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Argentina quer triplicar exportações de minérios apesar de conflitos sociais

Governo introduz novos incentivos para o crescimento do setor na próxima década, embora organizações sociais e ambientais alertem para impactos locais
<p>Caminhões operam na mina de ouro Veladero da Barrick Gold, na província argentina de San Juan (Imagem: Marcos Brindicci / Alamy)</p>

Caminhões operam na mina de ouro Veladero da Barrick Gold, na província argentina de San Juan (Imagem: Marcos Brindicci / Alamy)

O governo argentino vem buscando aumentar a produção minerária do país para incentivar o ingresso de divisas, com a introdução de um conjunto de novos incentivos para o setor.

Com as datas de vencimento de sua pesada dívida externa já no horizonte e em meio às negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para refinanciar um empréstimo de US$ 57 bilhões, o governo Fernández vislumbra incentivar a exploração de diversos minerais como forma de impulsionar sua economia.

Porém, a expansão do setor por meio de um novo esquema de incentivos enfrenta questionamentos do lado socioambiental, devido ao impacto da atividade nas comunidades locais. O episódio mais recente foi a aprovação da mineração em áreas da província de Chubut, o que provocou protestos e levou o governo a rever sua decisão.

Por outro lado, o novo impulso ocorre em um contexto de transição energética e aumento da demanda global por minerais essenciais para muitas tecnologias. De acordo com a Agência Internacional de Energia, a demanda por minerais deverá dobrar ou até quadruplicar até 2040, dependendo do nível de adoção de novas tecnologias.

Números da mineração argentina

Dados da secretaria de mineração da Argentina mostram que nove projetos de mineração de metais estão atualmente em operação no país. Os principais produtos são ouro, prata, chumbo e zinco, juntamente com o muito falado lítio, para o qual há dois projetos em operação e outro em construção. As operações estão concentradas nas províncias de San Juan, Santa Cruz, Catamarca, Salta e Jujuy.

Nos últimos anos, esses minerais foram extraídos por várias empresas com capital estrangeiro e subsidiárias locais. Estas incluem: a empresa canadense Barrick Gold e a chinesa Shandong Gold, que compõem a Minera Andina del Sol; a sul-africana AngloGold Ashanti, que administra a mina de ouro e prata Cerro Vanguardia; os gigantes multinacionais Glencore, Newmont e Yamana, que operam a mina de ouro e cobre Minera Alumbrera; a americana Newmont Goldcorp — maior empresa de mineração de ouro do mundo — e sua subsidiária argentina, Oroplata; e a Minera Santa Cruz, operada conjuntamente pela britânica Hochschild e canadense McEwen Mining.

Você sabia?


O setor de mineração argentina quase não paga impostos sobre o valor agregado (IVA) e tem um regime especial para o imposto de renda.

O setor de mineração argentino opera por meio de concessões às províncias, que são as proprietárias dos recursos. Após pressões sociais, Mendoza, Chubut, Córdoba e San Luis aprovaram legislações que limitam ou proíbem a atividade minerária local.

A mineração em grande escala tem sido impulsionada desde meados da década de 1990 por meio da baixa tributação, medidas de estabilidade fiscal e a possibilidade de resolver disputas legais em tribunais internacionais. O setor quase não paga impostos sobre o valor agregado (IVA) e tem um regime especial para o imposto de renda.

Em 2020, afetadas pela pandemia da Covid-19, as exportações de minério caíram para US$ 2,6 bilhões, contra US$ 3,2 bilhões em 2019. Mas a contribuição do setor em termos de valor agregado é muito inferior ao peso nas exportações: sua contribuição ao PIB argentino é de apenas 0,6%, de acordo com dados oficiais. Empregos diretos registrados no setor atingiram 9.681 em 2019, representando apenas 0,15% do emprego formal no país. São esses números que o governo espera ver crescer com seu novo conjunto de incentivos.

Novo compromisso com a mineração

O governo de Alberto Fernández se propôs a aumentar as exportações anuais de mineração para mais de US$ 10 bilhões nos próximos dez anos, graças aos investimentos de US$ 25 bilhões dos 34 projetos de mineração do país que já estão avançados.

Para proporcionar um incentivo adicional, os impostos de exportação do setor foram reduzidos de 12% para 8% em outubro de 2020. Já para 2022, o governo considera um esquema ainda mais flexível. Além disso, em abril passado, a transferência para o exterior de lucros e dividendos foi flexibilizada para exportadores que investem mais de US$ 100 milhões.

Os novos incentivos fazem parte do plano estratégico para o desenvolvimento da mineração, cuja apresentação oficial foi adiada por vários meses, embora muitos de seus detalhes já tenham sido anunciados. O programa propõe oficialmente uma abordagem ligada à sustentabilidade e ao diálogo com vários atores da sociedade, bem como inclui benefícios e incentivos adicionais para as empresas mineradoras.

“A carga tributária [na Argentina] ainda é maior do que nos países com os quais compete em termos de produção minerária”, diz Luciano Berenstein, diretor-executivo da Câmara Argentina de Empresários da Mineração. O setor pede ao governo que reduza ainda mais os impostos retidos na fonte sobre os salários de funcionários, acelere o reembolso do IVA e aumente o acesso ao mercado de câmbio.

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projetos de mineração da Argentina já se encontram em estado avançado. O governo espera aumentar as exportações anuais do setor para mais de US$ 10 bilhões nos próximos dez anos.

Daniel Schteingart, diretor do Centro de Estudos de Produção, órgão ligado ao Ministério de Desenvolvimento Produtivo, argumenta que a mineração na Argentina é, juntamente com os hidrocarbonetos, o setor que paga os salários mais altos e tem a maior taxa de emprego formal da economia.

“A mineração deixa muito mais no país do que o normalmente declarado”, acrescenta Schteingart. Ele informa que entre 12% e 14% de suas vendas ficam em impostos — a maioria em seguridade social e retenções tributárias —, 30% com fornecedores, e entre 11% e 12% com a massa assalariada. Além disso, parte dos lucros do setor é reinvestido.

O governo saudou o recente anúncio da canadense Lundin de que investirá US$ 4,2 bilhões para produzir cobre, ouro e prata na província de San Juan. Segundo estimativas da empresa, ela vai gerar 2.500 empregos e US$1,7 bilhão em exportações anuais. Ela estima iniciar suas operações em 2026 e ter uma vida útil de até 19 anos.

A também canadense Barrick Gold e a chinesa Shandong Gold anunciaram investimentos para estender a vida útil da Veladero — maior mina de ouro da Argentina — até 2030, enquanto a mina Lindero, operada pela canadense Fortuna Silver Mines, começou a operar este ano. Ela se tornou a primeira mina a céu aberto na província de Salta.

Enquanto isso, há investimentos para expandir a extração de lítio em projetos da Orocobre-Toyota, uma parceria australiana e japonesa, e pela americana Livent, e da Cauchari-Olaroz, que será operada pela Minera Exar, uma joint venture entre a canadense Lithium Americas e a chinesa Ganfeng Lithium. Também houve investimentos da francesa Eramet na construção do projeto Centenario-Ratones, que vai operar a partir de 2022.

Mineração e conflitos sociais na Argentina

Apesar dos argumentos do governo sobre o compromisso com a sustentabilidade e a consulta pública de comunidades, organizações ambientais estão céticas de que haverá mudanças, dada a forma como o setor se desenvolveu no passado.

“Vemos um horizonte crescente de conflitos com as comunidades, porque a mineração em larga escala tem tradicionalmente provocado todo tipo de enfrentamento nas últimas duas décadas”, explica Pía Marchegiani, diretora da organização ambiental Farn. “A sociedade civil está organizada, e os governos têm falhado em ouvir e administrar conflitos”.

O principal problema, segundo Marchegiani, é o uso da água, já que os projetos estão localizados nas cabeceiras dos rios, que suprem comunidades mais adiante nas bacias.

“Há competição pelo recurso”, diz a diretora na Farn. “Isto ocorre num contexto de falta de informação e de participação das comunidades, fraquezas institucionais e a criminalização dos protestos. Como resultado, quando se trata de tomada de decisões, geralmente não há opções a não ser a rejeição total”.

O ponto de virada ocorreu em 2015, quando o maior acidente na história da mineração nacional ocorreu na mina Veladero em San Juan, administrada pela Barrick Gold. Cinco rios da província foram contaminados com metais pesados por causa de uma válvula quebrada.

A sociedade civil está organizada, e os governos têm falhado em ouvir e administrar conflitos

“Isso reabriu debates sobre a inerente incerteza a esse tipo de projeto, não apenas em relação ao impacto ambiental, mas também na transparência e capacidade do governo de controlar [a atividade]”, diz Lucrecia Wagner, pesquisadora da agência governamental de ciência e tecnologia, a Conicet.

Marcelo Giraud, membro da Ampap, uma organização que luta pela água limpa na província de Mendoza, argumenta que, embora os salários da mineração sejam mais altos do que a média, tais empregos não beneficiam os nativos das províncias, e sim migrantes regionais e internacionais.

“Não é muito correto dizer que a mineração representa uma contribuição substancial para a demanda de mão-de-obra local”, afirma Giraud. “Quando fica claro que a sociedade não concedeu uma ‘licença social’ aos projetos de mineração, a geração de empregos não é, de forma alguma, um argumento convincente para contrabalançar os impactos e riscos envolvidos”.

Para Nicolás Gutman, responsável pela área ambiental no Centro de Estudos Econômicos e Sociais Scalabrini Ortiz, “é um erro pensar que, ao se facilitar o negócio e entregar a riqueza da mineração, haverá desenvolvimento”.

“Não há capacidade de controle por parte das províncias, e as empresas não estabelecem fornecedores locais porque podem trazer máquinas gratuitas que deixaram de usar em outras partes do mundo”, acrescentou.

Apesar das preocupações e contestações dos grupos da sociedade civil, é provável que o governo de Fernández prossiga com o novo esquema, com a apresentação formal de seu plano estratégico, o Pedma, previsto para o início deste ano, após sua paralisação em 2021. Relatórios defendem que o governo buscará consenso com a sociedade civil antes de sua apresentação.