas e Energia para um novo leilão, já que a Petroecuador não tinha o conhecimento técnico para administrá-lo e desenvolvê-lo da forma como o governo queria. Em novembro, Guillermo Ferreira, vice-ministro de Hidrocarbonetos, anunciou que o governo havia mandado convites a empresas internacionais, como o grupo chinês Sinopec, para participar da licitação. As empresas interessadas tinham até 31 de março para enviar suas propostas.

O Dialogue Earth procurou o Ministério de Minas e Energia para comentar o andamento da licitação, mas não obteve resposta. O Ministério do Meio Ambiente, Água e Transição Ecológica também não respondeu a respeito do status da licença ambiental do campo de Amistad, que talvez precise de reavaliação — em 2016, após a expansão da reserva Santa Clara, uma área protegida, parte do campo ficou dentro da zona protegida.

Especialistas consultados pelo Dialogue Earth temem que as autoridades ignorem os fatores agravantes da crise energética com a chegada da estação chuvosa em abril, que pode dar mais vazão às usinas hidrelétricas do país. Eles também concordaram que os desafios do Equador no setor de eletricidade poderiam afetar seus compromissos climáticos, já que o foco em projetos de combustíveis fósseis para evitar cortes de energia  no curto prazo poderia significar um retrocesso da transição energética equatoriana.