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Fórum China-Celac defende multilateralismo diante de tensões globais

No encontro em Beijing, líderes latino-americanos buscaram novas frentes econômicas reforçando laços com a China
<p><span style="font-weight: 400;">Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Gustavo Petro (Colômbia) e Xi Jinping (China) se cumprimentam no Fórum China-Celac, em Beijing, em 12 de maio. Em uma declaração conjunta, países da América Latina e do Caribe se comprometeram a manter vivo o espírito do multilateralismo (Imagem: </span><a href="https://flic.kr/p/2r4p52D"><span style="font-weight: 400;">Juan Diego Cano</span></a><span style="font-weight: 400;"> / </span><a href="https://www.flickr.com/people/197399771@N06/"><span style="font-weight: 400;">Presidência da República da Colômbia</span></a><span style="font-weight: 400;">, </span><a href="https://creativecommons.org/publicdomain/mark/1.0/deed.pt-br"><span style="font-weight: 400;">PDM</span></a><span style="font-weight: 400;">)</span></p>

Presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Gustavo Petro (Colômbia) e Xi Jinping (China) se cumprimentam no Fórum China-Celac, em Beijing, em 12 de maio. Em uma declaração conjunta, países da América Latina e do Caribe se comprometeram a manter vivo o espírito do multilateralismo (Imagem: Juan Diego Cano / Presidência da República da Colômbia, PDM)

Os representantes da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) reuniram-se em Beijing nesta terça-feira (13) para o quarto fórum ministerial China-Celac. Na cerimônia de abertura, o presidente chinês Xi Jinping destacou o início de um novo capítulo nessas relações. Já os líderes latino-americanos reforçaram a necessidade de um mundo mais equilibrado e multipolar, classificando a parceria do bloco com a China como um caminho para alcançar mais autonomia em discussões globais. 

O fórum foi criado em 2014 para promover parcerias inter-regionais. Os eventos anteriores deixaram planos de cooperação conjunta, englobando áreas que vão do desenvolvimento sustentável a parcerias culturais. 

Embora oficialmente fosse uma reunião ministerial, a cúpula de terça-feira contou com a presença de vários chefes de Estado: Gustavo Petro, da Colômbia, Gabriel Boric, do Chile, e Luiz Inácio Lula da Silva, do Brasil, viajaram a Beijing para a cerimônia.

Na ocasião, o presidente chinês anunciou uma nova linha de crédito de 66 bilhões de yuans (cerca de R$ 50 bilhões) para apoiar o desenvolvimento dos países da Celac. Apesar disso, o valor representa pouco menos da metade do que foi prometido na edição de 2015.

“Embora a China e a região latino-americana e caribenha estejam geograficamente distantes, os laços de nossa amizade datam de muitos séculos”, disse Xi. “Juntos, a China e a América Latina e o Caribe defendem o verdadeiro multilateralismo, defendem a equidade e a justiça internacionais, avançam na reforma da governança global e promovem a multipolaridade global e relações internacionais mais democráticas”.

Xi acrescentou que a China e a América Latina devem expandir a cooperação em energia limpa, inteligência artificial e economia digital. O presidente sinalizou que a China aumentará as importações de “produtos de qualidade” da América Latina e que as empresas chinesas serão incentivadas a expandir os investimentos na região.

Boric, do Chile, afirmou que este é o momento de “dar um salto qualitativo nos laços econômicos com a China”. Na presidência rotativa da Celac, a Colômbia de Petro propôs a instalação de um cabo de fibra óptica para conectar a Ásia com a América Latina. Já o presidente Lula defendeu um comércio mais forte com a China e uma cooperação mais profunda na transição energética. Ele também defendeu o multilateralismo: “O apoio chinês é fundamental para que rodovias, ferrovias, portos e linhas de transmissão saiam do papel”, destacou o brasileiro.

Em uma declaração conjunta de 28 pontos publicada no final de terça-feira, o Fórum China-Celac destacou seu compromisso com o multilateralismo e a cooperação internacional, bem como com o “fortalecimento dos mecanismos de combate às mudanças climáticas”.

Cúpula em plena guerra comercial

O Fórum China-Celac ocorre em um contexto de recrudescimento da guerra comercial e tarifária entre os Estados Unidos e a China. Na segunda-feira, os dois países concordaram em reverter os níveis mais hostis de tarifas mútuas, que vinham aumentando desde janeiro por iniciativa do presidente dos EUA, Donald Trump. Na terça-feira, os americanos reduziram suas tarifas sobre as importações chinesas de 145% para 30%, enquanto a China concordou com uma redução de 125% para 10%. Esse cessar-fogo tarifário será revisto em 90 dias.

O conflito comercial EUA-China colocou a América Latina em uma posição complicada. Embora Trump tenha aliados próximos na região, como o presidente da Argentina, Javier Milei, e o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, outros líderes da região buscam diversificar suas parcerias. Na segunda-feira, foi a vez de Petro oficializar a adesão da Colômbia à Iniciativa Cinturão e Rota da China (BRI), o programa global de investimentos em infraestrutura promovido pelo país asiático.

A BRI cresceu consideravelmente na região na última década, e a Colômbia será o 23º país da Celac a aderir à iniciativa.

Iniciativa Cinturão e Rota

Anunciada pela primeira vez por Xi Jinping em 2013, a Iniciativa Cinturão e Rota da China é um programa global de desenvolvimento e investimento em infraestrutura para impulsionar o comércio e o crescimento econômico. 

“Cinturão” refere-se ao Cinturão Econômico da Rota da Seda — vias terrestres que ligavam a China à Europa por meio da Ásia Central e do Oriente Médio. Já a “Rota” diz respeito à Rota da Seda marítima do século 21 — trajeto marítimo que liga a costa sul da China ao Mediterrâneo por meio da África Oriental.

Entre os projetos financiados pela iniciativa, há rodovias, portos, usinas elétricas e instalações industriais.

O Dialogue Earth conversou com Francisco Urdinez, diretor do Núcleo Milênio Impactos da China na América Latina. Ele explicou que o principal objetivo do evento foi “mostrar ao mundo que o multilateralismo ainda existe e que o livre comércio ainda é possível”. 

Rebecca Ray, pesquisadora sênior do Centro de Políticas de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston, teve uma avaliação parecida: “Com barreiras comerciais por toda parte, este é um momento importante para nos reunirmos e reafirmarmos o compromisso com o multilateralismo. A região está buscando relações pragmáticas, abertas e não discriminatórias com o mundo para atingir seus objetivos”.

Durante sua visita à Muralha da China, o presidente colombiano Gustavo Petro escreveu uma mensagem elogiando o povo chinês e a Revolução de 1949 liderada por Mao Tsé-Tung
Durante sua visita à Muralha da China, o presidente colombiano Gustavo Petro escreveu uma mensagem elogiando o povo chinês e a Revolução de 1949 liderada por Mao Tsé-Tung. Bogotá deu um passo importante na aproximação com Beijing após a adesão à Iniciativa Cinturão e Rota, distanciando-se da parceria de décadas com Washington (Imagem: Juan Diego Cano / Presidência da República da Colômbia, PDM)

Outros investimentos

Para Parsifal D’Sola Alvarado, diretor-executivo do Centro Latino-Americano de Pesquisa Chinesa da Fundação Andrés Bello, os pontos altos da cúpula foram os encontros bilaterais que os líderes do Brasil, Colômbia e Chile tiveram com a China. “Já o resto foram declarações de governos e indefinições”, analisou Alvarado. 

Empresas chinesas também expressaram sua intenção de investir cerca de US$ 4,5 bilhões em vários setores da economia brasileira. Conforme a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil), isso deve incluir projetos de energia renovável, mineração, automóveis, alimentos, logística e saúde.

O Brasil, que tem a China como seu principal parceiro comercial, também publicou uma declaração conjunta na qual as duas nações concordaram em avançar na cooperação de projetos ligados ao meio ambiente, à transição energética e à ciência e tecnologia, entre outras áreas. 

Até agora, o Brasil escolheu não aderir à BRI. Ainda assim, o país deseja estreitar cada vez mais seus laços com a China: “O grande ponto para o Brasil são os investimentos alinhados com o Novo Programa de Aceleração do Crescimento”, explicou o pesquisador Maurício Santoro, colaborador do Centro de Estudos Político-Estratégicos da Marinha. “Nos últimos anos, temos visto uma diversificação dos investimentos chineses no Brasil, a exemplo do setor de veículos elétricos. Grandes montadoras como BYD e Great Wall Motors estão construindo fábricas no país”, acrescentou. 

Santoro também observou que há uma grande expectativa sobre o papel da China na expansão da malha ferroviária brasileira, com projetos como a Ferrogrão.

No Fórum Empresarial Chile-China, também realizado em Beijing nesta semana, o presidente Boric elogiou as iniciativas de multilateralismo e livre comércio. Os dois países mostraram-se dispostos a buscar soluções conjuntas para os desafios da transição energética e da revolução digital, entre outras questões. 

Enquanto isso, a Nicarágua, que retomou as relações diplomáticas com a China em 2021, assinou quatro acordos com empresas chinesas à margem da cúpula, incluindo um acordo com a Yutong para a produção de veículos elétricos. Também foram fechados acordos sobre geração de energia hidrelétrica e mineração. 

Margaret Myers, diretora do Instituto para a América, a China e o Futuro das Relações Internacionais, da Universidade Johns Hopkins, observou que, embora a linha de crédito prometida pela China aos países da Celac seja menor em relação aos encontros anteriores, isso ainda representa um apoio significativo para a região — ainda mais diante da retirada do apoio financeiro de mecanismos como a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional e o lento avanço do programa Global Gateway da União Europeia.

“Se os bilhões da China se tornarão realidade ou não, isso dependerá de vários fatores”, disse Myers. “Entre eles, estão as perspectivas econômicas da própria China, a viabilidade financeira dos projetos e os interesses de países e locais específicos. Porém, a China parece estar interessada em um engajamento duradouro com a região”.