Clima

Vendedores ambulantes lutam contra efeitos do calor extremo no Sul Global

Governos e cientistas buscam soluções para problemas de saúde e renda de trabalhadores ambulantes, fortemente afetados pela elevação das temperaturas nos países subdesenvolvidos
<p>Homem vende limonada em dia quente ao lado da mesquita Jama Masjid, em Déli, na Índia (Imagem: Joerg Hackemann / Alamy)</p>

Homem vende limonada em dia quente ao lado da mesquita Jama Masjid, em Déli, na Índia (Imagem: Joerg Hackemann / Alamy)

Quando uma pessoa é exposta ao calor extremo, o corpo aumenta o fluxo sanguíneo para a pele, que tenta se resfriar desesperadamente.

Essa tentativa de resfriamento cria mais pressão sobre os órgãos internos e, se a exposição for prolongada, pode resultar em falência dos órgãos. 

“Os efeitos são particularmente graves no cérebro, embora órgãos como o coração e os rins sejam os que geralmente registram falências crônicas”, explicou Jonathan Lee, pesquisador em saúde ambiental na Universidade de Boston, nos Estados Unidos.

As pesquisas de Lee estão focadas nos efeitos prolongados do calor extremo em um grupo extremamente vulnerável e negligenciado: aqueles que trabalham ao ar livre. Esse grupo sempre esteve exposto a condições climáticas adversas, mas agora os riscos são maiores.

De acordo com um relatório da Climate Central publicado em maio, quase metade da população mundial sofreu pelo menos 30 dias de calor extremo devido às mudanças climáticas nos últimos 12 meses. O relatório define calor extremo como as temperaturas “mais elevadas do que 90% daquelas registradas na mesma área, no período de 1991 a 2020”.

Muitos estudos analisam os problemas de saúde resultantes da exposição ao calor em todo o mundo, incluindo problemas de curto prazo, como desidratação e insolação, além de outros mais crônicos, como insuficiência renal. Porém, poucas pesquisas abordam as questões enfrentadas especificamente por quem trabalha na rua, como feirantes ou vendedores ambulantes, segundo Nash Tysmans, coordenadora da Streetnet International na Ásia, organização transfronteiriça que reúne sindicatos de vendedores ambulantes em 55 países.

De acordo com ela, essa falta de dados e análises sobre o tema – especialmente no Sul Global – dificulta a avaliação da dimensão do problema enfrentado pelos ambulantes. 

Mesmo assim, há uma percepção de que a pressão sobre esses trabalhadores está aumentando: “Para eles, as mudanças climáticas já são palpáveis. Elas agravam as condições precárias de trabalho. As pessoas estão percebendo os efeitos sobre sua saúde e renda”, concluiu Tysmans.

Tysmans liderou uma pesquisa de campo com a Oxfam para conversar com dezenas de vendedores ambulantes em Laos, Camboja e Vietnã. Cerca de 77% dos entrevistados destacaram os riscos que as mudanças climáticas representam para sua saúde e seus negócios. 

Para Lee, o uso de equipamentos de proteção individual pode ajudar os trabalhadores a lidar com as altas temperaturas. Isso inclui coletes refrigerados e ventiladores, por exemplo. Em caso de ondas de calor, as cidades podem decretar situação de emergência e criar centros de assistência para que as pessoas possam se proteger do calor extremo. A arborização de áreas urbanas e a criação de sombra também estão entre as soluções estudadas ao redor do mundo.

Doenças, perdas econômicas e planos de emergência

Embora os vendedores ambulantes em grande parte da Ásia enfrentem inundações e tempestades que ameaçam suas vidas e negócios há muito tempo, o calor também se tornou um problema crônico. O continente está aquecendo quase duas vezes mais rápido que a média global, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial.

Além dos problemas de saúde associados ao calor, ele também pode prejudicar a renda dos vendedores ambulantes. “Quando conversamos com eles, eles mencionam primeiro as perdas econômicas”, destacou Tysmans. 

Os alimentos frescos apodrecem mais rápido com o calor, aumentando os custos e reduzindo os ganhos. As altas temperaturas também afastam os clientes.

“As pessoas não saem nas horas mais quentes do dia, que sempre coincidem com o horário de trabalho dos vendedores. Muitos optam por trabalhar à noite, mas o fluxo de pessoas não é o mesmo”, observou Tysmans.

Conforme o estudo liderado por Tysmans, a renda de alguns vendedores ambulantes sofre uma queda de 30% a 40% em situações de calor extremo. Quando se somam os custos extras com gelo e água, o impacto econômico é ainda maior. A pobreza, por sua vez, agrava os problemas de saúde, dificultando o acesso a uma alimentação saudável e a tratamento médico adequado.

Vulnerabilidade agravada pela insegurança

Um dos países mais afetados pelo calor extremo é a Índia. Na cidade de Nova Déli, 33,8 milhões de pessoas têm que lidar com temperaturas que, no ano passado, atingiram um recorde de 49 °C. 

Déli tem cerca de 652 mil vendedores ambulantes: nesse grupo, 94% dos homens e 46% das mulheres afirmam trabalhar mais de 48 horas por semana, como mostra uma pesquisa publicada no ano passado pela organização Women in Informal Employment: Globalizing & Organizing.

Durante as ondas de calor, mais da metade dos vendedores ambulantes sofre de dores de cabeça, desidratação, fadiga e cãibras, segundo um estudo publicado em 2024 pelo Greenpeace e pela Federação Nacional de Vendedores Ambulantes da Índia. 

Como muitas outras cidades densamente povoadas, Déli elaborou planos de emergência para lidar com o problema. O plano de ação 2024/25 identifica os vendedores ambulantes como um dos setores mais vulneráveis. Ele recomenda mais centros de saúde, melhoria no abastecimento de água e a promoção do comércio noturno. Mas, novamente, a falta de dados complica as ações concretas. Não há informações precisas sobre essa população ou de sua distribuição, dificultando a identificação dos focos prioritários para a criação de centros de saúde ou as melhorias na rede de abastecimento de água.

A busca pelo trabalho formal

Na América Latina, a informalidade dos vendedores ambulantes também contribui para a precarização das condições de trabalho. Quando o fator climático é adicionado, os desafios são ainda maiores. 

Jorge Peralta, secretário-geral da Federação Nacional de Trabalhadores e Vendedores Independentes da Guatemala, falou ao Dialogue Earth sobre sua experiência no fórum da União Geral dos Trabalhadores Informais da Colômbia, realizado no ano passado, em Medellín: “O evento me impressionou muito”, contou, destacando a maneira como foram abordados os efeitos das mudanças climáticas na saúde dos trabalhadores. “Lá, compreendi que as mudanças climáticas geram migração e que a exposição constante ao sol aumenta o risco de câncer de pele e afeta toda a dinâmica do nosso trabalho”, disse Peralta, cuja organização representa mais de 125 mil vendedores guatemaltecos. 

A altitude elevada na Cidade da Guatemala — capital do país, a 1,5 mil metros acima do nível do mar — faz com que temperaturas acima de 30 °C sejam raras. Mas o líder sindical destacou que, nos últimos anos, a cidade tem sofrido ondas de calor que podem chegar a 33 °C, enquanto outras partes do país registraram temperaturas de 40 °C.

Isso tem criado problemas até mesmo para os feirantes em grandes mercados públicos, cujas estruturas costumam ser velhas e mal preparadas para ondas de calor ou fortes tempestades. “As instalações são antigas e particularmente vulneráveis a terremotos e chuvas”, disse Peralta. “Os telhados são feitos de chapas metálicas, aquecendo todos os que estão no interior dos prédios”.

vista aérea de mercado público na Guatemala
Mercado público na Guatemala. Estruturas antigas com telhados de zinco podem agravar as condições de trabalho de feirantes (Imagem: Ton Koene / ZUMA Wire / Alamy)

Mesmo assim, o líder sindical ressaltou que os vendedores ambulantes são os mais afetados pelos extremos climáticos. Para ele, um dos problemas fundamentais é que muitos desses trabalhadores atuam na informalidade, operando fora dos sistemas habituais de tributação, leis trabalhistas, contratos e condições de trabalho dignas. Para ele, a formalização do emprego é o primeiro passo para a adaptação. Isso significa pagar impostos e ter acesso a serviços de saúde, eletricidade e água, além de progressão na carreira e férias. 

Patrick Kane, representante da Streetnet para a América Latina, disse que os vendedores ambulantes sofrem uma dupla vitimização: “Primeiro, são excluídos do sistema econômico formal e de seus benefícios; depois, enfrentam os riscos das mudanças climáticas e a falta de proteção”.

Na Guatemala e em outros países latino-americanos, os sindicatos estão promovendo ações para mitigar o calor, disse Kane. A principal medida associada à adaptação é a formalização do emprego, mas eles também estão propondo iniciativas como pontos de hidratação e educação ambiental. “No Uruguai e no Brasil, também há muita discussão sobre justiça climática”, acrescentou. 

A cada cinco anos, os países signatários do Acordo de Paris devem atualizar seus planos climáticos, apresentando metas mais ambiciosas do que as anteriores. Os compromissos atuais assumidos nesses planos, conhecidos como Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), elevariam o aquecimento global a uma faixa de 2,6 °C a 3,1 °C até o fim do século — longe das metas de 1,5 °C ou 2 °C.

Pouco se fala sobre o emprego informal em muitos dos planos publicados este ano. O único país da América Latina a incluir essa questão é o Equador. Em sua NDC, a perda de empregos e o trabalho informal são identificados como parte dos fatores estruturais que afetam a sociedade e a tornam mais vulnerável ao clima. A NDC, porém, não contém políticas explícitas para lidar com a situação dos vendedores ambulantes.

Um país onde a formalidade trouxe benefícios em termos de adaptação é o Uruguai. Gabriela Calandria, da Associação de Feirantes de Feiras Especiais de Montevidéu, contou ao Dialogue Earth que o calor extremo trouxe vários problemas para os vendedores ambulantes.

“Já registramos 15 casos de câncer de pele, muitas pessoas ficaram desidratadas e houve até quem sofreu um ataque cardíaco”, disse ela. 

Mas os ambulantes têm algumas vantagens no Uruguai: “Aqui, somos muito bem acolhidos pelo Estado. Somos regulamentados pelo governo local. E não somos informais. Quase todos nós pagamos impostos”. Eles também têm acesso a instalações como mercados cobertos, seguro médico e pensões. 

Calandria disse que essa situação é única na região: nenhum outro país da América Latina tem esse tipo de condição. “Embora o sol nos castigue, estamos protegidos.”

Esta reportagem do Dialogue Earth faz parte do projeto Community Adaptations to City Heat, em parceria com a Universidade de Boston. O projeto é financiado pela organização Wellcome.

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