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Carros elétricos na República Dominicana: luxo ou meta realista?

País vê crescimento no mercado de veículos elétricos, mas custo elevado ainda é barreira para abandonar carros velhos e poluentes
<p>Carro elétrico em ponto de recarga na República Dominicana. Veículos elétricos ainda representam parte ínfima da frota de carros no país (Imagem: <a href="https://flickr.com/photos/presidenciard/50377819226/">Governo da República Dominicana</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.0/">CC BY-NC-ND</a>)</p>

Carro elétrico em ponto de recarga na República Dominicana. Veículos elétricos ainda representam parte ínfima da frota de carros no país (Imagem: Governo da República Dominicana, CC BY-NC-ND)

Em agosto de 2020, o então presidente eleito da República Dominicana, Luis Abinader, ganhou as manchetes ao chegar à cerimônia de posse em um Tesla preto. A escolha de um carro elétrico como veículo oficial não passou despercebida, atraindo até mesmo a atenção do CEO da Tesla, Elon Musk.

A escolha do presidente enviou um sinal positivo para os dominicanos. Porém, quase três anos depois, os veículos elétricos (VEs) ainda são como bichos exóticos no país. As importações aumentaram, mas ainda são raros nas ruas de Santo Domingo. 

Robert Abréu, dono de uma concessionária na capital dominicana, diz que vende mais carros elétricos do que convencionais. “A maré está mudando”, acredita Abréu, que vê um crescente interesse da classe média nesses veículos — não só pela redução das emissões de carbono, mas também pela possível economia de longo prazo em manutenção e combustível.

O Plano Estratégico de Mobilidade Elétrica da República Dominicana, lançado em 2020, observou haver um crescimento estável do transporte elétrico no país. Segundo estimativas preliminares, a importação de VEs triplicou em três anos, indo de 130 veículos em 2017 para cerca de 400 em 2019.

Em uma projeção moderada, o plano estabelece a meta de ter, até 2030, ao menos 10% de VEs entre os carros particulares e 20% no transporte público. Se atingidos, esses objetivos podem representar uma redução de 44% nas emissões de CO₂ a partir de veículos movidos a combustão interna, informa o documento.

A expansão dos carros elétricos vem ganhando força na ilha. Conforme dados da Direção-Geral de Impostos Internos, agência dominicana equivalente à Receita Federal no Brasil, 1.919 novos veículos elétricos foram registrados só em 2022 — 0,6% do total de mais de 310 mil novos automóveis.

Carro velho na República Dominicana
Automóveis antigos, conhecidos como chatarras (latas-velhas, em português), ainda são bastante comuns nas ruas dominicanas. Em 2022, quase 39% dos veículos do país foram fabricados no século passado (Imagem: Alamy)

Para Charles Sánchez, ex-presidente da Associação Dominicana de Mobilidade Elétrica (Asomoedo), o país está se tornando referência na América Latina e no Caribe. A nação insular ocupa o terceiro lugar em número de carros elétricos e carregadores per capita, à frente de países como Colômbia e México.

Apesar disso, uma análise da Mobilise Your City, aliança global de mobilidade urbana sustentável, identificou grandes desafios para a transição elétrica no país: entre eles, a desigualdade no acesso ao transporte, setor no qual ainda predominam a informalidade e a circulação de carros obsoletos e altamente poluentes.

Tributação diferenciada para carros elétricos

Em 2022, a frota dominicana de veículos era composta por 5,4 milhões de automóveis, dos quais 39% tinham registro de fabricação anterior ao ano 2000. Apenas 10% tinham cinco anos ou menos de fabricação.

A circulação de chatarras (latas-velhas) é um obstáculo para a transição do país, já que esses veículos em mau estado não só representam um risco à segurança nas estradas, mas também são mais poluentes do que os mais novos. 

Para tentar remediar esse problema, o Instituto Nacional de Trânsito e Transporte Terrestre anunciou que haverá inspeção obrigatória de veículos a partir de 2025. A medida, porém, já foi alvo de críticas. Políticos da oposição temem que as inspeções acabem nas mãos de empresas privadas — tarefa que, segundo eles, deveria ser responsabilidade exclusiva do Estado — e alertam que a mudança pode representar uma nova carga tributária para a população.

“A mobilidade elétrica seria o melhor para todos, mas é muito cara”, diz Antonio Marte, senador dominicano e líder sindical do setor de transportes. Marte descreve a frota interurbana do país como um “perigo público”, mas explica que “ninguém se preocupa” em renová-la porque os impostos de importação seriam muito altos. “Um ônibus elétrico aqui custa cerca de US$ 300 mil”, diz.

A mobilidade elétrica seria o melhor para todos, mas é muito cara
Antonio Marte, senador dominicano e líder sindical do setor de transportes

Marte levou um projeto de mobilidade elétrica ao governo no ano passado. A proposta envolveria a compra de dois mil carros elétricos fabricados na China para o serviço de táxi, financiados com o imposto de dois pesos dominicanos (R$ 0,17) por galão de combustível, já previsto pela lei 253-12. Criada em 2012, essa legislação tinha entre seus objetivos a renovação da frota de veículos e a melhoria das estradas. 

Marte reclama que, atualmente, qualquer veículo importado é retido pela alfândega quando chega ao país. 

A República Dominicana tem uma legislação que oferece incentivos à importação de veículos movidos a energia não convencional. A lei 103-13 reconhece que veículos “elétricos, a hidrogênio e relacionados são geralmente inacessíveis à população em geral devido ao alto custo inicial de uso”. Por esse motivo, foi estabelecida uma redução de 50% nos impostos de importação e na taxa de registro da placa do veículo.

O mercado de carros elétricos considera a lei positiva, mas nomes do setor acreditam que os incentivos fiscais devem ser ampliados: por exemplo, o atual imposto de 18% sobre transferências de bens e serviços industrializados (IVA) torna o preço total de um veículo ainda caro demais.

“Em outros países, foram eliminados todos os impostos sobre veículos elétricos, alguns pelo período de dois a cinco anos”, diz Charles Sánchez, da Asomoedo, que cita a Costa Rica como exemplo. Lá, há um aumento gradual do IVA sobre VEs, começando com 0% em 2022 e aumentando um ponto percentual a cada ano até chegar a 13% em 2035. O país também estabeleceu uma isenção total do imposto aduaneiro para VEs em 2022, que chegará a 25% em 2033.

Apesar de algumas poucas medidas favoráveis aos carros elétricos na República Dominicana, a participação do Estado para impulsionar o setor ainda é tímida. O Escritório Metropolitano de Serviços de Ônibus inaugurou cinco novas linhas em Santo Domingo entre janeiro de 2021 e maio de 2023, nenhuma com ônibus elétricos — contrariando o anúncio de que pelo menos uma teria EVs na frota.

Sánchez alega que o governo desistiu dos planos de eletrificar as novas linhas, provavelmente devido a conflitos de interesse com os sindicatos de transporte, para os quais o governo subsidia parte dos custos de combustível.

Ele também pede a criação de uma regra para que as entidades estatais liderem a transição para a mobilidade elétrica. Isso poderia ser feito, por exemplo, por meio de requisitos para que as licitações do setor de transporte tenham ao menos 30% de veículos não poluentes entre as opções.

‘O presente é elétrico’

Carlos Lantigua, engenheiro elétrico e vice-presidente da Asomoedo, recorda a primeira reunião de donos de veículos elétricos em 2017, quando a bateria e o alcance desses carros ainda eram relativamente limitados. 

“Naquela época, era uma utopia falar em mobilidade elétrica na República Dominicana, e agora é uma realidade”, diz Lantigua, com entusiasmo, na terceira edição da Expo Feira Mobilidade Sustentável, realizada em junho deste ano em Santo Domingo. O evento reuniu as principais empresas e importadores do setor e teve a exibição de mais de 60 modelos de veículos elétricos e híbridos, scooters e motocicletas. Um dos banners da exposição resumia o conceito do encontro: “O passado é história, o presente é elétrico”.

Pontos de recarga para veículos elétricos
A República Dominicana instalou mais de 500 pontos de recarga para veículos elétricos no país. Porém, a maior parte da energia consumida ainda é derivada de combustíveis fósseis (Imagem: Governo da República Dominicana, CC BY-NC-ND)

Após ter visitado o Salão do Automóvel de Xangai, em abril, um dos maiores eventos do setor automotivo, Lantigua destaca que a China é o principal produtor e consumidor de veículos elétricos, porque tem tudo o que é necessário: acesso a matérias-primas, tecnologia e mão de obra. Dessa forma, consegue fabricar carros elétricos eficientes a um bom preço, com baterias que podem atingir mil quilômetros de autonomia por carga, mesmo em alta velocidade.

Atualmente, há mais de 500 pontos de recarga em toda a República Dominicana, quase todos instalados pela empresa Evergo Dominicana.

Lantigua acrescenta que é fundamental impulsionar e integrar a energia renovável na transição para a mobilidade elétrica. Atualmente, 87% da energia consumida no país é derivada de combustíveis fósseis, e apenas 14% da eletricidade é gerada por fontes renováveis.

Altos custos e difícil acesso

O setor automotivo tem como desafio não só melhorar o desempenho dos veículos elétricos, mas também reduzir os impactos nocivos de seu processo de produção: a fabricação de baterias exige a extração de minerais e metais essenciais, como o lítio, que pode ter um alto custo ambiental para países como Bolívia, Argentina e Chile, no chamado Triângulo do Lítio.

Lantigua diz que, ao contrário dos veículos a combustão, os veículos elétricos sempre podem se tornar mais limpos, explicando as novas opções de baterias no horizonte: “As principais empresas chinesas não estão mais usando cobalto, estão substituindo-o por ferro. Este ano, a empresa chinesa CATL lançará a bateria de íons de sódio — literalmente feita com sal — e a ‘bateria condensada’, muito mais fácil de fabricar e mais eficiente”.

Sobre sua passagem pela China, Lantigua diz que visitou cidades onde quase 50% dos carros já são elétricos: “O mercado está mudando radicalmente”.

Especialistas calculam que as inovações e a crescente demanda farão com que os preços dos veículos elétricos se igualem aos dos veículos convencionais por volta de 2026.

Enquanto isso, nos últimos anos, crescem os apelos de ambientalistas para a promoção de modais alternativos de transporte: o deslocamento a pé, o transporte coletivo, a bicicleta, entre outros. 

“Se quisermos cumprir o Acordo de Paris e as metas do milênio, devemos alcançar a micromobilidade e o transporte elétrico de massa”, conclui Lantigua. Sua empresa, a GigaAuto, foi a que vendeu o Tesla para o presidente Rodrigo Chaves.

Esta reportagem foi produzida com o apoio da Climate Tracker América Latina. Esta versão traduzida e editada foi publicada com autorização.