A Sigma Lithium costuma se dizer “honrada” com suas operações de lítio no norte de Minas Gerais.
A mineradora canadense afirma estar “na vanguarda da sustentabilidade socioambiental na cadeia de fornecimento de materiais para baterias de veículos elétricos”. A Sigma inicialmente chamou seu principal produto, extraído no norte do estado de Minas Gerais, de “lítio verde triplo zero”. Mais recentemente, foi renomeado a “quíntuplo zero”.
Esses múltiplos “zeros” referem-se às tecnologias com as quais a Sigma afirma estar estabelecendo “um novo padrão para a mineração ambientalmente sustentável”. Segundo a empresa, ela usa “zero água potável”, já que toda a água é tratada e recirculada; tem “zero barragens de rejeitos”, pois os resíduos são vendidos ou reaproveitados para pavimentação de estradas; usa “zero eletricidade intensiva em carbono”, porque toda a energia elétrica vem de fontes renováveis; e gera “zero produtos químicos tóxicos”, graças a um método chamado “separação por meio denso”. Esse posicionamento é fundamental para o marketing da mineradora, mas também faz parte de uma estratégia de negócios que lhe permitiu cobrar preços mais altos no mercado.
Há um quinto “zero” fundamental no marketing da Sigma: suas operações de mineração, segundo a empresa, são “zero carbono” ou “emissões líquidas de carbono zero”. Isso significa que a quantidade de gases de efeito estufa que ela libera na atmosfera é igual à quantidade que eliminou. Ela atingiu isso, em suas palavras, ao “reduzir efetivamente sua pegada de carbono com uma série de iniciativas pioneiras”, como compensações de carbono.
Em 26 de julho de 2023, a Sigma Lithium anunciou sua primeira exportação de 30 mil toneladas de lítio e subprodutos para a China — evento que contou com a presença do vice-presidente Geraldo Alckmin e do governador de Minas Gerais, Romeu Zema. Na ocasião, ela explicou que alcançou a neutralidade de carbono ao “compensar as emissões de carbono remanescentes de seu processo de produção”, considerando tanto as operações da mina quanto de sua planta de processamento. Para isso, ela comprou 59 mil créditos de carbono de um projeto no município de Lábrea, no Amazonas.
Esse projeto supostamente eliminaria a pegada de carbono das operações de mineração da mineradora canadense. No entanto, ele está há mais de um ano sob investigação das autoridades brasileiras por suspeitas de desmatamento ilegal, apropriação indevida de terras públicas, corrupção e outros crimes. O caso foi revelado pelo site Mongabay e, em junho de 2024, virou alvo da “Operação Greenwashing”, da Polícia Federal. As denúncias levaram à suspensão da certificação internacional do projeto de carbono.
Em nota enviada à reportagem, a Sigma Lithium afirmou que não utiliza créditos de carbono desde 2024, quando mudou sua estratégia de usar compensações ambientais para reduzir as emissões de sua própria produção: “A empresa reafirma seu compromisso com a mineração de baixíssimo impacto ambiental, baseada em inovação tecnológica, saúde, segurança e responsabilidade socioambiental, em linha com os objetivos globais de descarbonização”.
Esses são os achados de uma investigação jornalística realizada pela Repórter Brasil e pelo Centro Latino-Americano de Jornalismo Investigativo (CLIP), no âmbito do projeto “Lítio em Conflito”. A iniciativa reuniu dez veículos de comunicação da América Latina, incluindo o Dialogue Earth, para entender as controvérsias que cercam o negócio de lítio na região. A investigação tem o apoio da Rainforest Investigation Network, do Pulitzer Center.
Lítio verde no Brasil
As atenções no mercado de lítio tendem a se concentrar no chamado Triângulo do Lítio — região formada por Argentina, Bolívia e Chile, com as maiores reservas mundiais do mineral.
O Brasil está tentando entrar nesse mercado com reservas estimadas em 1,3 milhão de toneladas de lítio. O país ocupa o décimo lugar global em termos de depósitos de lítio economicamente ou tecnicamente viáveis. Ao contrário de seus vizinhos, cujo mineral é encontrado em poças de salmoura, o lítio brasileiro geralmente é encontrado em rochas vulcânicas.
Uma dessas empresas é a Sigma Lithium, mineradora canadense que opera há uma década no Vale do Jequitinhonha, no nordeste de Minas Gerais. Os principais ativos estão nos municípios de Itinga e Araçuaí: a mina Grota de Cirilo e a usina de processamento Greentech.
Em outubro de 2024, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social aprovou um financiamento de R$ 486,8 milhões para a implantação de uma nova unidade de processamento.
‘Produto premium com preço premium’
Em 26 de julho de 2023, a Sigma Lithium anunciou que havia embarcado sua primeira carga de lítio rumo à China: 15 mil toneladas de “lítio sustentável de alta pureza, próprio para baterias” e outras 15 mil toneladas de subprodutos, exportadas a partir do porto de Vitória, no Espírito Santo.
“Fomos fundados com a missão de produzir lítio ambientalmente sustentável, com as menores emissões de gases de efeito estufa possíveis”, disse a CEO da Sigma, Ana Cabral, na época.
Essa marca de sustentabilidade permitiu à Sigma vender seu lítio a um preço mais elevado: US$ 3,5 mil por tonelada de lítio e US$ 350 por tonelada de subprodutos. Um “produto premium com preço premium”, nas palavras da empresa.
O cliente da Sigma era a Yahua International Investment and Development, empresa de Hong Kong integrante do grupo chinês Yahua. Ela fornece hidróxido de lítio para fabricantes de veículos elétricos, como a Tesla nos Estados Unidos e a BYD na China.
Para cumprir sua promessa de alcançar a neutralidade de carbono em toda a sua cadeia de produção de lítio, a Sigma recorreu ao mercado voluntário de carbono. Ela comprou 59 mil créditos de carbono do projeto Unitor Redd+ para compensar o mesmo número de toneladas de CO₂ emitidas.
No papel, o negócio é vantajoso para ambas as partes. Os projetos do padrão Redd+, sigla para Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal, geralmente conectam comunidades ou proprietários que evitam o desmatamento a empresas que buscam compensar sua pegada de carbono. É um mecanismo de finanças climáticas para levar recursos do setor privado a quem está na linha de frente da conservação.
Para isso, a Sigma assinou um acordo com a Carbonext, uma das maiores empresas do mercado brasileiro de carbono. A mineradora enfatizou que “os créditos de carbono gerados pela Carbonext e seus parceiros são de alta qualidade e integridade”. Janaína Dallan, presidente da Carbonext, destacou que “projetos como os apoiados pela Sigma protegem mais de dois milhões de hectares no bioma amazônico com constante monitoramento local e via satélite para garantir a alta integridade e qualidade dos projetos de conservação florestal”. De acordo com a Sigma, graças a esse acordo, a empresa “zerou com sucesso as emissões líquidas de carbono” em seu primeiro carregamento de lítio.
A Sigma não é a única empresa de mineração a tentar emplacar uma imagem de organização sustentável.
“Ter um discurso sobre sustentabilidade se tornou cada vez mais vantajoso economicamente. Muitas empresas fazem isso não apenas para acalmar a sociedade civil ou os órgãos reguladores, mas porque surgiu uma espécie de mercado paralelo para o ‘lítio verde’, o ‘cobalto verde’ ou o ‘níquel verde’”, disse a pesquisadora Thea Riofrancos, autora do livro Extraction: The Frontiers of Green Capitalism (“Extração: as fronteiras do capitalismo verde”, sem edição em português), publicado recentemente.
Projeto de carbono ‘escondia’ desmatamento
O projeto de carbono escolhido pela Sigma tinha um problema grave que viria à tona quase um ano depois.
Em 28 de agosto de 2023, a Sigma Mineração – uma das duas subsidiárias brasileiras da Sigma – usou 59 mil créditos do projeto Unitor REDD+ para compensar suas emissões de carbono. Isso é o que consta no registro de transações da certificadora americana Verra, que validou a operação.
A iniciativa escolhida envolve 15 fazendas em Lábrea, no Amazonas, numa região próxima à fronteira com a Bolívia. Conforme um documento do próprio projeto, esse município teve a quarta maior taxa de desmatamento do Brasil entre 2008 e 2020. Ao ingressar no projeto, essas propriedades privadas — que juntas somavam 99.035 hectares — prometiam impedir o desmatamento e a venda de madeira ilegal.
O projeto tinha dois proponentes: a Carbonext e a empresa agropecuária Ituxi, proprietária de uma das fazendas. A face visível da iniciativa ambiental era o empresário Ricardo Stoppe Junior, médico de São Paulo e dono do grupo Ituxi, conhecido como um dos maiores vendedores individuais de créditos de carbono do Brasil.
Validado pela auditora espanhola Aenor e certificado pela Verra em maio de 2022, o projeto Unitor vendeu seus primeiros créditos naquele mesmo ano.
Mas havia um problema: em maio de 2024, descobriu-se que o Unitor e outro projeto chamado Fortaleza Ituxi, ambos ligados a Ricardo Stoppe Junior, apresentavam inconsistências entre o volume de madeira declarado às autoridades e o montante realmente derrubado, segundo informações de satélite. As imagens foram analisadas pelo Centro de Análise de Crimes Climáticos para uma investigação jornalística da Mongabay, como parte do projeto colaborativo Opaque Carbon, liderado pelo CLIP.
A discrepância encontrada nas imagens sugeria irregularidades no manejo de madeira. O Grupo Ituxi, empresa responsável por ambos os projetos, negou à Mongabay qualquer conexão com as suspeitas e afirmou que todas as suas iniciativas são auditadas e certificadas.
Duas semanas após a publicação da reportagem, a Polícia Federal deflagrou a Operação Greenwashing contra os responsáveis pelos projetos de carbono, analisando possíveis vínculos com um esquema de grilagem de terras e desmatamento ilegal. Neste ano, a Polícia Federal concluiu as investigações e indiciou Stoppe Junior e outras 30 pessoas por grilagem de terras públicas para geração de créditos de carbono, entre outros crimes, conforme revelou o jornal Folha de S.Paulo. Para a PF, havia uma organização criminosa em torno do esquema.
Stoppe chegou a ser preso em junho de 2024, mas está em liberdade provisória, com monitoramento eletrônico. O relatório final de investigação da PF está sob análise do Ministério Público Federal (MPF), que vai decidir se denuncia o caso à Justiça.
Uma semana depois, em 13 de junho de 2024, a Verra suspendeu os projetos “até que todas as conclusões sejam satisfatoriamente encerradas”. A Carbonext disse que havia escrito à Verra cinco dias antes para informá-la da operação policial e de sua decisão de “suspender qualquer venda, transferência, geração e emissão de créditos desses projetos até novo aviso das autoridades”.
Enquanto isso, a Sigma continuou vendendo seu “lítio verde quíntuplo zero” para outras empresas, descrevendo-o como um “modelo pioneiro no setor de mineração sustentável”.
Outras empresas que compraram créditos da Unitor incluem a auditoria PwC International, a petrolífera colombiana Ecopetrol, a petrolífera austríaca OMV, a empresa belga de chocolates Guylian e a concessionária do aeroporto de Belo Horizonte.
Brechas para o greenwashing
A Sigma Lithium não é responsável pelas possíveis irregularidades do projeto Unitor e, por enquanto, não está sendo publicamente investigada pela Polícia Federal. Porém, seu nome e status como compradora de créditos do projeto aparecem em pelo menos um documento de autoridades brasileiras.
“Há informações sobre grandes empresas e marcas globais usando esses créditos irregulares para parecerem sustentáveis para seu público consumidor”, destacou um parecer do MPF do Amazonas, que recomendou a suspensão dos projetos REDD+ no estado.
Mesmo com as revelações do último ano, a Sigma não mudou seu posicionamento em relação aos projetos de carbono contratados. Conforme mencionado em um relatório aos acionistas de 2025, as metas “ambiciosas” de zerar emissões líquidas da empresa são “calculadas como emissões menos créditos de carbono”.
Outro relatório de 2023 detalhou a estratégia da mineradora para zerar emissões líquidas. A Sigma assumiria a responsabilidade por todas as suas emissões em três frentes: emissões diretas, emissões do consumo de energia e emissões da cadeia de valor. Para este último ponto, ela propôs um planejamento em duas fases: a primeira em 2023, para incluir as emissões do transporte de seus produtos pelo trecho de 700 quilômetros até o porto de Vitória; e outra a partir de 2024, que incluiria suas emissões de transporte marítimo. Para o transporte, a empresa planejava usar biocombustíveis; já para as emissões residuais – aquelas que não poderiam ser reduzidas por outros métodos – seriam usados créditos de carbono.
Por se tratar de um mercado novo, não há regras claras sobre como devem proceder as empresas que percebem que os créditos adquiridos têm problemas socioambientais. No entanto, especialistas consultados pela Repórter Brasil e pelo CLIP concordam que as companhias têm o dever de transparência com clientes, investidores e cidadãos.
“Se for uma empresa séria, ao tomar conhecimento do caso, deveria informar investidores e clientes, avisar que vai desconsiderar os 59 mil créditos de carbono por não ter certeza de sua integridade e adquirir outros para assegurar a produção carbono zero”, disse Shigueo Watanabe Jr, pesquisador do Climainfo.
Outra pesquisadora ouvida pela reportagem, que se manifestou anonimamente por atuar no setor, concordou que as empresas deveriam atuar de forma pública e transparente. “Uma empresa que é parte interessada em um projeto envolvido em um escândalo por possíveis crimes ambientais deveria fazer algum tipo de notificação pública, além de indicar seu posicionamento e o que está fazendo para remediar a situação. É uma questão de reputação”, disse.
Questionada pela reportagem, a Carbonext afirmou que, assim que tomou conhecimento das investigações, rescindiu judicialmente os contratos de prestação de serviços para o desenvolvimento dos projetos de carbono investigados e notificou a Verra.
Como “a propriedade e a legalidade desses créditos podem ser afetadas”, a Carbonext explicou que decidiu suspender “qualquer venda, transferência, geração e emissão de créditos desses projetos até novo aviso das autoridades”.
A Carbonext não respondeu se notificou a suspensão do Unitor às empresas que utilizaram seus créditos, nem se recomenda algum procedimento aos compradores para substituir créditos suspeitos. De acordo com ela, “não houve problema de integridade ambiental” no projeto Unitor, porque “os trabalhos propostos pelo projeto foram implementados, auditados e seus resultados, comprovados, o que possibilitou a geração dos créditos de carbono”.
A certificadora Verra disse que não informa os usuários de créditos sobre a suspensão de um projeto, pois “não participa de transações de mercado” e não tem “uma relação direta com o ‘usuário final’”.
Pelo menos um dos acionistas da Sigma tem interesse declarado que seus investimentos sejam cada vez mais baixos em emissões de gases de efeito estufa: o Norges Bank Investment Management, que administra o Fundo de Pensões do governo da Noruega e, por meio dele, o maior fundo soberano de investimento do mundo.
Em seu site, a empresa norueguesa defende que todas as empresas de seu portfólio “se comprometam a alcançar a neutralidade de carbono até 2050 ou antes e alinhem suas atividades com os objetivos do Acordo de Paris”, estabelecendo “metas intermediárias de redução de emissões baseadas em dados científicos”. Entre os critérios ambientais para investimentos do fundo, que detinha 2,2% das ações da Sigma em março de 2025 e era seu quarto maior acionista individual, está o de “as empresas divulgarem informações climáticas de qualidade e relevantes”.
Consultado sobre se estava ciente dos possíveis problemas de integridade ambiental dos créditos de carbono usados pela Sigma para certificar sua neutralidade de carbono em 2023, o Norges Bank Investment Management disse que “não tem nenhum comentário”.
Entre a centena de acionistas da Sigma, encontram-se principalmente gestoras globais de investimentos e bancos de todo o mundo. A maior investidora, com 43% das ações, é a empresa brasileira A10 Investimentos Ltda, gestora representada legalmente pela presidente da Sigma, Ana Cabral, e controlada — conforme o relatório financeiro anual mais recente da mineradora — por Marcelo Freire da Paiva, copresidente do conselho de administração da Sigma.
O destino do lítio ‘quíntuplo zero’
A primeira cliente do lítio “carbono zero” da Sigma foi a Yahua International Investment and Development, subsidiária do chinês Yahua Group.
O grupo começou a atuar no setor de indústria química em 1952. Hoje os negócios se dividem entre a fabricação de explosivos civis e a cadeia produtiva do lítio — incluindo a exploração mineral, o processamento e a venda de produtos.
A empresa afirma desempenhar um “papel vital na cadeia de valor global da energia limpa”. Entre seus clientes, estão empresas de veículos elétricos e baterias, como Tesla, BYD e CATL, maior fabricante mundial de baterias.
Assim como seu fornecedor Sigma, a Yahua atribui grande importância à redução de emissões e tem “firmado uma série de compromissos para reduzir a pegada de carbono de seus produtos”, que descreve em seu último relatório de sustentabilidade como “verdes e com baixas emissões de carbono”.
A reportagem perguntou à Yahua se a Sigma Lithium a informou que a carga de 2023 havia sido compensada com créditos de carbono de um projeto investigado pela Polícia Federal. A Yahua não respondeu até a publicação do texto.
A fabricante de baterias CATL confirmou que o Yahua Group faz parte de sua cadeia de suprimentos, mas declarou que “os materiais fornecidos à CATL pela Yahua não provêm da Sigma Lithium”. A empresa acrescentou que realiza “rigorosos protocolos de devida diligência” com fornecedores, incluindo auditorias de terceiros, inspeções no local e monitoramento contínuo dos impactos ambientais e sociais.
A BYD não respondeu quais medidas adotou para verificar a origem do lítio comprado do Grupo Yahua e garantir que não apresenta irregularidades socioambientais.
A Tesla foi procurada, mas não respondeu.
Impactos nas comunidades próximas
Além de sua certificação de “lítio verde”, a Sigma encara outras tensões socioambientais: associações de povos tradicionais, organizações da sociedade civil e órgãos públicos denunciam os problemas trazidos pela indústria de lítio à região.
“Mais de cem famílias afetadas pelo projeto sofrem diariamente impactos negativos, danos coletivos e individuais, como altos níveis de ruído, poeira, rachaduras em suas casas, problemas de saúde e perdas na produção de alimentos”, ressalta uma carta assinada em 21 de agosto por 68 entidades. Entre elas, há organizações quilombolas e indígenas, além de sindicatos de trabalhadores e políticos locais.
A carta foi uma resposta a uma homenagem prestada pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais à presidente e cofundadora da Sigma Lithium, Ana Cabral. Dois dias depois, ela recebeu o título de cidadã honorária do estado por seus “relevantes serviços prestados a Minas Gerais”.
Respiramos poeira 24 horas por diaMorador da vila de Piauí Poço Dantas, perto do complexo mineiro Grota do Cirilo
Em um parecer de dezembro de 2024, o MPF alertou que a mineração de lítio tem um alto impacto ambiental, “com potencial para agravar a vulnerabilidade das comunidades tradicionais”. O documento identificou 258 comunidades tradicionais afetadas por várias empresas no país. No caso da Sigma, o documento destaca que há uma “clara deficiência” na concessão de licenças ambientais.
No início de setembro, o MPF enviou uma recomendação à Agência Nacional de Mineração solicitando a suspensão e revisão das autorizações de exploração e extração de lítio em Araçuaí, onde a Sigma opera.
Além dos problemas de acesso à água, o MPF destacou que a poeira e os resíduos tóxicos gerados pela atividade estão “associados a problemas respiratórios e doenças de pele nas populações próximas”. Uma dessas comunidades é Piauí Poço Dantas, comunidade de agricultores familiares próximo ao complexo mineiro Grota do Cirilo.
“Respiramos poeira 24 horas por dia”, disse um dos moradores, que falou à reportagem sob condição de anonimato.
A população de Piauí Poço Dantas também notou um aumento do ruído na comunidade e rachaduras nas casas atribuídas aos tremores gerados pelas explosões das atividades de mineração. Essas informações são mencionadas em um relatório técnico do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, que ouviu quatro comunidades próximas ao projeto.
Nossa reportagem questionou a Sigma sobre esses pareceres. A empresa não respondeu, mas já havia negado anteriormente qualquer irregularidade na consulta prévia do projeto, em sua relação com as comunidades da área ou em seu histórico ambiental.
Enquanto isso, a Sigma seguiu vendendo seu “lítio quíntuplo zero” para outras empresas globais.
Em setembro de 2024, a Sigma informou um envio de 22 mil toneladas de lítio para a montadora japonesa Mitsubishi. Até abril de 2025, ela registrou outros quatro embarques para a IRH Global Trading, dos Emirados Árabes Unidos, somando 76 mil toneladas de lítio.
Em todos os seus negócios, a mineradora canadense destaca sua “neutralidade de emissões”, embora não tenha divulgado publicamente se utilizou créditos de carbono – ou quais projetos empregou para isso. O registro público de transações da Verra não lista nenhuma outra transação em que a Sigma apareça como beneficiária, embora o mercado voluntário de carbono permita que os usuários optem por não divulgar publicamente seus nomes.
A Sigma afirma que não utiliza créditos de carbono desde 2024. Porém, a empresa também não detalha quaisquer medidas alternativas de descarbonização ou eficiência ambiental que tenha incorporado em seu lugar.
Litio em Conflito é um projeto liderado pelo Centro Latino-Americano de Investigação Jornalística (CLIP) em parceria com Consenso (Paraguai), La Región (Bolívia), Quinto Elemento Lab (México), Repórter Brasil (Brasil), Ruido (Argentina), Climate Tracker Latam, Dialogue Earth, Mongabay Latam e Columbia Journalism Investigations (CJI), sobre o funcionamento da indústria do lítio na América Latina. Com o apoio da equipe jurídica El Veinte.




