Energia

Chile avança na substituição da frota por veículos elétricos

Apoiado por políticas públicas e importações chinesas, o Chile lidera a transição para um transporte mais limpo na América Latina enquanto enfrenta desafios para zerar emissões do setor
<p>Frota de ônibus elétricos em Santiago é a maior de qualquer cidade fora da China. Mais de três mil ônibus em circulação na capital chilena são de fabricantes chinesas como BYD, Foton, Zhongtong e Yutong, segundo o Ministério dos Transportes (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/Q2VS8r">Município de Santiago</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/munistgo">Flickr</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.0/deed.pt-br">CC BY NC</a>)</p>

Frota de ônibus elétricos em Santiago é a maior de qualquer cidade fora da China. Mais de três mil ônibus em circulação na capital chilena são de fabricantes chinesas como BYD, Foton, Zhongtong e Yutong, segundo o Ministério dos Transportes (Imagem: Município de Santiago / Flickr, CC BY NC)

O Chile está na vanguarda dos veículos elétricos na América Latina.

Hoje, boa parte da população da capital, Santiago, usa o transporte público movido a energia elétrica. Isso é resultado de uma iniciativa estatal de descarbonização, financiada por capital privado e tecnologia de parceiros estrangeiros.

“O Chile é líder em eletromobilidade na América Latina, e o crescimento do setor se acelerou”, afirmou María Isabel González, diretora-geral da Energética, consultoria chilena de energia. Em entrevista ao Dialogue Earth, ela disse que o setor de veículos elétricos no país cresceu 183% em 2024; já o primeiro trimestre de 2025 viu um crescimento de 126% em relação ao mesmo período do ano passado.

O Chile tem como meta eletrificar sua rede de transporte público urbano, zerando essas emissões até 2040. Incluindo os demais setores, o país busca atingir a neutralidade de carbono até 2050.

“O Chile assumiu um compromisso sério com a sustentabilidade, concretizado por meio de políticas públicas que promovem tanto a sustentabilidade energética quanto a eletromobilidade”, afirmou Jorge Daza, subsecretário do Ministério dos Transportes do país.

Como parte dos esforços para atingir essas metas ambiciosas, o Chile lançou em 2021 sua estratégia nacional de eletromobilidade. Até 2035, o objetivo é zerar as emissões nas vendas de novos veículos leves e médios, além do transporte público que trafega dentro das cidades, incluindo ônibus e táxis. 

Até 2045, a estratégia prevê a eletrificação dos novos ônibus interurbanos e caminhões para o transporte de carga pesada. Já as vendas de maquinário para mineração, agricultura e construção devem zerar emissões até 2040.

Atualmente, o governo oferece incentivos fiscais para o setor. Os veículos elétricos no Chile estão isentos do “imposto verde”, tributo sobre a compra de automóveis novos. Os proprietários de veículos elétricos, híbridos ou qualquer modelo considerado “zero emissões” têm acesso a grandes descontos nas taxas de registro dos veículos — esse benefício, porém, deve ser reduzido progressivamente até o fim da década. 

Recentemente, o Senado do Chile aprovou um projeto de lei que permitirá a conversão de motores a combustão para elétricos, incluindo dispositivos sobre a certificação de veículos e licenciamento de oficinas especializadas.

Daza mostrou-se otimista em relação ao progresso do Chile para atingir suas metas. “Para alcançar esses objetivos, é essencial continuar buscando políticas públicas que promovam a mobilidade sustentável no Chile”, afirmou. “A eletromobilidade nos apresenta uma oportunidade de avançar no desenvolvimento de sistemas de transporte mais eficientes, seguros e sustentáveis, gerando bem-estar para as pessoas e desenvolvimento para suas comunidades”.

Chinesas impulsionam eletromobilidade

O Chile tem uma década de prazo para atingir suas metas de emissões no transporte público e nas vendas de veículos leves e médios. Até agora, o país tem avançado rapidamente, e as marcas chinesas estão no centro dessa ambiciosa transição. Mas não está claro como o resultado das próximas eleições gerais, com o primeiro turno marcado para 16 de novembro, pode influenciar no ritmo de eletrificação do transporte chileno e na participação das montadoras chinesas.

Santiago, onde vivem 40% dos chilenos, tem a maior frota de ônibus elétricos em qualquer cidade fora da China, segundo a Direção de Transporte Público Metropolitano da capital. São mais de três mil veículos em circulação, produzidos por fabricantes chinesas como BYD, Foton, Zhongtong e Yutong, de acordo com dados do Ministério dos Transportes.

A BYD também vendeu ônibus elétricos de dois andares equipados com wi-fi, entrada para cabos USB e ar-condicionado.

Quando o atual governo deixar o cargo em março de 2026, acrescentou Daza, haverá 4,4 mil ônibus elétricos nas ruas de Santiago – o equivalente a 68% da frota.

Mas há espaço para melhorias. “É essencial avançar também na eletrificação da mineração, que responde por grande parte do consumo nacional de energia”, afirmou Javier Pereda, professor associado do departamento de engenharia elétrica da Pontifícia Universidade Católica do Chile. 

Pereda explica que, na mineração a céu aberto, quase metade da energia consumida vem do diesel usado por caminhões, enquanto que, nas operações subterrâneas, há um gasto elevado de energia nos sistemas de ventilação, que precisam controlar a poluição dos equipamentos a diesel. “Esses setores representam uma oportunidade enorme para expandir a eletromobilidade industrial”, disse.  

Desde 2023, a mineradora SQM usa um caminhão elétrico para transportar cargas de sua fábrica de lítio em Antofagasta, no norte do Chile, até o porto de Tocopilla. A empresa espera adicionar mais veículos elétricos à sua frota no futuro.

O progresso da eletromobilidade no Chile está fortemente ligado à participação chinesa no setor. A Zhongtong, por exemplo, venceu recentemente uma licitação para fornecer 895 ônibus com emissão zero – a maior compra pública desse tipo no Chile até o momento. 

Várias linhas do metrô de Santiago também são eletrificadas, embora a realidade seja diferente em outras cidades. Recentemente, foram criadas linhas intermunicipais de trens elétricos, e uma delas percorre 85 quilômetros entre Santiago e a cidade de Rancagua, no sul. Já as cidades de Arica, na fronteira norte do país, e Concepción, Temuco e Puerto Montt, no sul, têm juntas 216 ônibus elétricos, conforme dados do Ministério dos Transportes.

linha de trem em Santiago, com montanha ao fundo
Várias linhas do metrô de Santiago são eletrificadas, e algumas linhas intermunicipais de trens elétricos foram lançadas nos últimos anos (Imagem: Cristian Villalobos / Alamy)

Essa frota de ônibus elétricos fora de Santiago deve chegar a 360 antes do final do ano, com ônibus elétricos nas ruas de Ovalle, Villarrica, Lota e Osorno, de acordo com Daza. O subsecretário afirmou que o custo dos ônibus elétricos diminuiu 40% nos últimos cinco anos.

Em outubro, a cidade de Copiapó, no norte do país, tornou-se a primeira da América do Sul a operar um sistema de transporte público totalmente elétrico, após a aquisição de 121 ônibus elétricos fabricados na China.

Veículos elétricos particulares

Junto ao impulso para a eletrificação do transporte público, a adoção de veículos elétricos particulares tem avançado de forma constante. 

Em setembro deste ano, as vendas de veículos elétricos e híbridos representaram 10,5% do comércio de novos veículos particulares leves e médios no país, conforme dados da Associação Nacional Automotiva do Chile.

“Calculo que o Chile possa alcançar suas metas, uma vez que os consumidores já estão entendendo os benefícios ambientais e econômicos dos veículos elétricos”, disse González, da consultoria Energética. 

Já a entidade setorial responsável pelos dados de vendas traz um parecer diferente: em seu relatório de setembro, a associação argumenta que as metas de adoção de veículos elétricos do Chile não serão alcançáveis, a menos que o país melhore a infraestrutura elétrica e revise suas políticas tributárias.

De 2024 a maio de 2025, o Ministério dos Transportes informou que 35% dos novos modelos elétricos e híbridos autorizados para venda no Chile são chineses. A BYD domina o mercado plug-in, e o Shark GS foi o híbrido plug-in mais vendido no Chile em setembro, segundo a associação chilena.

González afirmou que, “sem dúvidas”, a alta de preços no setor automotivo é um fator importante para a adoção de carros elétricos, permitindo que a tecnologia chinesa, que tem preços competitivos, penetre no mercado. Daza também enfatizou a importância dos fabricantes chineses para o setor. 

“Em vez de um domínio absoluto, as marcas chinesas alcançaram uma presença cada vez mais competitiva graças à sua capacidade de oferecer veículos elétricos com boa autonomia, equipamentos e preços mais baixos do que as marcas europeias, asiáticas ou norte-americanas”, acrescentou Javier Pereda, da Pontifícia Universidade Católica do Chile.

Funcionário da BYD dirige táxi elétrico
Funcionário da BYD dirige táxi elétrico em evento de lançamento da marca em Santiago, 2015. A estratégia nacional de eletromobilidade do Chile espera que todos os novos veículos leves e médios, além do transporte público urbano, tenham zero emissões até 2035 (Imagem: Mara Daruich / Município de Santiago, CC BY NC)

Caminho a seguir

Um dos gargalos para o transporte elétrico no Chile é a falta de estações de recarga ao longo do extenso território do país. Atualmente, há 1.749 pontos de recarga públicos, de acordo com o Ministério dos Transportes. Porém, a maioria desses pontos está concentrada em Santiago e arredores. 

Também há um esforço para aumentar a potência desses carregadores – que quase dobrou desde o ano passado – para acelerar o carregamento. Enquanto isso, o Ministério da Energia desenvolveu o aplicativo EcoCarga, que fornece informações sobre a localização e a capacidade dos pontos de recarga públicos.

A posição do Chile como produtor e exportador de lítio – componente vital para as baterias dos veículos elétricos – também gera debates sobre as oportunidades e os desafios de sua eletrificação. Em 2021, estimava-se que o país detinha 44% das reservas conhecidas de lítio do planeta. Agora, novos estudos divulgados em abril pelo órgão estatal de mineração sugerem que o Chile possui ainda mais reservas. 

A Agência Internacional de Energia estima que a demanda global por lítio pode aumentar mais de 40 vezes até 2040, mas o Chile ainda não consegue agregar valor à matéria-prima que exporta.

A China é o maior cliente de lítio do Chile, com 71% das exportações de 2024. Ao mesmo tempo, o país asiático é o principal vendedor dos veículos elétricos importados pela nação sul-americana.

Para González, seria “tecnicamente possível” que o Chile fabricasse seus próprios veículos elétricos, mas o tamanho do mercado interno acabaria dificultando a competitividade dos veículos fabricados no país. O Chile nunca teve um setor automotivo pujante, e a maioria dos veículos são importados da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos, além dos gigantes automotivos da região, o Brasil e o México.

No entanto, há sinais de um futuro promissor na fabricação nacional. Uma parceria público-privada resultou no lançamento, no ano passado, de um ônibus movido a hidrogênio fabricado no Chile. O hidrogênio não libera emissões quando queimado, então esses ônibus poderiam ajudar o Chile a alcançar suas metas — mesmo que não sejam capazes de competir economicamente com a China.

“Do ponto de vista do setor privado, o desafio é continuar aumentando e diversificando a oferta de veículos elétricos particulares, juntamente com a infraestrutura de recarga”, disse Daza.

Pereda também se mostrou confiante no potencial da produção nacional: “Embora seja um desafio complexo, agregar valor localmente é viável, e o Chile já tem exemplos concretos disso”.

Ele menciona a Reborn Electric Motors, primeira fábrica de ônibus elétricos da América Latina, com capacidade de produção de quase 200 unidades por ano, como o caso mais emblemático. “A empresa assinou recentemente um acordo com a Marcopolo, representando um marco na indústria nacional e regional”, comentou.

“Em vez de competir na fabricação em massa, o país pode se posicionar como desenvolvedor de soluções tecnológicas que integram eletrônica de potência, armazenamento, controle e gerenciamento inteligente de energia”, concluiu Pereda.

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