Este ano marca o décimo aniversário da COP20, a conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas realizada em Lima, no Peru. Lá, os países apresentaram seus primeiros planos climáticos, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs). Esse foi o primeiro passo para a criação do Acordo de Paris em 2015, tratado histórico que definiu a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC comparado ao período anterior à Revolução Industrial.
Na época, Manuel Pulgar-Vidal era o ministro do Meio Ambiente do Peru e atuou como presidente da COP20. Desde então, ele se tornou uma das principais autoridades sobre clima e meio ambiente na América Latina. Hoje ele é líder global de clima e energia do Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
Em entrevista ao Dialogue Earth na COP29, no Azerbaijão, Pulgar-Vidal argumentou que é hora de rever o processo de negociação internacional sobre o clima e pressionar por planos nacionais mais ambiciosos e vinculantes — ou seja, que funcionem com força de lei nos países signatários. Para isso, acrescentou, será fundamental aprovar uma nova grande meta de financiamento na COP29.
Dialogue Earth: Em diversas declarações durante a COP29, você destacou que estamos atravessando um período de desconfiança quanto ao progresso das negociações climáticas. O que explica isso?
Manuel Pulgar-Vidal: O Acordo de Paris, que é muito valioso, é voluntário — não tem os mecanismos necessários para torná-lo obrigatório. As NDCs deveriam ser políticas públicas obrigatórias em todos os países. Como não são, o mundo ainda não está alinhado com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5 °C. O mesmo ocorre no setor privado, com metas de neutralidade de carbono irreais. O processo deve evoluir para se tornar uma obrigação, com mecanismos para medir seu progresso.
Outros fatores colaboram para essa desconfiança. Primeiro, a política global mudou, e vemos o surgimento de partidos de ultradireita que negam as mudanças climáticas, algo absurdo. Os impactos da crise climática são muito evidentes. Em segundo lugar, embora muitos de nós participemos dessas cúpulas, as pessoas não sentem que o problema está sendo resolvido — com o abandono do uso de combustíveis fósseis, por exemplo. As pessoas estão começando a se cansar desses diálogos sem ações concretas.
Uma mudança no formato das convenções ambientais da ONU — que tratam de clima, biodiversidade e desertificação em eventos separados — pode ajudar a reverter esse quadro?
Sempre insisti que a decisão de criar três órgãos separados em 1992 [na ECO-92, no Rio de Janeiro] não foi ruim. Naquela época, quatro anos após a criação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, cientistas estavam começando a analisar as causas humanas das mudanças climáticas. Era preciso uma convenção para amadurecer esse processo, e a convenção sobre mudanças climáticas foi criada. O mesmo aconteceu com a biodiversidade: primeiro, as pessoas falavam apenas em conservação, mas depois os cientistas argumentaram que o tema também englobava a gestão dos recursos naturais e o acesso aos recursos genéticos. Foi um processo que precisou amadurecer.
Porém, percebemos que deveríamos buscar formas de conectar as três convenções. Se pensarmos na natureza e nas mudanças climáticas, a relação é clara. Temos que buscar pontos em comum, e isso avançou na COP16 de biodiversidade. Mas não creio que tenhamos chegado a um estágio em que as três convenções possam ser unificadas em uma só. Isso seria um erro e desviaria a atenção de seus processos necessários de amadurecimento.
No amor, ambos os lados do relacionamento devem ter sua própria visão e pontos de encontro nos quais a relação é fortalecida. Aqui é a mesma coisa.
O processo de atualização das NDCs está começando, e o Brasil já apresentou seu novo plano climático na COP29. Do que essas NDCs precisam para serem mais ambiciosas?
As NDCs são um instrumento coletivo que visa estabelecer metas e planos ambiciosos para que os países alcancem a neutralidade e a resiliência de carbono, contribuindo para a meta global com base nas realidades de cada país. Até o momento, as NDCs não alcançaram esse objetivo e há dúvidas de que isso ocorra no próximo ciclo.
Há pontos pendentes para a criação de um sistema que torne as NDCs obrigatórias. Isso ocorre em nível global. Em nível nacional, as NDCs são produzidas por equipes pequenas e pouco influentes em ministérios de meio ambiente que não fazem parte das equipes dos ministérios de economia, produção ou indústria. Precisamos que as NDCs façam parte das políticas fiscais, econômicas e energéticas para serem planos realmente viáveis com a maior ambição possível.
O debate sobre o clima está em um momento pandêmico, mas o mundo aprendeu a combater a pandemia. Assim como a Europa abraçou o conceito de “reconstruir para melhorar” e estabeleceu metas claras [a partir da Covid-19], o debate sobre o clima deve fazer o mesmo, e o Brasil tem um papel fundamental nisso. Na pandemia, aprendemos a mapear geneticamente o vírus, a entender onde está o problema e a criar uma vacina. Espero que [a COP30 no] Brasil seja o momento de criar uma “vacina” para superar as dificuldades políticas desse processo e chegar a 2030 celebrando a vitória.
Na América Latina, é possível atingir isso apesar de sua enorme fragmentação, com visões antagônicas sobre geopolítica e mudanças climáticas?
A América Latina não conseguiu romper sua fragmentação. Não creio que alcançaremos a unidade necessária antes da COP30. Já fomos líderes no processo climático, mas hoje estamos divididos. Temos que nos orgulhar de nossa diversidade e mostrar liderança a partir dela. Vamos construir a partir da diversidade em um mínimo denominador comum. Precisamos ter clareza sobre o que queremos alcançar em Belém do Pará [cidade-sede da COP30]. Esse deverá ser o momento de impulsionarmos o processo rumo a 2030 e superarmos as dificuldades políticas.
Que resultados a atual presidência do Brasil no G20 pode ter para a agenda climática, considerando que em breve o país vai assumir o comando da COP30?
Há algum tempo, o G7 e o G20 vêm incorporando vários elementos sobre o clima e a natureza [em suas discussões], e essa é uma evolução natural. O debate sobre o clima costumava ocorrer ao longo de duas semanas, uma vez por ano, na COP, e agora ocorre em todos os fóruns regionais, sub-regionais ou multilaterais. Portanto, o que o Brasil está promovendo é positivo. Sobre a bioeconomia em particular, que é parte fundamental da agenda do Brasil, devemos ter cuidado para que isso não signifique promover monoculturas como a cana-de-açúcar para etanol ou soja.
Desde o resultado das eleições nos EUA, a maneira como definimos nossos objetivos para a COP30 precisa mudar. Temos que ser capazes de lidar com as dificuldades políticas. Na política, a campanha é uma coisa, o mandato é outra. Não se pode prever o que acontecerá nos EUA apenas pelos anúncios de campanha. O processo climático precisa mostrar sua resiliência. O Brasil precisa definir uma agenda que dará impulso ao processo nos próximos cinco anos.
Por que é crucial para a América Latina encerrar a COP29 com uma meta de financiamento mais realista e alinhada às suas reais necessidades?
Não é possível iniciar as transições necessárias sem um financiamento adequado. A transição energética, por exemplo, tem um custo. A região ainda depende de combustíveis fósseis e, para instalar mais energias renováveis, precisa de financiamento. É por isso que a nova meta de financiamento é fundamental. Isso também significa reformar o sistema financeiro. O dinheiro do clima não é apenas bilateral, mas também privado. E, se falamos de fundos privados, estamos falando de investimentos, não apenas de doações. Portanto, temos que pensar em como valorizar a natureza para que os investidores se voltem para esse setor. Esse é o debate mais polêmico, que não foi resolvido na COP16 e frustrou as expectativas.