A disputa comercial entre Estados Unidos e China, marcada por tarifas de mais de 200% e retaliações mútuas, enfraquece a posição americana no mercado chinês. Esse cenário alimenta as expectativas do agronegócio brasileiro de ampliar as exportações, enquanto ambientalistas alertam para o maior risco de pressão sobre áreas de floresta.
Produtos como soja, milho, algodão, carne bovina e de frango têm maior potencial de crescimento de demanda imediata, dizem especialistas. Com posição já consolidada nesses mercados, o Brasil tem uma vantagem competitiva, especialmente diante da possibilidade da safra recorde de grãos no país em 2025.
“O crescimento pode ser significativo no curto prazo”, afirmou ao Dialogue Earth Camila Amigo, analista internacional do Conselho Empresarial Brasil-China. “Isso já aconteceu em momentos anteriores da guerra comercial, principalmente entre 2018 e 2019”.
Na época, o primeiro governo do americano Donald Trump aumentou tarifas sobre vários países, especialmente a China, que também respondeu com retaliações. O confronto afetou as cadeias globais de produção e, segundo o Departamento de Agricultura dos EUA, o Brasil se beneficiou ao assumir a maior parte do mercado da soja americana na China.
Além disso, o aumento da demanda externa pode encarecer a alimentação brasileira, em um contexto em que o preço dos alimentos sobe mais rápido do que a inflação geral desde a pandemia de Covid-19. A infraestrutura logística brasileira para escoamento de grãos, como seus portos, estradas, ferrovias, também já apresenta gargalos e pode enfrentar congestionamento com o aumento das exportações, elevando os custos de frete.
Ademais, historicamente, picos na demanda externa por commodities agrícolas brasileiras levaram ao aumento também do desmatamento, principalmente no Cerrado e na Amazônia, segundo Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). “Se continuarem as condições atuais, se houver mais demanda, tenderia a novamente haver mais desmatamento”, afirmou ele.
Estudos e analistas sugerem, por exemplo, que o desmatamento da Amazônia saltou entre 1995 e 2004, acompanhando a crescente demanda internacional por carne bovina e soja. Em consequência, as áreas agrícolas e a população bovina do país se expandiram.
Brasil com liderança consolidada
As tensões entre China e Estados Unidos tiveram início no primeiro governo Trump, em 2017. O conflito atingiu seu auge em 2018, com a imposição mútua de tarifas. Naquele ano, em resposta às medidas norte-americanas, a China aplicou uma taxa de 25% sobre 106 produtos importados dos EUA.
Em 2020, a disputa foi congelada com a assinatura de um acordo comercial parcial, seguido por uma mudança de foco político com a chegada de Joe Biden à presidência em 2021. Ainda assim, as tarifas nunca foram formalmente suspensas. O retorno de Trump à presidência em 2025 reacendeu o conflito em uma nova escala.
Entre 2020 e 2024, os Estados Unidos chegaram a recuperar parte das exportações de soja e carne para a China. No entanto, o Brasil aproveitou a lacuna deixada durante o auge da guerra comercial e consolidou sua liderança no mercado chinês nesse período.
Em 2018, o Brasil ultrapassou os EUA e se tornou o maior exportador de produtos agropecuários para a China, com um total de US$ 37 bilhões embarcados, segundo estudo publicado em fevereiro de 2025 pelo Insper Agro Global, instituto de pesquisa agropecuária.
Embora outros fatores possam influenciar, os embarques de carne e soja brasileiras à China cresceram expressivamente entre 2016 — antes das disputas do governo Trump — e 2024, de acordo com dados do comércio exterior do governo brasileiro. As exportações de carne bovina para o país asiático aumentaram oito vezes, passando de 165 mil para 1,32 milhão de toneladas. Já as vendas de soja aumentaram 88% no mesmo período.
Dessa vez, analistas acreditam que o crescimento das exportações brasileiras diante das novas tarifas não seja tão grande. “O Brasil já tem uma posição consolidada no mercado chinês, e por isso os impactos para o Brasil dessa guerra comercial não terão a mesma dimensão do que aconteceu no primeiro governo Trump”, afirmou Camila Amigo.
A instabilidade geopolítica adiciona um fator de incerteza ao cenário. Ninguém sabe por quanto tempo a guerra comercial irá se prolongar, embora os EUA venham acirrando sua pressão, e a China sinalize que não vai esmorecer. Mesmo assim, representantes do setor agropecuário brasileiro acreditam que a vantagem vai durar muito pouco.
“A vantagem comparativa é de curtíssimo prazo, não vai se prolongar no médio e longo prazo. Não podemos achar que vamos tirar o mercado dos Estados Unidos na China; isso não vai acontecer”, afirmou Ingo Plöger, vice-presidente da Associação Brasileira do Agronegócio. “A China sabe onde pode atingir os Estados Unidos e já está agindo nesse sentido, e os Estados Unidos também sabem onde estão limitando a China. Os países vão acabar sentando para negociar e chegarão a um acordo”.
Maior demanda pede mais pastagens
Cerca de 90% do desmatamento na Amazônia brasileira ocorre para abrir pastagens, segundo o Imazon. Embora 70% da carne bovina produzida no país seja destinada ao mercado interno, o aumento repentino da demanda de carne bovina eleva o risco sobretudo de pequenos e médios produtores expandirem suas áreas de forma irregular, segundo Niklas Weins, professor-assistente no Departamento de Estudos Internacionais da Universidade Xi’an Jiaotong-Liverpool.
“A expansão da fronteira agrícola muitas vezes é conectada à violência e invasão de terras indígenas ou quilombolas”, disse Weins.
Hoje, o Brasil exporta para a China carne de bois com menos de 30 meses, mais macia e com rigoroso controle sanitário — o chamado “boi-China”. No entanto, as exigências rígidas do país não incluem critérios ambientais, ou seja, não impedem que o boi seja criado em áreas de desmatamento ilegal.
Além disso, a forte demanda chinesa por carne bovina pressiona o mercado brasileiro ao elevar preços, incentivar a expansão pecuária, o aumento do abate precoce e, em muitos casos, o avanço do gado sobre áreas de floresta.
“A demanda adicional empurra parte das pessoas a desmatar”, afirmou Barreto. “Mesmo que não estejam exportando para a China, as pessoas passam a desmatar para atender à demanda interna”.
Niklas Weins destaca que o enfraquecimento da moeda brasileira torna suas exportações ainda mais competitivas. Na semana seguinte ao anúncio do “tarifaço” de Trump sobre cerca de 90 parceiros comerciais, em 2 de abril, os mercados reagiram com a disparada do dólar e a queda generalizada de outras moedas. O real teve a terceira maior desvalorização no mundo, de 5,1% nos primeiros dias do mês. “Provavelmente isso terá efeitos diretos nos preços dos alimentos”, acrescentou ele.
Luz e perigo no fim do túnel
Por outro lado, as políticas públicas voltadas à expansão agrícola sustentável também vêm ganhando força, segundo Nathália Teles, que trabalha com monitoramento de pastagens do Brasil no Laboratório de Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento da Universidade Federal de Goiás. Ela cita o Plano ABC+ e o Programa Nacional de Conversão de Pastagens Degradadas, além do uso de tecnologias de monitoramento, como caminhos para incentivar a produção sobre áreas já abertas e subutilizadas.
“O desmatamento é cada vez menos viável economicamente. Há uma maior fiscalização e restrições legais, além de um alto custo ambiental e climático”, disse Teles.
No entanto, persistem lacunas institucionais que ampliam a vulnerabilidade da Amazônia ao desmatamento, disse Paulo Barreto. Entre elas estão a falta de destinação de terras públicas — que favorece ocupações ilegais e especulação —, a ausência de um sistema eficaz de rastreamento do gado e a atuação inconsistente do poder público.
O governo federal tem adiado medidas cruciais, como a regulamentação do rastreamento e a proteção de florestas públicas não destinadas. Além disso, políticas de crédito rural permitem que os recursos financiem produtores ligados ao desmatamento. Até mesmo instituições como o BNDES, acionista de grandes frigoríficos como a JBS, têm se omitido no controle de riscos ambientais, afirmou Barreto. Procurado pelo Dialogue Earth, o Ministério da Agricultura não se posicionou.
Barreto diz que as falhas nas políticas públicas e a falta de exigências de que o boi-China seja rastreável impulsionam o desmatamento. Isso, no entanto, tem solução, disse ele: “Se a China mudar, acrescentar uma demanda ambiental às exigências do boi-China, isso poderia ter efeitos positivos, de estimular um uso mais sustentável das pastagens sem precisar desmatar”.