Justiça

Os direitos das mulheres no direito ambiental, de 1972 até hoje

Progressos importantes foram feitos, mas agora é o momento de colocar os direitos das mulheres no centro do direito ambiental transnacional
<p>(Ilustração: <a href="https://herlindedemaerel.com/">Herlinde Demaerel</a> / China Dialogue)</p>

(Ilustração: Herlinde Demaerel / China Dialogue)

A Conferência de Estocolmo de 1972 lançou as sementes para o desenvolvimento da legislação ambiental transnacional, com Estados nacionais negociando compromissos para um ambiente saudável e introduzindo novos conceitos como o “ecocídio“. A Declaração de Estocolmo é frequentemente referida como uma Carta Magna para a proteção ambiental, mas embora possa ter sido progressista e inovadora na época, não fez nenhuma menção explícita a mulheres, meninas ou gênero. Ao invés disso, mulheres e meninas foram incluídas na categoria de “homem”, como mostrado no Princípio 1 da Declaração de Estocolmo:

O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas, em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita uma vida digna, gozar de bem-estar, e é portador solene de obrigação de proteger e melhorar o ambiente, para as gerações presentes e futuras (ênfase da autora).

As mulheres certamente tiveram um papel importante na elaboração da declaração: a única chefe de governo presente na Conferência de Estocolmo, além do primeiro-ministro sueco Olof Palme, foi Indira Gandhi. Ela proferiu um poderoso discurso em nome dos países em desenvolvimento.

Além disso, a conferência preparou o caminho para a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Rio-92, e para a Declaração do Rio, que foi o primeiro instrumento ambiental internacional a reconhecer explicitamente a dupla realidade das mulheres como especialmente vulneráveis à degradação ambiental e como agentes de mudança, como fica explícito no Princípio 20 da declaração: “As mulheres desempenham um papel fundamental na proteção do meio ambiente e no desenvolvimento. É imprescindível contar com sua plena participação para conseguir o desenvolvimento sustentável”.

Das três convenções das Nações Unidas adotadas na Rio-92, duas delas — a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD) — fazem referência explícita à necessidade da plena participação das mulheres.

Ilustração das mulheres que trabalham na terra
(Ilustração: Herlinde Demaerel / China Dialogue)

As mulheres do Sul Global desempenharam um papel importante nessa agenda. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, adotada em 1979, foi encabeçada inicialmente pela senadora filipina Letitia Ramos-Shahani e foi o resultado de mais de 30 anos de trabalho da Comissão da ONU sobre a Situação das Mulheres. Esta convenção reconhece o papel significativo que as mulheres do meio rural desempenham na sobrevivência econômica de suas famílias (Artigo 14) e que estas atividades se baseiam, em grande parte, em ecossistemas. Seis anos depois, a Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em em Nairóbi em 1985 foi um dos primeiros fóruns internacionais a enfatizar a importância da igualdade de gênero e da participação da mulher para o desenvolvimento sustentável.

Alguns anos depois, em 1992, a China organizou um workshop inter-regional da ONU sobre o papel da mulher no desenvolvimento ambientalmente correto e sustentável. O relatório desse evento diz:

A fim de tornar o planeta Terra verde, pacífico e próspero, as mulheres da China estão preparadas para trabalhar em conjunto com as mulheres do mundo, independentemente de qual sistema social elas sejam, de suas origens étnicas, religião e credo, para o interesse comum da humanidade e seu futuro.

As integrantes do workshop foram encorajadas a participar da IV Conferência Mundial sobre a Mulher realizada em Beijing em 1995, que recebeu mais de 17.000 representantes de 189 governos e mais 30.000 participantes em um fórum de discussão paralelo. O resultado da conferência, conhecido como a Plataforma de Ação de Beijing, fez menção específica à necessidade de participação ativa das mulheres na tomada de decisões em assuntos relacionados ao meio ambiente em todos os níveis, e incorporação das questões de gênero nas políticas e programas para o desenvolvimento sustentável.

Ilustração de um grupo de mulheres reunidas em uma rodada.
(Ilustração: Herlinde Demaerel / China Dialogue)

Semelhante aos efeitos da Conferência de Estocolmo no direito ambiental transnacional, o legado da Conferência Mundial sobre a Mulher de Beijing foi mantido com novas revisões e compromissos adicionais. A Declaração Beijing+25 de 2020 expressa o compromisso dos Estados de intensificar os esforços para integrar uma perspectiva de gênero nas políticas ambientais, de mudança climática e de redução de riscos de desastres, considerando não apenas a vulnerabilidade experimentada por mulheres e meninas, mas também a importância da liderança das mulheres na tomada de decisões ambientais.

As negociações para o Marco Global para a Biodiversidade Pós-2020 da CDB e seu plano de ação de gênero, que começou na primeira fase da COP15 em Kunming, China, e deve continuar na segunda fase a ser realizada em abril de 2022, pode oferecer mais uma oportunidade para promover os direitos da mulheres. A CDB refere-se ao papel vital que as mulheres desempenham na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica, e à necessidade de sua plena participação em todos os níveis da formulação e implementação de políticas de biodiversidade.

O primeiro plano de ação de gênero sob uma convenção ambiental foi o Plano de Ação sobre Gênero 2015-2020 da CDB, que aconselhou que os compromissos de cada país — conhecidos como Estratégia e Plano de Ação Nacionais para a Biodiversidade (NBSAP, em inglês) — deveriam incluir atividades específicas para combater as desigualdades de gênero e a alocação de financiamento adequado para os esforços de integração das questões de gênero.

O grau em que as mulheres podem exercer a participação pública e realizar seu direito a um ambiente saudável e outros direitos relacionados dependerá fortemente de como a participação pública é interpretada e aplicada. A Convenção de Aarhus e o Acordo de Escazú, por exemplo, geram obrigações legais para suas partes e fornecem orientação estratégica.

Em outubro de 2021, o Conselho de Direitos Humanos da ONU reconheceu pela primeira vez o direito a um meio ambiente saudável. Muitas mulheres estavam entre as defensoras desta resolução, incluindo a embaixadora da Costa Rica, Catalina Devandas — parte do grupo central de países que a propõem. A resolução também reconhece que a participação pública é vital para a proteção de um ambiente limpo, saudável e sustentável.

Ilustração mostrando uma mulher amarrada a uma árvore evitando que um buldôzer a derrubasse.
(Ilustração: Herlinde Demaerel / China Dialogue)

Embora ainda haja um longo caminho a percorrer para alcançar a igualdade de gênero na prática, passos importantes foram dados para reconhecer o papel fundamental da participação das mulheres na legislação ambiental transnacional efetiva — uma questão ausente da Conferência de Estocolmo de 1972.

Colher efetivamente as sementes plantadas em Estocolmo e colocar os direitos das mulheres no centro do direito ambiental transnacional será vital para enfrentar de frente a tripla crise de mudança climática, perda de biodiversidade e poluição. Isso associado à igualdade de gênero, ao reconhecimento universal do direito a um ambiente saudável e à inclusão do ecocídio como um crime contra a humanidade pode gerar ações transformadoras. Estocolmo+50 oferece uma oportunidade histórica para dizer que essas ideias chegaram para ficar.

A autora gostaria de agradecer ao Dr. Sam Geall do China Dialogue e ao professor Tang Yingxia da Faculdade de Direito da Universidade Nankai pelos valiosos comentários feitos na versão inicial deste artigo.