Clima

‘A COP é o melhor sistema possível, não podemos perder a fé nela’

Mukhtar Babayev, presidente da COP29, conversa com o Dialogue Earth sobre o saldo da cúpula climática no Azerbaijão e as expectativas para a COP30 no Brasil
<p>Zona Azul na COP29 em Baku, Azerbaijão, 2024. As delegações da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas estarão reunidas novamente em novembro para a COP30, em meio à desconfiança sobre o avanço com as metas de financiamento (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2qtBeBL">Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/mmeioambiente">Flickr</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/deed.pt-br">CC BY NC SA</a>)</p>

Zona Azul na COP29 em Baku, Azerbaijão, 2024. As delegações da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas estarão reunidas novamente em novembro para a COP30, em meio à desconfiança sobre o avanço com as metas de financiamento (Imagem: Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima / Flickr, CC BY NC SA)

No ano passado, quando o Azerbaijão sediou a última conferência climática das Nações Unidas, a COP29, havia grandes esperanças de que ela pudesse trazer um avanço no financiamento climático, uma das questões mais sensíveis nas negociações globais. 

O resultado foi o compromisso de que os países desenvolvidos “assumissem a liderança” na mobilização de US$ 300 bilhões anualmente até 2035, parte de uma meta mais ampla de US$ 1,3 trilhão em financiamento público e privado até o mesmo ano. Isso foi saudado por alguns analistas como um passo à frente em relação à meta anterior de US$ 100 bilhões até 2020, mas visto por outros como uma medida insuficiente diante do agravamento da crise climática. 

Este ano, a COP30 no Brasil terá como foco a implementação do compromisso financeiro do ano passado e o aumento do nível de exigência das ações climáticas. As delegações dos países também devem chegar a Belém do Pará, que sediará o evento, com seus planos climáticos atualizados — conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas. A conferência será realizada em meio a fortes tensões geopolíticas e a um sentimento de desconfiança geral em relação ao andamento das negociações climáticas.

COP29 president Mukhtar Babayev behind lectern
Presidente da COP29, Mukhtar Babayev, argumenta que as COPs são espaços cruciais para que países menores e mais vulneráveis ao clima sejam escutados em pé de igualdade nas negociações da ONU (Imagem: Ahmed Nayim Yussuf / UNEP, CC BY NC SA)

Em entrevista ao Dialogue Earth, Mukhtar Babayev, ministro da Ecologia e Recursos Naturais do Azerbaijão e presidente da COP29 — cargo que manterá até a abertura da COP30 em novembro —, falou sobre os resultados da cúpula em Baku e o que se espera da conferência no Brasil. Ele argumentou que a COP29 lançou as bases para ampliar o financiamento climático e descreveu o processo da COP como imperfeito, mas indispensável, reconhecendo a desconfiança entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Dialogue Earth: Olhando em retrospectiva, muitos analistas consideraram o acordo financeiro da COP29 insuficiente. Você acredita que o resultado correspondeu à urgência da crise climática?

Mukhtar Babayev: A presidência da COP29 fez o possível para pressionar as partes a aumentarem suas ambições em relação ao financiamento climático. Quando os países desenvolvidos propuseram uma meta de US$ 250 bilhões, deixamos claro que eles precisavam ir além, e estamos orgulhosos de nosso trabalho para aumentar esse valor para US$ 300 bilhões. 

Não esperamos que os US$ 300 bilhões resolvam toda a crise climática. Se as partes, os bancos multilaterais de desenvolvimento e o setor privado puderem colaborar na implementação dessa meta e aumentar o financiamento climático para US$ 1,3 trilhão por ano para as nações em desenvolvimento, então será um passo histórico para atingir as metas do Acordo de Paris.

O compromisso anterior de US$ 100 bilhões levou mais de uma década para se concretizar. Por que os países mais vulneráveis ao clima deveriam confiar que as novas metas financeiras serão realmente cumpridas?

Em nossas viagens e reuniões ao longo deste ano, vimos que falta confiança no financiamento climático entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Para restaurar essa confiança, precisamos aprender com a lição dos US$ 100 bilhões e mostrar progresso em relação às metas iniciais de financiamento climático. 

Isso significa que os países doadores devem dobrar o financiamento para adaptação até o final do ano, conforme prometeram na COP26. Também precisam triplicar os repasses aos fundos da ONU até 2030 e definir agora como contribuirão com sua parte dos US$ 300 bilhões até 2035. 

Desde a criação da meta de financiamento de Baku, no ano passado, a presidência da COP29 tem aproveitado todas as oportunidades para dialogar com os países doadores e cobrá-los pelas promessas que fizeram.

A eliminação dos combustíveis fósseis foi um dos temas mais controversos da COP29. Os interesses econômicos do Azerbaijão no setor fóssil influenciaram o resultado da cúpula?

Como todo país anfitrião, o Azerbaijão atuou como mediador neutro das negociações na COP29, trabalhando para ajudar todas as partes a alcançarem o mais alto nível de ambição. Na COP28, o mundo concordou com uma transição justa e ordenada das matrizes energéticas para longe dos combustíveis fósseis. Na COP29, queríamos dar os próximos passos nessa jornada.

Nossa agenda de ação abordou as principais lacunas na estratégia global sobre transição energética. O compromisso de armazenamento de energia e redes elétricas da COP29 criou uma meta para aumentar a capacidade global de armazenamento de energia para seis vezes acima dos níveis de 2022. Também lançamos novos compromissos sobre zonas e corredores de energia verde, bem como hidrogênio de baixo carbono.

Em última análise, a COP é um processo impulsionado por Estados-membros e, apesar de nossos esforços, as partes não conseguiram chegar a um acordo sobre o Diálogo dos Emirados Árabes Unidos e o Grupo de Trabalho para uma Transição Justa. Porém, já temos um ponto de partida promissor para as negociações deste ano, seguindo de onde paramos em Baku.

O tema também é difícil para o Brasil, que depende de combustíveis fósseis para suas exportações e tem enfrentado críticas da sociedade civil pela expansão do da indústria petrolífera. Qual papel você espera que a transição energética tenha na COP30?

Nossa principal prioridade este ano é apoiar o Brasil e trabalhar com o país para tornar a COP30 um sucesso. A presidência da COP30 deixou claro que vai buscar maneiras de garantir uma transição energética justa. Estamos prontos para apoiar nossos colegas brasileiros e seguir suas orientações e liderança em Belém.

O próprio processo climático da ONU tem sido criticado por ser muito lento e sujeito a interesses particulares. Após presidir a COP29, você acredita que o sistema da COP ainda é o mais adequado?

Na COP29, provamos que o mundo ainda pode chegar a um acordo e que o processo da COP ainda pode produzir resultados. A meta financeira de Baku representa o maior compromisso financeiro já assumido em um processo da ONU. 

É verdade que o sistema da COP não é perfeito e que as pressões sobre o multilateralismo são maiores do que nunca – por isso, devemos discutir como melhorar o processo para garantir que ele funcione da melhor maneira possível. 

Mas a COP é o melhor sistema que temos e não podemos perder a fé nele — não devemos perder de vista seus pontos fortes e tudo o que ele já proporcionou. As COPs são eventos cruciais para que países menores e mais vulneráveis ao clima sejam escutados em pé de igualdade. 

Agora, é o momento de proteger e preservar o processo, e a melhor maneira de fazer isso é cumprir as promessas que fizemos.

A confiança entre países do Norte e Sul Global continua frágil. O que a COP29 fez para reconstruir essa confiança? Quais são os desafios que temos pela frente?

É claro que o financiamento climático é um dos componentes-chave da confiança entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. Na COP29, estabelecemos o marco para construir confiança e segurança sobre o futuro do financiamento climático, com o compromisso dos países desenvolvidos de assumir a liderança na mobilização de US$ 300 bilhões em financiamento climático até 2035.

Agora, precisamos garantir aos países em desenvolvimento que o mundo cumprirá essa meta, e para isso precisamos atingir os marcos iniciais de financiamento climático. 

Sabemos que os países enfrentam desafios internos e internacionais que demandam recursos e ameaçam desviar o foco das ações climáticas. É por isso que estamos trabalhando este ano para engajar todas as partes envolvidas no financiamento climático. Assim, garantiremos que todos permaneçam focados no cumprimento dos acordos da COP29.

Grupos da sociedade civil reclamaram da limitação do acesso em Baku. Isso também está sendo discutido para a COP30, diante dos altos custos de acomodação e desafios logísticos. As COPs estão se tornando menos inclusivas?

A COP29 foi a segunda maior reunião da COP de todos os tempos, com áreas dedicadas à criação de um espaço para a sociedade civil, incluindo ativistas, empresas, público, grupos de jovens, acadêmicos e artistas, onde eles puderam se reunir e suas vozes foram ouvidas. A sociedade civil teve uma forte presença em Baku e desempenhou um papel importante em pressionar todos os negociadores a adotarem a maior ambição possível nos acordos.

Temos total confiança no Brasil e eles têm todo o nosso apoio. O Brasil tem um ecossistema de sociedade civil próspero, e o apelo da presidência brasileira por um “mutirão global” fornece uma base importante para aproveitar o impulso das pessoas e organizações no Brasil e em todo o mundo.

Olhando para o futuro, qual é a decisão mais importante que a COP30 deve tomar para que o processo mantenha sua credibilidade global?

Os acordos históricos alcançados na COP29 marcaram o fim da primeira década do Acordo de Paris. Agora estamos entrando em uma nova era, em que nossas ações valerão mais do que nossas palavras.

Nesta década de resultados, é fundamental que implementemos os compromissos já assumidos – principalmente, a meta de financiamento de Baku e os US$ 300 bilhões prometidos na COP29.

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