Oceanos

Seis formas de capturar CO₂ nos oceanos — ou causar mais estragos ambientais

Há várias propostas para aumentar a captura de carbono pela água do mar. Mas muitas são incipientes e podem gerar mais problemas do que soluções
<p>A restauração de ecossistemas costeiros como manguezais e pradarias marinhas pode ajudar a absorver o CO₂ (Imagem: Mathieu Foulquie / Alamy)</p>

A restauração de ecossistemas costeiros como manguezais e pradarias marinhas pode ajudar a absorver o CO₂ (Imagem: Mathieu Foulquie / Alamy)

Como qualquer pessoa que tenha consumido uma bebida gaseificada pode perceber, o CO₂ se dissolve na água. E essa é uma informação refrescante para o nosso planeta: com 70% da superfície da Terra coberta por oceanos, esse processo físico atua como um freio ao aquecimento global.

Desde a Revolução Industrial, o oceano absorveu um quarto das emissões de dióxido de carbono resultantes da queima de combustíveis fósseis. Isso significa que os mares são os responsáveis, de certa forma, por limpar nossa sujeira. Ao fazê-lo, reduzem os gases de efeito estufa na atmosfera e equilibram a tempuratura terrestre.

Infelizmente, com o aumento galopante das emissões provenientes da atividade humana, os oceanos não conseguem absorver carbono na velocidade necessária. Mas haveria alguma forma de acelerar esse processo?

Alguns cientistas acreditam ser possível, sim, apressar artificialmente o ritmo de absorção de carbono dos oceanos. Eles sugerem uma série de tecnologias, que vão desde as mais complexas às mais simples. Se forem bem-sucedidas, elas poderão nos ajudar nas próximas décadas, à medida que o mundo avança rumo às economias de baixo carbono.

Os métodos de remoção de dióxido de carbono (CDR, na sigla em inglês) pelos oceanos são, porém, bastante controversos. Muitos desses sequer foram testados — muito menos na escala necessária — e podem ter efeitos colaterais. Alguns podem ser caros e servir apenas como distração em meio à necessidade urgente de reduzir as emissões, mas também podem nos ajudar quando mais precisarmos. Com a popularização da CDR, cada vez mais cientistas analisam seus riscos e benefícios. Um relatório das Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos identificou os métodos mais promissores. A seguir, explicamos como cada um deles funciona.

Fertilização com ferro

Uma das ideias mais antigas de CDR, a fertilização com ferro visa explorar o uso do carbono por enormes conglomerados de fitoplânctons, micro-organismos marinhos capazes de realizar fotossíntese.

Assim como as plantas, esses plânctons usam a luz solar e o CO₂ para produzir energia e crescer. Quando morrem e afundam nas profundezas do oceano, levam consigo o carbono incorporado em seus corpos microscópicos. Isso parece pouco, mas os octilhões de fitoplânctons espalhados pelo mar são os principais responsáveis por capturar o carbono da atmosfera nos oceanos.

Além disso, o fitoplâncton precisa de outros nutrientes para crescer, e esses podem estar em falta na água do mar. Cientistas sabem, por exemplo, que o crescimento de muitas espécies é limitado pela falta de ferro. 

Por essa lógica, para aumentar a quantidade de fitoplânctons e, consequentemente, a captura de carbono, bastaria adicionar ferro à superfície marinha, onde eles crescem. Funcionaria como na fertilização natural: as correntes trazem água rica em nutrientes das profundezas, ou os ventos espalham poeira contendo ferro e cinzas vulcânicas pelo mar. Uma forma de aprimorar esse processo é aumentar o ferro na atmosfera por meio de aerossóis.

Imagem de satélite mostra redemoinhos verdes, indicando o crescimento natural de fitoplânctons no Golfo do Alasca, Estados Unidos
Imagem de satélite mostra redemoinhos verdes, indicando o crescimento natural de fitoplânctons no Golfo do Alasca, Estados Unidos. O fenômeno ocorre pela dispersão do ferro terrestre, levado pelas marés até as águas ricas em nitrato, criando um ambiente nutritivo para os micro-organismos (Imagem: NASA’s Earth Observatory / Flickr, CC BY NC)

Porém, há preocupações sobre os impactos ambientais da adição de grandes volumes de ferro aos oceanos, já que isso poderia perturbar seu ecossistema e ter efeitos indiretos sobre as cadeias alimentares, por impulsionar o crescimento de algas. Por enquanto, a ideia está sendo testada em pequena escala.

Ressurgência e subsidência

O fitoplâncton que vive perto da superfície do oceano remove carbono da atmosfera e o transporta para o fundo do mar quando morre — um processo impulsionado por correntes oceânicas profundas que trazem água rica em nutrientes de baixo. Então, em vez de adicionar ferro no mar, cientistas poderiam favorecer essa fertilização natural do fitoplâncton?

Para isso, poderiam usar a chamada ressurgência artificial: um tubo vertical no oceano traria água à superfície, promovendo o crescimento de fitoplânctons. Enquanto isso, outro tubo faria o caminho oposto, acelerando o depósito de água com carbono no fundo e impulsionado o fluxo de água ascendente — a subsidência. Embora seja um sistema simples, a estrutura necessária para movimentar quantidades colossais de água impõe desafios: os tubos verticais precisariam ter centenas de metros de comprimento e 20 metros de largura para transportar uma quantidade de água que valha a pena. Em alguns projetos, eles aparecem ancorados no fundo do mar; em outros, flutuam.

O bombeamento líquido é caro e consome muita energia. E de onde viria essa energia? Os painéis solares dariam conta do recado? A ação das ondas marinhas poderia ajudar a empurrar a água da superfície para baixo? O equipamento poderia quebrar, aumentando o problema da poluição nos oceanos? Muitas dúvidas seguem em aberto. Até agora, vários experimentos foram realizados no oceano profundo, em lagos e fiordes, em pequena escala. Mas especialistas temem que, se realizada em grande escala, a técnica altere o perfil de densidade e temperatura do oceano, com possíveis impactos sobre a vida marinha.

A fertilização com ferro alimenta os fitoplânctons, que capturam CO₂ à medida que crescem. Quando morrem, os organismos levam o carbono até o fundo do oceano
A fertilização com ferro alimenta os fitoplânctons, que capturam CO₂ à medida que crescem. Quando morrem, os organismos levam o carbono até o fundo do oceano. A ressurgência e a subsidência artificiais buscam incentivar o crescimento do fitoplâncton trazendo das profundezas, por meio tubulações, águas ricas em nutrientes. Já as águas superficiais com fitoplâncton e carbono seriam enviadas às profundezas do oceano (Gráfico: James Round / Diálogo Chino)

Cultivo de algas marinhas

Assim como o fitoplâncton, outras algas marinhas maiores também absorvem dióxido de carbono. As pesquisas para o cultivo de algas marinhas focam naquelas que crescem em praias rochosas. Isso traria problemas ao armazenamento de carbono porque nas águas rasas essas algas costeiras se desintegram. E, como essas águas superficiais são mais agitadas, é possível que o carbono seja liberado novamente na atmosfera — embora algumas pesquisas indiquem que boa parte do carbono das algas costeiras poderia chegar às profundezas.

Cultivar mais algas marinhas é uma maneira interessante de capturar e armazenar carbono por um tempo — a questão é o que fazer com elas depois. Elas poderiam, por exemplo, ser usadas como biomassa para a geração energia ou como alimento para animais e humanos. Defensores do cultivo de algas marinhas argumentam até que a prática geraria créditos de carbono. O cultivo de algas marinhas já ocorre em várias partes do mundo, mas precisaria ser ampliado significativamente para trazer benefícios ao clima.

Cultivo de nori, alga marinha comestível, na costa de Sansha, província de Fujian, China
Cultivo de nori, alga marinha comestível, na costa de Sansha, província de Fujian, China. O cultivo de algas marinhas precisaria ser ampliado significativamente para trazer benefícios ao clima (Imagem: Amadeja Plankl / Alamy)

Proteção e restauração

Negligenciados por anos, os ecossistemas costeiros ricos em sedimentos agora estão no centro das discussões de captura de carbono. Manguezais, pântanos e pradarias marinhas — fronteiras entre a terra e o mar — são abundantes em carbono. A matéria orgânica na forma de folhas, madeira, raízes e vida marinha morta contêm estoques gigantescos de carbono, acumulados ao longo de milhares de anos.

Alvo frequente da urbanização costeira, esses ecossistemas vêm sendo degradados ou até completamente devastados, o que pode liberar na atmosfera todo o carbono armazenado até então. Protegê-los contra a destruição já é um bom começo, inclusive para aumentar sua capacidade de captura. Esses ecossistemas repletos de sedimentos agora são considerados armazenadores do chamado “carbono azul”. E os projetos de carbono azul podem gerar créditos de carbono, impulsionando uma corrida de empresas para bancar projetos que compensem suas emissões.

Mas, assim como nas florestas terrestres, a captura de carbono por meio da restauração de ecossistemas de carbono azul só será duradoura enquanto eles forem protegidos.

Ecossistemas costeiros como manguezais, pântanos e pradarias marinhas armazenam enormes quantidades de carbono ao reunir sedimentos de matéria orgânica morta.
Ecossistemas costeiros como manguezais, pântanos e pradarias marinhas armazenam enormes quantidades de carbono ao reunir sedimentos de matéria orgânica morta. A proteção e a restauração desses habitats ajudarão a remover mais CO₂ da água do mar e da atmosfera. O cultivo de algas marinhas faria algo semelhante, embora não esteja claro como o carbono capturado pelas algas seja armazenado no longo prazo (Gráfico: James Round / Diálogo Chino)

Aumento da alcalinidade do oceano

Quando a água do mar com CO₂ se torna mais alcalina — ou seja, menos ácida —, isso desencadeia uma série de reações químicas. O produto final é um carbono convertido em diferentes moléculas, incluindo carbonatos e bicarbonatos.

Isso pode ser benéfico por dois motivos: primeiro, essas novas moléculas são mais estáveis e, portanto, mais propensas a manter o carbono preso e não liberá-lo de volta à atmosfera; segundo, com o CO₂ convertido em sais, a água consegue absorver mais dióxido de carbono da atmosfera. Esses dois processos podem ajudar a combater o aquecimento global.

Esse segundo processo, também chamado de intemperismo, já ocorre naturalmente à medida que rochas ou conchas alcalinas se dissolvem lentamente na água do mar. Mas seria possível acelerar esse processo? 

Uma das ideias consiste em adicionar às praias alguns tipos de minerais alcalinos triturados, como o cal, para, com o tempo, sofrerem desgastes e serem levados pelo mar. Também poderiam ser despejados de navios no mar.

Há uma vantagem ambiental nessa proposta: o acréscimo de matéria alcalina combateria a crescente acidificação dos oceanos, fenômeno provocado pela absorção de emissões de carbono geradas pela atividade humana. Por outro lado, a mineração envolvida nesse processo pode ser uma prática destrutiva, e a prática de se acrescentar os minerais no mar poderia causar o acúmulo de toxinas prejudiciais à vida marinha. Mesmo assim, há planos para testar a ideia.

A adição de cal e outros materiais alcalinos triturados ao oceano remove CO₂ da água. Isso porque ele desencadeia reações que convertem o CO₂ dissolvido em outras moléculas que retêm carbono. Da mesma forma, o impulso elétrico na água marinha aumenta a alcalinidade e libera CO₂, que pode ser então capturado
A adição de cal e outros materiais alcalinos triturados ao oceano remove CO₂ da água. Isso porque ele desencadeia reações que convertem o CO₂ dissolvido em outras moléculas que retêm carbono. Da mesma forma, o impulso elétrico na água marinha aumenta a alcalinidade e libera CO₂, que pode ser então capturado (Gráfico: James Round / Diálogo Chino)

Eletrificação da água do mar

Um pouco mais de química: quando uma corrente elétrica passa pela água do mar, isso causa um caos molecular. A carga rompe a ligação entre as moléculas de hidrogênio e oxigênio da água (H₂O, é claro). Ao serem liberados, esses componentes desencadeiam novas reações com o sódio e o cloro do sal (NaCl).

Essas reações podem ser aproveitadas de algumas maneiras: como método de captura do CO₂; ou promovendo a alcalinidade, que estimula a conversão do CO₂ dissolvido (ou seja, CO₂ ao reagir com a água do mar) em carbonatos mais estáveis.

Essas duas possibilidades deixam a água do mar com um teor menor de CO₂, permitindo que absorva mais gás carbônico da atmosfera. O sistema funcionaria mais ou menos assim: a água marinha seria bombeada para uma estação de tratamento, onde passaria por um processo de eletrificação e depois retornaria ao oceano. Mas, para que isso seja feito de forma barata e sustentável, será necessário encontrar uma forma renovável de gerar a energia usada no processo.

A modelagem e os cálculos teóricos sugerem que a ideia pode funcionar, e pesquisadores agora querem construir o equipamento necessário para colocá-la em prática.

Esta matéria foi publicada originalmente no China Dialogue Ocean.