Negócios

China bate recorde com BRI, mas América Latina perde espaço 

No primeiro semestre de 2025, iniciativa de infraestrutura ofereceu US$ 123 bilhões, mas apenas 1% aos 21 países latino-americanos que a integram
<p>Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sessão de abertura da cúpula China-CELAC, em Beijing, em maio. Embora não faça parte da Iniciativa Cinturão e Rota, o Brasil é o principal parceiro comercial da China na América Latina (Imagem: Ricardo Stuckert / <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/foto/2025-05/13052025-sessao-de-abertura-do-iv-forum-celac-china-1747117727">Agência Brasil</a>)</p>

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sessão de abertura da cúpula China-CELAC, em Beijing, em maio. Embora não faça parte da Iniciativa Cinturão e Rota, o Brasil é o principal parceiro comercial da China na América Latina (Imagem: Ricardo Stuckert / Agência Brasil)

O primeiro semestre de 2025 registrou o maior volume de acordos, em um período de seis meses, no âmbito da Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), principal programa global de infraestrutura da China, segundo um novo relatório.

Os negócios somaram US$ 123 bilhões, sendo US$ 66 bilhões para obras e US$ 57 bilhões para investimentos, segundo o mais recente relatório de investimentos da BRI, elaborado pelo Centro de Finanças Verdes e Desenvolvimento da Universidade de Fudan.

O valor incluiu um recorde de US$ 9,7 bilhões para a energia verde, como eólica e solar, num momento em que fabricantes chineses de tecnologia limpa buscam mercados externos diante da acirrada concorrência interna.

O setor de energia somou US$ 42 bilhões, maior volume em um semestre desde o início da BRI, em 2013. Petróleo e gás saíram na frente, com US$ 30 bilhões, e o carvão segue na lista apesar da promessa do presidente chinês Xi Jinping, em 2021, de cortar o financiamento externo a essa fonte de energia.

Cerca de 150 países já aderiram à BRI, e o novo recorde foi impulsionado por África, Ásia Central e Oriente Médio, que juntos concentram mais de dois terços do total investido até meados de 2025. Sozinha, a usina de gás de Ogidibgen, na Nigéria, respondeu por US$ 20 bilhões.

Para a América Latina, no entanto, o cenário é outro. Com dois anos seguidos de queda nos acordos da BRI, os 21 países da região que aderiram à iniciativa receberam, no primeiro semestre de 2025, apenas 1,14% dos contratos de construção e 0,4% dos investimentos.

Os números refletem uma mudança no padrão dos investimentos chineses na América Latina. Os volumosos empréstimos dos bancos estatais chineses, que marcaram a BRI na década de 2010, caíram para quase zero, fazendo também minguar os grandes projetos de infraestrutura financiados pela iniciativa.

Embarcação atracada no peruano de Chancay, em junho de 2024
Obra do megaporto de Chancay, financiado pela China, em junho de 2024. O presidente chinês Xi Jinping viajou ao país latino-americano para a inauguração do porto em novembro de 2024 (Imagem: Presidencia del Consejo de Ministros de Perú / Flickr, CC BY-NC-SA)

No passado, esses investimentos resultaram na construção de estradas, ferrovias, hidrelétricas e portos, embora nem sempre bem recebidos nos países anfitriões. Diversos projetos foram alvo críticas por impactos socioambientais, apontados como um dos fatores que levaram investidores chineses a repensar sua estratégia.

“As empresas e os bancos chineses têm buscado minimizar riscos, seja optando por projetos menores ou evitando aqueles potencialmente problemáticos”, afirmou Margaret Myers, diretora-executiva do Instituto para a América, China e o Futuro das Relações Internacionais da Universidade Johns Hopkins, ao Dialogue Earth.

“É possível que a América Latina seja vista como um destino mais difícil para certos tipos de projetos, seja pelas condições locais, mudanças políticas, pelo olhar atento dos EUA sobre a região ou qualquer outro motivo”, acrescentou.

Myers disse ainda que o foco em outras regiões, como Oriente Médio e Ásia Central, pode sinalizar uma “dependência da lógica da era BRI” por parte de Beijing para impulsionar o crescimento econômico interno.

Parsifal D’Sola, diretor-executivo da Fundação Andrés Bello — think tank colombiano especializado na China — afirmou ao Dialogue Earth que, no âmbito da BRI, Beijing costuma favorecer relações entre Estados. Segundo ele, isto facilita a implementação de projetos e a liberação de financiamentos em países onde as decisões “ficam concentradas em um pequeno grupo e o mercado tem papel secundário”.

As empresas e os bancos chineses têm buscado minimizar riscos, seja optando por projetos menores ou evitando aqueles potencialmente problemáticos
Margaret Myers, Universidade de Johns Hopkins

Apesar dos números pouco expressivos da BRI, analistas ouvidos pelo Dialogue Earth concordam que a relação entre China e América Latina permanece sólida, com a região no centro do interesse de investidores e outros atores chineses, sobretudo no comércio.

Eles também destacaram áreas emergentes nas relações bilaterais, como tecnologia verde, energia, minerais críticos e outros setores inovadores.

Além dos números da BRI

A BRI e o papel mais amplo da China na América Latina se mantiveram nas manchetes e nos debates políticos no último ano.

A Colômbia aderiu à iniciativa em maio. O Brasil, que sob o governo Lula parecia inclinado a integrar a iniciativa, recuou no fim de 2024. Já o Panamá foi o primeiro país latino-americano a deixar a BRI, sob pressão do novo governo Trump nos Estados Unidos.

Porém, a real dimensão do envolvimento chinês na América Latina vai além da BRI. Tanto D’Sola quanto Rebecca Ray, pesquisadora sênior sobre a China na América Latina no Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston, ressaltam que a BRI não inclui Brasil e México, por exemplo, que são responsáveis por 60% do PIB da região.

Duas pessoas em pé ao lado de uma mesa, com documentos nas mãos, diante de bandeiras da China e da Colômbia
Chanceler colombiana Laura Sarabia assina, em maio de 2025, memorando de entendimento com a China para a entrada do país na Iniciativa Cinturão e Rota (Imagem: Juan Diego Cano / Presidencia de Colombia, PDM)

Recentemente, o Brasil, principal parceiro comercial da China na região, recebeu altos investimentos de empresas chinesas na produção de veículos elétricos e turbinas eólicas, em sua infraestrutura de rede elétrica e, de forma mais controversa, no setor de petróleo.

“Embora o Brasil não faça parte formalmente da Cinturão e Rota, estamos, de certa forma, muito dentro do espírito da iniciativa”, disse Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China. “Há bastante tempo recebemos investimentos na área de infraestrutura, principalmente energética, mas também em portos, armazéns e logística”.

Além dos investimentos e obras ligados à BRI, analistas enfatizaram o comércio como principal motor das relações entre China e América Latina.

Em 2024, esse comércio somou US$ 518 bilhões, segundo o Ministério do Comércio da China. Isso coloca a China como o segundo maior parceiro comercial da América Latina e o maior da América do Sul.

“A América Latina segue como uma prioridade estratégica para a China, ainda que pelos mesmos motivos que chamaram a atenção do país no início dos anos 2000”, afirmou Myers. A região, ela acrescentou, “desempenha um papel central na segurança alimentar e energética da China”.

Myers lembra que a região é a principal fornecedora de produtos agrícolas, minerais que viabilizaram o amplo desenvolvimento da infraestrutura doméstica chinesa e que agora impulsionam suas indústrias de alta tecnologia.

A América do Sul exporta grandes volumes de soja, cobre, lítio, minério de ferro e petróleo para sustentar a economia industrial da China, enquanto importa máquinas, eletrônicos e, cada vez mais, veículos elétricos e tecnologias verdes. Países como Brasil, Chile e Peru tornaram-se profundamente integrados às cadeias de valor chinesas.

No entanto, D’Sola manifestou frustração com essa relação, que, segundo ele, reforça a dependência da exportação de matérias-primas. “Em vez de atuar como agente de diversificação produtiva, a China tem atuado como agente de ‘reprimarização’, repetindo a dinâmica econômica histórica da região de exportar produtos primários”.

A reprimarização acontece quando uma economia retorna à dependência da extração de recursos, após ter se diversificado para manufatura ou serviços. Segundo D’Sola, esse padrão tem servido aos interesses comerciais da China e reforça seu papel como compradora de commodities, e não como uma investidora capaz de promover transformação local.

Essas declarações refletem a crescente demanda de países como Chile, Brasil e Argentina por apoio de seus parceiros comerciais para agregar valor às matérias-primas e ajudá-los a avançar nas cadeias de valor.

Novas áreas de foco

Uma parcela crescente da relação chinesa com a América Latina está em novos setores, como veículos elétricos, minerais críticos e energia renovável. Muitas vezes, esses projetos são liderados por empresas privadas e não mais pelas estatais que dominavam os contratos no início da era da BRI.

O setor de veículos elétricos é um exemplo claro. No Brasil, a chinesa BYD, maior fabricante mundial do segmento, iniciou a produção na Bahia, assumindo uma antiga fábrica da Ford para atender aos mercados doméstico e regional. A empresa também investe em infraestrutura, como estações de recarga e reciclagem de baterias, enquanto GWM e Chery instalam fábricas no país.

Já a Costa Rica, líder regional na adoção de veículos elétricos, atrai crescente interesse de exportadores chineses de peças e equipamentos, impulsionada por políticas pioneiras de mobilidade limpa.

Ao mesmo tempo, a China se mostra interessada no papel da América Latina como fornecedora global de minerais essenciais — como lítio, cobre e terras raras. Chile e Argentina, junto com a Bolívia, formam o chamado “Triângulo do Lítio”, onde empresas chinesas como Tianqi Lithium e Ganfeng Lithium ampliaram sua presença nos últimos anos. No Peru, companhias chinesas seguem investindo pesado na mineração de cobre, enquanto, no Brasil, cresce o interesse por lítio e níquel.

No setor de energias renováveis, o impulso atual vem de empresas privadas que buscam joint ventures e aquisições. No Brasil, por exemplo, a fabricante chinesa de turbinas eólicas Goldwind investe na produção local para atender ao consolidado mercado interno e apoiar sua expansão na América do Sul.

Mesmo que os investimentos da BRI na América Latina tenham caído, a relação entre China e América Latina continua promissora
Tulio Cariello, diretor de conteúdo e pesquisa do Conselho Empresarial Brasil-China

Ray alertou que, embora a região tenha registrado anúncios de grande porte nos últimos anos, como a inauguração do porto de Chancay, também enfrentou contratempos — entre eles, a intenção da BYD e da gigante de metais Tsingshan de interromper usinas de lítio no Chile.

“Esse tipo de projeto emblemático é inevitavelmente vulnerável a mudanças no cenário de mercado e, por isso, observadores devem ter cautela ao interpretar anúncios de novos empreendimentos feitos por governos e empresas”, afirmou.

No plano diplomático, a escala e a relevância das relações ficaram evidentes na cúpula entre a China e os países da América Latina e do Caribe realizada em maio em Beijing. Além de propor maior cooperação em energia limpa, inteligência artificial e economia digital, o presidente Xi anunciou durante o encontro US$ 10 bilhões em créditos para a região.

“Mesmo que os números de investimentos na América Latina [no âmbito da BRI] tenham caído, é interessante ter em mente que a relação entre China e América Latina continua promissora. Existe uma complementaridade muito forte”, afirmou Cariello.

“Está claro que o investimento chinês na região não está diminuindo, mas se direcionando para novas áreas de destaque”, concluiu Myers.

Flávia Milhorance colaborou com a reportagem.

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