Clima

América Latina vai à COP30 com bloco unido?

Enquanto o Brasil se prepara para receber a cúpula climática da ONU, relembramos as décadas de liderança latino-americana nas negociações – e as divisões regionais
<p>Ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva (ao centro), participa de encontro pré-COP30 em Brasília. Especialistas afirmam que a América Latina pode chegar à conferência com bloco unido (Imagem: <a href="https://www.flickr.com/photos/mmeioambiente/54854256706/in/album-72177720329676478">Rogério Cassimiro</a> / <a href="https://www.flickr.com/photos/mmeioambiente/">Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/2.0/deed.en">CC BY-NC-SA</a>)</p>

Ministra brasileira do Meio Ambiente, Marina Silva (ao centro), participa de encontro pré-COP30 em Brasília. Especialistas afirmam que a América Latina pode chegar à conferência com bloco unido (Imagem: Rogério Cassimiro / Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, CC BY-NC-SA)

Após mais de uma década, a conferência climática das Nações Unidas retorna à América Latina em novembro. Na cidade de Belém, governos, representantes da sociedade civil, empresas e outros atores se reunirão por duas semanas na COP30 para discutir planos e compromissos climáticos, financiamento, transição energética e proteção florestal, entre outras questões. 

A última vez que a região sediou a conferência foi em 2014, em Lima, no Peru. Essa foi a última cúpula antes da assinatura do Acordo de Paris, tratado climático histórico que busca limitar o aumento da temperatura global a 1,5 °C ou 2 °C acima dos níveis pré-industriais. Buenos Aires, na Argentina (1998 e 2004) e Cancún, no México (2010) também sediaram a conferência. Santiago do Chile também deveria sediá-la em 2019, mas o evento foi transferido para a Espanha devido às manifestações do estallido social chileno.

Os países da região têm atuado ativamente nas negociações climáticas desde o início dos anos 1990. Embora essa participação tenha ocorrido de forma fragmentada, há sinais de uma frente mais unida para a cúpula de Belém: por um lado, as nações latino-americanas parecem concordar que estão entre as mais vulneráveis às mudanças climáticas; e, por outro, reconhecem sua riqueza de estoques de carbono e o grande potencial para a geração de energia renovável.

Vários países também tiveram um papel significativo em momentos-chave das negociações climáticas, como a criação do Protocolo de Kyoto e do Acordo de Paris, de acordo com especialistas consultados pelo Dialogue Earth. Na COP30, argumentam eles, haverá uma nova oportunidade de demonstrar essa liderança e reafirmar a importância do multilateralismo em meio às tensões globais. 

“É um bom momento para sediar a COP na região. Temos coisas muito boas para mostrar ao mundo. Não há novos projetos de carvão, estamos avançando rapidamente em energia renovável, podemos apresentar soluções e trabalhar pelo multilateralismo”, resumiu Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa. “Estamos preparados”.

Na COP20, em 2014, o então presidente boliviano Evo Morales (à esquerda) cumprimenta o presidente da conferência, Manuel Pulgar-Vidal (à direita); o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon (ao centro), observa
Na COP20, em 2014, o então presidente boliviano Evo Morales (à esquerda) cumprimenta o presidente da conferência, Manuel Pulgar-Vidal (à direita); o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon (ao centro), observa. A COP20 no Peru foi a última conferência climática na América Latina antes da COP30 (Imagem: UN Climate Change / Flickr, CC BY)

América Latina nas negociações da COP

Na maioria das negociações internacionais sobre meio ambiente — com temas que vão de biodiversidade a mercúrio –, a região participa como um único bloco, o Grupo da América Latina e do Caribe. Mas, em relação às mudanças climáticas, os países sempre se mantiveram posições distantes dos outros, explicou Jimena Nieto Carrasco, integrante da delegação colombiana nas negociações do Acordo de Paris, em 2015.

“Há mais de 20 anos não se pode falar sobre ‘a região’ em temas relacionados às mudanças climáticas”, observou Carrasco. “Logo percebemos que não era possível chegar a um consenso entre países tão diferentes, desde gigantes como o Brasil até pequenos Estados insulares e países intermediários como a Colômbia. Não fazia sentido tentar, porque não chegaríamos a um acordo sobre a maioria das questões”, acrescentou. 

Historicamente, nas conferências climáticas, os países latino-americanos negociam individualmente e em vários blocos temáticos. A maioria das nações integra alguns desses grupos com base em interesses e posições comuns.

Todos os países da região, por exemplo, fazem parte do Grupo dos 77 mais a China, coalizão de nações em desenvolvimento que hoje é formada por 134 membros. Esse grupo exige que os países desenvolvidos sejam os primeiros a reduzir drasticamente suas emissões de gases de efeito estufa.

No contexto das negociações climáticas, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Honduras, Panamá, Paraguai e Peru fazem parte da Associação Independente da América Latina e do Caribe (Ailac). Já Argentina, Brasil, Equador, Paraguai e Uruguai são membros do Grupo SUR. O Brasil, aliás, também alinha suas posições com a África do Sul, Índia e China enquanto membro do Grupo Basic. Enquanto isso, 16 países da região fazem parte da Aliança dos Pequenos Estados Insulares, que reúne 39 nações-ilha de todo o mundo.

Ministra Marina Silva (à esquerda) e vice-presidente brasileiro Geraldo Alckmin (à direita) no lançamento da Plataforma de Investimento Climático e Transformação Ecológica, na COP29, em 2024
Ministra Marina Silva (à esquerda) e vice-presidente brasileiro Geraldo Alckmin (à direita) no lançamento da Plataforma de Investimento Climático e Transformação Ecológica, na COP29, em 2024 (Imagem: Fernando Donasci / Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, CC BY-NC-SA)

Também há alguns grupos alternativos: a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América, criada em 2004 pela Venezuela, mas com atuação mais discreta — recentemente, a Bolívia foi suspensa temporariamente do grupo pela “postura antibolivariana” do presidente eleito, Rodrigo Paz, que assume o cargo em 8 de novembro. Cuba e Nicarágua também fazem parte do grupo.

Além disso, 18 países da região integram a Coalizão das Nações com Florestas Tropicais; outros, por sua vez, aparecem entre os Países em Desenvolvimento com Visões Semelhantes.

“A América Latina não conseguiu superar sua fragmentação, levando vozes divididas e mal coordenadas às negociações”, afirmou Manuel Pulgar-Vidal, líder global de clima e energia do Fundo Mundial para a Natureza (WWF), ex-ministro do Meio Ambiente do Peru e presidente da COP20. “Apesar das divergências, a região tem contribuído muito para o debate global sobre o clima”.

Momentos importantes e líderes regionais

As primeiras negociações climáticas da ONU ocorreram na América Latina, durante a Cúpula da Terra de 1992, realizada no Rio de Janeiro. Na ocasião, os países firmaram a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC), reconhecendo a crise climática como um problema global urgente. A primeira COP do clima ocorreu em 1995 e, na conferência de 1997, foi assinado o Protocolo de Kyoto, acordo climático que estabeleceu metas para a redução de emissões dos países industrializados. O diplomata argentino Raúl Estrada-Oyuela presidiu as negociações, enquanto o Brasil apoiou fortemente que o acordo incluísse a distinção entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

Em seu livro A Fragmented Continent: Latin America and Global Climate Change Policy (“Um continente fragmentado: a América Latina e a política global de mudanças climáticas”, em tradução livre), os pesquisadores Guy Edwards e J Timmons Roberts consideram o Protocolo de Kyoto como um ponto fora da curva para a região, já que ela não precisou assumir nenhum compromisso de redução de emissões. “Fora o Brasil, a maioria dos outros países latino-americanos mal fez suas vozes serem ouvidas no Rio ou em Kyoto”, afirmaram os autores.

O protocolo entrou em vigor em 2005. Naquele ano, a Costa Rica, juntamente com Papua Nova Guiné, propôs um mecanismo financeiro para reduzir as emissões decorrentes do desmatamento — mais tarde, isso viraria o REDD+, que hoje financia ações para proteger as florestas. Versões anteriores dessa ferramenta foram criticadas pelo Brasil, que temia perder o controle sobre seu território, segundo Edwards e Roberts.

Embora não precisasse assumir compromissos no âmbito do Protocolo de Kyoto, o Peru ofereceu, em 2008, uma redução de emissões florestais em troca de novas medidas por parte dos países desenvolvidos. Além dele, a Costa Rica apresentou a meta de neutralidade em carbono até 2021 (não cumprida); o México apresentou a meta de reduzir suas emissões em 50% até 2050; e o Brasil propôs reduzir o desmatamento em 70% até 2017 (meta também não cumprida).

Em 2009, os países deveriam firmar um novo acordo climático. Porém, as divergências impediram que as negociações avançassem. Isso levantou dúvidas sobre o sucesso das negociações e jogou a pressão sobre o México, anfitrião da cúpula seguinte. No fim, Patricia Espinosa, presidente da COP16, e Christiana Figueres, secretária executiva da UNFCCC, conseguiram reativar o processo.

Patricia Espinosa, presidente da COP16, comandou a conferência realizada em Cancún, no México
Patricia Espinosa, presidente da COP16, comandou a conferência realizada em Cancún, no México, em 2010 (Imagem: UN Climate Change / Flickr, CC BY)

“A região fez contribuições significativas para o processo de negociação”, disse Alejandra López Carbajal, diretora de diplomacia climática da organização Transforma. “Um exemplo disso é a COP16. O sistema da ONU estava sendo questionado, assim como o multilateralismo. Mas a presidência mexicana desempenhou um papel importante na restauração da confiança no processo”.

Dois anos depois, foi criada a Ailac, grupo latino-americano descrito por Edwards e Roberts como a “terceira via” em razão de seu papel na construção de pontes entre países desenvolvidos e em desenvolvimento. 

Em 2014, a capital peruana recebeu a COP20, evento marcado pela apresentação de vários compromissos climáticos, preparando o terreno para o Acordo de Paris. 

Pulgar-Vidal e Figueres, aliás, são frequentemente descritos como dois dos “arquitetos do Acordo de Paris” por suas habilidades para conduzir as negociações. A Ailac também desempenhou um papel relevante na conclusão do acordo, conforme um artigo de Edwards, que destacou os esforços latino-americanos para construir pontes entre os países e estabelecer metas ambiciosas.

Caminho para a COP30

Em agosto, representantes de agências ambientais de 22 países latino-americanos participaram de uma reunião no México para fortalecer a cooperação na região antes da COP30. “Diante das múltiplas crises que enfrentamos, é mais importante do que nunca discutir nossos desafios comuns”, disse a ministra do Meio Ambiente do México, Alicia Bárcena, na abertura do encontro.

A reunião resultou em uma declaração conjunta da região para a COP30. Os países encontraram um terreno comum para avançar com uma transição “que deixe para trás” os combustíveis fósseis, acelerando as ações climáticas e priorizando os esforços de adaptação. O documento também destaca a urgência de aumentar o financiamento e proteger as florestas.

A COP tem que mostrar que, mesmo sem vontade política, a economia está amadurecendo e já pode fornecer o impulso necessário
Manuel Pulgar-Vidal, líder global de clima e energia do WWF e ex-ministro do Meio Ambiente do Peru

“Foi uma surpresa positiva”, disse López Carbajal. “Eles se reuniram em um fórum inédito e produziram uma boa declaração. Há um interesse genuíno em trabalhar juntos. A liderança do México [como anfitrião] trouxe uma atmosfera diferente para a cooperação regional”.

Especialistas consultados pelo Dialogue Earth esperam que a América Latina seja capaz de aproveitar esses pontos em comum para chegar de forma mais unida à COP30. Eles também esperam que a presidência do Brasil promova questões particularmente relevantes para a região por meio de iniciativas em andamento, como o Fundo Florestas Tropicais para Sempre

Pulgar-Vidal acredita que o Brasil terá sucesso na COP30. “A COP deste ano terá muitas frentes; não há um único objetivo a ser alcançado. Mas o sucesso virá do foco na implementação. Precisamos que o resultado final seja disruptivo. A COP tem que mostrar que, mesmo sem vontade política, a economia está amadurecendo e já pode fornecer o impulso necessário”, concluiu.

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