Escondidas sob a imensidão da região sudeste do Oceano Pacífico, as cadeias de montanhas submarinas estão entre os lugares ecologicamente mais ricos da Terra.
Com uma extensão de quase 3 mil quilômetros entre a ilha chilena de Rapa Nui, no Pacífico Sul, e as costas do norte do Chile e do sul do Peru, as cordilheiras submarinas de Nazca e Salas e Gómez abrigam mais de 90 espécies consideradas ameaçadas de extinção, quase ameaçadas ou vulneráveis, incluindo tubarões, aves marinhas, baleias, tartarugas e corais.
Os cumes dessas formações rochosas apresentam os mais altos níveis de endemismo marinho já registrados — ou seja, uma grande quantidade de espécies encontradas somente naquela área. Esses locais são vitais para reprodução da vida marinha, incluindo a cavala e a lula-de-humboldt, que têm um peso comercial relevante, mas também um profundo significado cultural para as comunidades insulares do Pacífico.
Esses ecossistemas remotos estão em risco. A pesca industrial, sobretudo a pesca de arrasto de fundo, ameaça a biodiversidade dessas áreas ainda pouco estudadas e desprotegidas. Políticos e ativistas têm avançado para priorizar a conservação desses santuários submarinos. Sem ações urgentes, eles podem se perder para sempre.
Ponto de virada na proteção dos oceanos
Em uma reunião recente da Organização Regional de Gestão de Pesca do Pacífico Sul (SPRFMO), em Santiago, os países da região concordaram em criar um plano para assegurar a proteção desse local rico em biodiversidade. Porém, esse processo anda a passos lentos.
A SPRFMO é um órgão intergovernamental criado em 2012 com o objetivo de garantir a sustentabilidade da pesca e o uso responsável dos recursos marinhos. A entidade estabelece limites de captura, monitora a pesca e conduz pesquisas científicas.
O governo chileno se comprometeu a proteger as cordilheiras submarinas localizadas em seu território marítimo, criando grandes áreas marinhas protegidas (AMPs) em torno das zonas mais sensíveis. Agora, o Chile defende a conservação das cordilheiras de Nazca e Salas e Gómez — cuja maior parte fica em águas internacionais, sob a supervisão da SPRFMO.
A Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar divide o oceano em várias zonas que garantem certos direitos aos Estados.
Mar territorial: faixa que se estende por 12 milhas náuticas a partir da costa de um país, integrando o território dessa nação.
Zona contígua: zona que vai 12 milhas náuticas além do mar territorial, garantindo ao país alguns direitos legais sobre essa área.
Zona econômica exclusiva (ZEE): faixa que se estende por 200 milhas náuticas a partir da costa, conferindo ao país a gestão dos recursos naturais daquela área.
Alto-mar: também chamado de águas internacionais, fica a 200 milhas náuticas além da costa, cobrindo dois terços do oceano.
Esse esforço, apoiado pela Coalizão de Recifes de Coral do Alto-Mar, cujos membros incluem organizações como a Oceana, a Conservação Internacional e o Centro de Ecologia e Manejo Sustentável das Ilhas Oceânicas, cria um precedente importante para as iniciativas de proteção da vida em alto-mar. O primeiro passo para isso seria a suspensão da pesca nessas áreas sensíveis, abrindo o caminho para que essas cordilheiras se tornem uma AMP de alto-mar nos próximos anos.
Caminho para a proteção no Pacífico Sul
Em 2022, o governo chileno propôs à SPRFMO a proibição da pesca de cavala e lula-de-humboldt nas cordilheiras submarinas próximas de sua costa. A proposta foi analisada em uma reunião da organização em 2024 no Equador e, desde então, o comitê científico designou um grupo para “compilar e revisar todas as informações e dados científicos relevantes sobre essas áreas e recomendar possíveis medidas”.
Apoiada pela Coalizão de Recifes de Coral do Alto-Mar, a análise dessa equipe deve sugerir caminhos para a conservação, o que pode incluir a proibição da pesca. A própria comissão da SPRFMO precisará decidir e aprovar uma dessas opções.
Na reunião de 2025 da SPRFMO em Santiago, a comissão concordou em tomar uma decisão sobre o tema até 2026, levando em consideração o pedido apresentado pelo Chile.
Precisamos de ações rápidas para proteger esse lugar especial. A cada expedição à região, novas espécies são descobertas e aprendemos mais sobre a importância do ecossistema para a saúde do planeta. É nossa missão garantir que as cordilheiras de Salas e Gómez e Nazca, embora escondidas nas profundezas do oceano, não sejam esquecidas nas negociações que determinam seu futuro.
Não se pode adiar mais a decisão sobre a gestão dessas áreas sensíveis, e os governos devem envolver seus melhores cientistas nesse processo.
Políticas públicas, conservação e pesca
O oceano é tão vasto, produtivo e biodiverso que temos espaço suficiente para uma pesca saudável e outra parte importante delimitada pelas AMPs — que, por sua vez, ajudam a abastecer as atividades pesqueiras. A proteção dos ecossistemas fortalece a natureza, a regulação do clima, as comunidades costeiras e os meios de subsistência.
A SPRFMO é mais do que um fórum de políticas públicas sobre o oceano, é um espaço para mostrar que a conservação e a pesca sustentável podem andar lado a lado em alto-mar.
O Tratado de Alto-Mar, firmado em 2023, é um marco histórico que permitirá criar AMPs em todos os oceanos do mundo além da jurisdição nacional. Para entrar em vigor e se tornar uma lei internacional, o tratado deve ser ratificado por 60 países — até agora, apenas 21 nações avançaram com a ratificação. A campanha Juntos pelo Oceano, que reúne organizações ambientais de diversos países, cobra dos governos a ratificação do tratado até junho deste ano, mês no qual será realizada a conferência da ONU sobre o oceano, na França.
O alto-mar cobre 43% da superfície do planeta. Sua proteção por meio de AMPs e outras medidas de conservação é essencial para atingir a meta global de proteger pelo menos 30% do oceano até 2030 (também conhecida como meta 30×30). Embora esses compromissos tenham aumentado recentemente, apenas 8,3% dos oceanos do mundo estão formalmente protegidos — e, na prática, a escassa fiscalização e regulamentação permite que as atividades prejudiciais ao meio ambiente sigam operando nesses locais.
Agora, as nações precisam cumprir a meta 30×30, implementando ações eficazes para preservar as áreas marinhas prioritárias do ponto de vista ecológico e biológico — entre as quais estão as cordilheiras submarinas de Nazca e Salas e Gómez.