Justiça

Colômbia combate carvão enquanto tenta proteger empregos

Governo anunciou medidas ambiciosas para descarbonizar a economia do país, mas enfrenta desafios para lidar com comunidades dependentes do mineral
<p>Cerrejón, mina de carvão em La Guajira, extremo norte da Colômbia. Conhecido por histórico de abusos trabalhistas e danos ambientais, setor volta a ter destaque com planos do governo de acabar com mineração de carvão (Imagem: Guy Bell / Alamy)</p>

Cerrejón, mina de carvão em La Guajira, extremo norte da Colômbia. Conhecido por histórico de abusos trabalhistas e danos ambientais, setor volta a ter destaque com planos do governo de acabar com mineração de carvão (Imagem: Guy Bell / Alamy)

O presidente Gustavo Petro colocou a “descarbonização” na boca dos colombianos. 

Ao assumir o cargo em 2022, Petro fez do combate aos combustíveis fósseis uma prioridade, buscando posicionar a Colômbia como líder na transição energética global. “Nossa nação ainda depende de petróleo e carvão”, disse na conferência climática COP28  em 2023. “Mas, entre o capital fóssil e a vida, sem dúvida escolhemos a vida”. 

Além da retórica, Petro tomou medidas e implementou políticas públicas que podem transformar o setor carbonífero da Colômbia. 

Primeiro, a Agência Nacional de Mineração retirou o carvão-vapor de sua lista de minerais estratégicos, sinalizando uma aposta em outras fontes de energia. Esse carvão é usado principalmente em termelétricas, e mais de 90% de sua produção na Colômbia destina-se ao mercado internacional. 

Segundo, o Ministério de Minas e Energia apresentou um projeto de lei para reduzir a produção de carvão nacional. O artigo 23, um dos mais polêmicos, prevê a proibição de novos contratos de pesquisa e exploração de carvão-vapor. Embora seja esperada resistência ao projeto no Congresso, especialistas afirmam que, se aprovado, ele reduziria a influência de mineradoras, melhoraria o diálogo com comunidades impactadas e ajudaria a preparar o país para uma transição energética mais justa

Finalmente, o governo lançou um plano para atrair US$ 40 bilhões em investimentos que ajudem o país na transição energética e adaptação às mudanças climáticas.

Ainda assim, há incertezas sobre os impactos da descarbonização em alguns grupos sociais, principalmente de trabalhadores e comunidades que dependem da mineração.

Colômbia depende de carvão

Os departamentos de La Guajira e Cesar, ao norte, concentram mais de 90% da produção do carvão colombiano, com suas economias e força de trabalho dependentes desse recurso. O setor é responsável por mais de 35% do PIB e gera cerca de 30 mil empregos diretos por ano dessas regiões.

Além disso, o carvão foi responsável por mais de 36% da produção de energia da Colômbia e quase 11% da geração elétrica em 2023.

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Litoral de La Guajira, Caribe colombiano. Alguns projetos de energias renováveis nesse departamento têm gerado conflitos com comunidades (Imagem: Iván Otero / Presidência da Colômbia, PDM)

Com a transição para fontes mais limpas, estudos indicam uma tendência de queda na demanda global por carvão nos próximos anos. No curto prazo, no entanto, o crescimento na Índia e na Ásia-Pacífico deve compensar a redução observada na Europa e nos Estados Unidos. A previsão é de que a demanda da China, maior consumidor de carvão do mundo, atinja seu pico no próximo ano e caia em um terço até 2040.

Ao Dialogue Earth, o Ministério de Minas e Energia destacou que, além do compromisso da Colômbia com o Acordo de Paris, a transição energética é essencial para adaptar o país a um mercado em transformação. 

“À medida que as fontes de energia renovável não convencionais ganham terreno, o uso de usinas termelétricas e a demanda por carvão diminuirão”, afirmou o órgão. “Isso requer ações preventivas em termos de reconversão de mão de obra, diversificação econômica e atuação territorial para mitigar o impacto nas comunidades dependentes do carvão”.

Transição justa na Colômbia?

Mesmo antes das discussões sobre transição justa, o setor carbonífero colombiano já estava na mira da Justiça por seu histórico de abusos trabalhistas e danos ambientais

“[Os impactos da indústria carbonífera] são vistos na água, no solo, nas comunidades, na violação dos direitos trabalhistas, na violação dos direitos das comunidades e na violência gerada”, disse Juan Carlos Solano, secretário do Sindicato de Trabalhadores da Indústria do Carvão (Sintracarbón). 

Solano acrescentou que, em lugares como La Guajira, grupos indígenas e quilombolas sofreram violência por parte de agentes armados ligados à mineração — relato que ecoa as denúncias apresentadas por organizações contra a Cerrejón, maior mina de carvão a céu aberto da América Latina.

Um relatório deste ano do Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI, na sigla em inglês) cobra mudanças no modelo econômico como forma de garantir um futuro “pós-extrativista” na Colômbia. O documento — resultado de workshops, revisão bibliográfica e entrevistas com diferentes organizações — destaca que a transição justa requer a reparação de danos ambientais e comunitários, o reconhecimento da soberania territorial das comunidades e sua participação ativa nas decisões. 

A transição energética traz custos socioeconômicos, impacta as perspectivas de emprego e pode gerar conflitos em áreas que dependiam de uma fonte de energia ou econômica, explicou o pesquisador em ciências ambientais Mario Alejandro Pérez Rincón em um livro publicado este ano sobre o tema.

Os impactos da indústria carbonífera são vistos na água, no solo, nas comunidades, na violação dos direitos trabalhistas e na violência gerada
Juan Carlos Solano, secretário do Sintracarbón

O fechamento de minas nos municípios de La Jagua e Calenturitas, em Cesar, são exemplos desses desafios. Em 2021, a empresa Prodeco, subsidiária da mineradora Glencore, devolveu três concessões na região, alegando não darem o lucro esperado. Isso provocou desemprego, o fechamento de negócios locais e a diminuição da arrecadação dos municípios, segundo o relatório do SEI.

Além disso, a empresa teria “aproveitado essa situação para se eximir de suas responsabilidades socioambientais”, afirmou Rosa Peña, advogada da Associação Interamericana de Defesa Ambiental, ao jornal El Espectador em 2022.

Como a transição está sendo planejada?

O Ministério de Minas e Energia informou ao Dialogue Earth que definiu diretrizes para garantir uma transição justa, que incluem a revitalização ambiental com inclusão social, a diversificação das exportações, a transição para novas fontes de energia e o uso de excedentes financeiros de carvão e petróleo para impulsionar a economia verde.

Alternativas econômicas ao carvão já estão sendo implementadas tanto em La Guajira quanto em Cesar. De acordo com a unidade de planejamento do ministério, havia 22 projetos de energia renovável em construção ou ativos em La Guajira até maio de 2023. A unidade também registrou cinco projetos de usinas solares em construção no departamento, com uma capacidade combinada de 1.107 megawatts (MW). 

“No caso de La Guajira, a transição para as energias renováveis requer ação imediata para garantir que esse novo setor se desenvolva em harmonia com os atores locais”, disse José Vega Araujo, pesquisador do SEI. 

O fato de uma fonte de energia ser renovável não garante que o modelo econômico proposto seja “justo”, observou Araujo: “Essas novas tecnologias devem ser acompanhadas por uma série de estratégias que confiram às comunidades o poder de decisão e a participação nos benefícios gerados”.

As tensões entre as empresas e comunidades indígenas têm dificultado o andamento dos projetos de energia eólica em La Guajira. As negociações ocorrem “sem um árbitro ou mediador que possa garantir um diálogo equilibrado”, o que teria provocado o cancelamento de projetos da Enel e da Celsia, explicou Araujo.

O problema ocorre, por exemplo, nas comunidades próximas ao parque eólico Guajira I, onde houve casos de violência e divergências sobre as compensações pela usina.

Aldeia Wayuu próxima ao parque eólico Guajira I, norte de La Guajira
Aldeia Wayuu próxima ao parque eólico Guajira I, norte de La Guajira. A comunidade negociou a instalação da usina em seu território (Imagem: David González M / Dialogue Earth)

No departamento de Cesar, o debate sobre a transição para o uso de novas fontes busca evitar repetir os abusos do atual modelo de exploração de prata e cobre. “É possível continuar com a mineração, mas é preciso mudar a política de mineração e energia no país”, disse Solano, do Sintracarbón.

O governo colombiano vem discutindo seu plano para a descarbonização do país. O Ministério de Minas e Energia disse ao Dialogue Earth que esse plano busca definir três aspectos: identificar trajetórias para a descarbonização, considerando a queda projetada na demanda nos mercados globais; estipular ações-chave para uma transição que contemple a eficiência e os custos favoráveis; e promover processos de diversificação econômica. 

“Isso se aplica não apenas às regiões produtoras de carvão, mas também a outros territórios historicamente dependentes da economia de hidrocarbonetos”, disse o ministério.

O próprio mercado pode acelerar esses planos: algumas projeções indicam que a China, maior importadora global de carvão-vapor, pode reduzir suas compras neste segundo semestre. No primeiro trimestre, as exportações de carvão da Colômbia para a China aumentaram significativamente em comparação ao mesmo período de 2023. Com a queda da demanda europeia, os asiáticos têm sustentado a produção colombiana.