Óscar Machoa corta folhas de espécies amazônicas sentado no chão de uma maloca — uma grande cabana comunitária em sua aldeia —, e na sequência as aquece pacientemente sobre a lenha. Aos 67 anos, suas mãos mostram os sinais dos anos de trabalho coletando plantas, fazendo artesanato, construindo suas casas e moldando suas flechas.
Curandeiro da comunidade quéchua de San Carlos, ele é encarregado de transmitir conhecimentos ancestrais de sua etnia aos indígenas do município de La Joya de los Sachas, na província de Orellana, leste do Equador. A zona abriga uma parte do Parque Nacional Yasuní, um dos lugares mais biodiversos do planeta e alvo de um referendo.
Neste domingo, os equatorianos irão às urnas para duas votações importantes: as eleições gerais que decidirão o próximo presidente e o parlamento do país — disputa abalada pelo recente assassinato do candidato Fernando Villavicencio — e um referendo para decidir se deve ser proibida a exploração dos campos petrolíferos de Ishpingo, Tambococha e Tiputini (ITT), também conhecidos como Bloco 43, no parque Yasuní.
Diversas organizações indígenas da Pan-Amazônia são favoráveis ao fim das atividades petrolíferas no Yasuní: essa é a posição defendida pela Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador, pela Confederação das Nacionalidades Indígenas da Amazônia Equatoriana, pela Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica e pela organização Cuencas Sagradas, entre outras.
Machoa também diz que votará pelo “sim” para bloquear a exploração petrolífera. Assim que escuta a palavra “petróleo”, seu semblante calmo muda. “Não queremos que nada seja extraído. Lembro tudo o que nos prometeram e nunca cumpriram”, diz.
Mas à medida que a votação se aproxima, alguns grupos indígenas — sejam eles próximos ou distantes de Yasuní — resgatam velhas discussões sobre os benefícios e danos da extração de petróleo, bem como o apoio do Estado às comunidades remotas.
O curandeiro Machoa recorda como era a vida quase 60 anos atrás, nos primórdios da extração de petróleo na Amazônia equatoriana, área então liderada pela Texaco (hoje de propriedade da americana Chevron). Ao longo de quase 30 anos de exploração, mais de dois milhões de hectares da região foram afetados.
“Foi aí que nosso pesadelo começou”, segue Machoa. “Eles disseram que usariam tecnologia de ponta, mas os vazamentos se tornaram frequentes. Os rios foram poluídos, os peixes morreram, os animais morreram e ninguém nos apoiou. Meus avós, meus pais e eu crescemos aqui. É por isso que defenderemos o Yasuní para nossos filhos”.
Voto contra o petróleo
Indígenas vizinhos de Machoa em La Joya de los Sachas compartilham sua posição contra a extração, argumentando que o petróleo não é necessário para melhorar seus meios de subsistência. Eles citam áreas de conservação próximas, lagoas panorâmicas e cachoeiras que oferecem oportunidades de ecoturismo comunitário, com as quais podem obter renda sem prejudicar o meio ambiente.
Os moradores mencionam a ocorrência de derramamentos de petróleo perto dos locais de extração. Um deles diz que isso “acontece o tempo todo” e que seu povo não quer mais tais problemas. De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente do Equador, entre 1º de janeiro de 2020 e 30 de abril de 2022, 630 vazamentos de petróleo foram registrados no território equatoriano, quase um por dia.
A uma hora de carro de La Joya de los Sachas está o município de Shushufindi, na província de Sucumbíos. Para as pessoas de lá, as preocupações com o petróleo são praticamente as mesmas.
“Toda a Amazônia equatoriana foi invadida por empresas petrolíferas que estão lá há meio século, e pouquíssimas pessoas se interessam pelo assunto — mesmo que lutemos, as decisões vêm dos que estão no poder. Precisamos de alguém [no governo] que queira fazer uma mudança séria”, diz a moradora Sandra Aguinda, enquanto frita banana-da-terra e mandioca para vender na praça principal de Shushufindi.
“Será que não podemos viver de atividades que não afetem nosso território?”, questiona Aquinda. “Nós, Quéchua, temos organizações, somos empreendedores, podemos trabalhar com outras coisas”.
Mais ao sul, na província de Napo, lar de indígenas Quéchua, Shuar e Huaorani, as comunidades também pedem a proteção de seu território.
“O Yasuní faz parte de nossa cultura. Não queremos que ele seja explorado, queremos manter o ar limpo na terra deixada por nossos ancestrais”, diz Janet Rivadeneyra, líder da comunidade Shiripuno, às margens do rio Napo. “Se não cuidarmos da Pachamama [Mãe Terra em quéchua], teremos doenças e preocupações”.
Rivadeneyra também denuncia o crescimento da mineração ilegal na Amazônia. “Nossa água está sendo contaminada, e ninguém combate essa mineração que nos mata”, diz.
Apoio ao setor petrolífero
Para algumas comunidades da Amazônia, no entanto, a luta contra a exploração de petróleo no Parque Nacional Yasuní — e fora dele — não é uma bandeira.
“Está claro para nós que há comunidades na Amazônia que apoiam a indústria petrolífera, porque se beneficiam dos empregos precários e mal pagos das empresas. O Estado não chega lá, e eles são forçados a aceitar”, diz Fernando Muñoz Miño, coordenador nacional do Yasunidos, coletivo que liderou a campanha do referendo para proteger o Yasuní e seu povo, que inclui os Tagaeri e Taromenane, últimas populações indígenas em isolamento voluntário no Equador.
Seja qual for o resultado da votação, Muñoz diz que o país deve começar a desenvolver “alternativas econômicas reais para essas populações”.
No extremo leste da província de Orellana, dentro do Bloco 43, foco do referendo deste domingo, está a comunidade huaorani de Kawymeno. Nesse local na divisa com o Peru, assim como em vários outros próximos às reservas petrolíferas, as pessoas são favoráveis à continuidade da exploração.
“Se não houvesse indústria petrolífera, não teríamos educação, saúde, bem-estar familiar”, disse recentemente Panenky Huabe, presidente da comunidade Kawymeno, à France 24, destacando a ausência de apoio estatal nesse canto da Amazônia.
A polarização entre as populações amazônicas foi observada por Patricio Quinda, empresário que há duas décadas promove o turismo no Parque Nacional Yasuní: “As empresas petrolíferas entram em várias comunidades para dividi-las, apoiam líderes que defendem suas políticas e promovem seu sistema de royalties, usado para colocar a população a seu favor”.
Illa Grafa, líder da comunidade Rucu Jumandy Kawsay, no município de Archidona, não concorda com as atividades petrolíferas no Bloco 43, mas diz que entende o outro lado. “Cada lugar tem sua própria realidade, mas o principal problema em nossas comunidades é a falta de trabalho. Muitas pessoas estão entrando para a mineração ilegal de ouro, que danifica seriamente nossas florestas porque não têm alternativas”, explica Grafa.
“O petróleo não deve ser explorado, mas precisamos da renda que ele gera”, diz ela com preocupação e pesar.