Nas próximas duas semanas, representantes de quase 200 governos se reúnem em Belém do Pará para a 30ª conferência climática da ONU, a COP30 — a primeira realizada na Amazônia, bioma essencial ao equilíbrio do planeta, mas cada vez mais pressionado por atividades extrativistas.
Antes mesmo da abertura oficial, a cidade já recebeu cerca de 60 chefes de Estado para a Cúpula de Líderes, que antecipou os principais temas e disputas da conferência. Florestas, financiamento e adaptação dominaram as discussões, marcadas também por críticas à lentidão das grandes potências e à influência persistente da indústria de combustíveis fósseis.
A COP30 marca os dez anos do Acordo de Paris, firmado em 2015 para limitar o aquecimento global a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais. Mesmo que todas as metas atuais sejam cumpridas, as projeções indicam uma elevação entre 2,3 °C e 2,5 °C até o fim do século.
“Estamos indo na direção certa, mas muito lentamente”, disse Christiana Figueres, ex-secretária executiva da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), na semana passada.
Diferentemente de edições anteriores, a COP30 não tem como meta um acordo ou declaração conjunta. O foco, segundo o governo brasileiro e analistas, é colocar em prática os compromissos já assumidos, por isso vem sendo chamada de “COP da implementação”.
A conferência deste ano também será marcada pela atualização dos planos climáticos nacionais — embora apenas 80 dos mais de 190 signatários do Acordo de Paris tenham apresentado as novas versões.
A América Latina — que volta a sediar uma conferência do clima 11 anos após a COP20 em Lima — está entre as regiões mais afetadas pelas mudanças climáticas. Um exemplo é a recente passagem do furacão Melissa pelo Caribe, que atingiu duramente a Jamaica. Segundo cientistas, a tempestade foi intensificada pelo aquecimento global.
“A região chega à COP30 em um momento decisivo”, disse Jorge Villareal, diretor de política climática da organização mexicana Iniciativa Climática. “Somos fortemente afetados pela crise climática, pela dívida e pelas desigualdades”.
Cúpula de líderes
A Cúpula de Líderes, encontro preliminar que deu início às negociações, foi realizada entre 6 e 7 de novembro. Na ocasião, o secretário-geral da ONU, António Guterres, criticou duramente os governos por sua incapacidade de limitar o aquecimento global a 1,5°C, afirmando que eles “continuam reféns dos interesses” das empresas de combustíveis fósseis e do lobby da indústria.
O presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva disse que “a janela de oportunidade que temos para agir está se fechando rapidamente” e afirmou que “não há símbolo maior da causa ambiental do que a floresta amazônica”.
Outros líderes sul-americanos também participaram. O presidente colombiano Gustavo Petro acusou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de “levar a humanidade ao abismo” por negar as mudanças climáticas e questionou a presença do “lobby dos combustíveis fósseis” nas conferências do clima.
O presidente chileno Gabriel Boric pediu que as evidências científicas estejam “no centro das decisões” e que haja progresso na implementação dos acordos e metas.
Enquanto isso, o presidente guianense Irfaan Ali defendeu o multilateralismo. “Não há outro fórum onde todas as nações possam se sentar em pé de igualdade para definir a resposta global [à crise climática]”, acrescentou.
Entre os ausentes estavam os líderes de algumas das maiores economias poluidoras do mundo, como Índia, Rússia e Estados Unidos — que anunciou, pela segunda vez, sua saída do Acordo de Paris. A China, maior emissora global de gases de efeito estufa, foi representada pelo vice-primeiro-ministro Ding Xuexiang, que cobrou dos países desenvolvidos maior protagonismo nas ações climáticas.
Foco nas florestas
Na Cúpula de Líderes, o Brasil lançou o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), um dos principais anúncios da COP30. O mecanismo prevê recompensar países que conservam suas florestas por meio de um fundo permanente e autofinanciado, diferente dos modelos tradicionais baseados em doações pontuais. Os recursos serão aplicados em uma carteira de investimentos que garante retorno a investidores e repasses a nações que mantêm suas florestas em pé. Em 2024, o mundo perdeu 6,7 milhões de hectares de florestas tropicais.
O Brasil busca captar, em uma primeira fase, US$ 10 bilhões de governos e fundações filantrópicas — dos quais US$ 5,5 bilhões já foram assegurados.
Segundo o Programa da ONU para o Meio Ambiente, o déficit anual de financiamento florestal pode chegar a US$ 216 bilhões até 2030. Hoje, a maior parte dos recursos vem de fontes públicas, e apenas 10% têm origem no setor privado.
Para Mirela Sandrini, diretora interina do World Resources Institute no Brasil, o fundo pode mudar a lógica econômica da região, tornando “mais lucrativo manter as florestas em pé do que desmatá-las”. Já Teresa Anderson, da ActionAid, criticou o uso de recursos públicos em “instrumentos financeiros complexos” em vez de destiná-los diretamente às comunidades locais.
Grande parte do financiamento climático passa por intermediários — como organizações não governamentais, consultorias e bancos de desenvolvimento —, prática que tem sido criticada por organizações indígenas e comunitárias.
“Para quem irá esse dinheiro? Chegará às pessoas que estão no território? Não chegará”, disse Nelson Bastos, pescador da Ilha de Marajó, no estado do Pará. “Esta é apenas mais uma forma de o governo dizer que está no território colaborando com a defesa, enquanto, na realidade, está transformando a natureza em capital para o mercado financeiro”.
Financiamento climático
Na COP29, realizada em 2024 em Baku, no Azerbaijão, os países desenvolvidos se comprometeram a liderar a mobilização de US$ 300 bilhões anuais em financiamento climático até 2035 — três vezes mais que a meta anterior de US$ 100 bilhões, definida no Acordo de Paris e atingida em 2022. Ainda não há dados sobre o cumprimento desse novo objetivo.
Também foi acordado que “todos os atores” — públicos e privados — trabalhariam para alcançar um total de US$ 1,3 trilhão por ano em recursos climáticos. Brasil e Azerbaijão foram encarregados de elaborar o plano que orientaria esse esforço.
O documento Caminho de Baku a Belém, apresentado durante a Cúpula de Líderes, define cinco frentes de ação: reabastecimento de doações, reequilíbrio fiscal, redirecionamento do capital privado, coordenação entre portfólios climáticos e reforma dos fluxos financeiros globais.
O plano propõe medidas que vão desde a criação de impostos internacionais sobre carbono até uma ampla reformulação da arquitetura financeira mundial. A ideia é diversificar as fontes de recursos e fortalecer a cooperação entre países e instituições.
Ele também define as metas de contribuição de cada fonte: US$ 80 bilhões em financiamento bilateral; US$ 300 bilhões de bancos de desenvolvimento e fundos multilaterais; US$ 40 bilhões de cooperação Sul-Sul; US$ 650 bilhões de capital privado; e US$ 230 bilhões em “novas fontes de financiamento de baixo custo”, como mercados de carbono, swaps de dívida e filantropia privada.
Em uma análise do plano, Sandra Guzmán, diretora do Grupo de Financiamento Climático para a América Latina e o Caribe, elogiou a diversidade de instrumentos financeiros e a inclusão de temas essenciais, como adaptação.
Por outro lado, ela criticou a falta de clareza sobre as responsabilidades dos países desenvolvidos e a abordagem superficial do endividamento. Segundo Guzmán, o plano “se limita a tratar a sustentabilidade da dívida de forma genérica, sem considerar as condições específicas de cada país”.
Transição energética
Em 2024, a América Latina e o Caribe geraram 65% de sua eletricidade a partir de fontes limpas, bem acima da média global de 41%, segundo análise da Ember. Ainda assim, países como Brasil, Argentina e Colômbia têm economias fortemente dependentes das exportações de combustíveis fósseis.
Na COP28, realizada em 2023 nos Emirados Árabes Unidos, os países concordaram pela primeira vez em reduzir gradualmente a dependência dos combustíveis fósseis e triplicar a capacidade global de energia renovável até 2030. Desde então, as discussões têm se concentrado em como avançar e monitorar a implementação dessas metas — tema que volta à pauta na COP30.
Durante um painel sobre energia na Cúpula de Líderes, António Guterres defendeu uma transição “justa, rápida e definitiva”. Lula reforçou a mensagem, afirmando que o mundo “não pode mais sustentar o modelo de combustíveis fósseis” e que “é preciso um plano para superar essa dependência”.
Claudio Angelo, coordenador de políticas internacionais do Observatório do Clima, afirmou que “Lula, como anfitrião, deu à presidência brasileira o comando que ela precisava”. Ele acrescentou que, embora seja difícil avançar na questão dos combustíveis fósseis, “uma COP que não os enfrente falha em seu propósito”.
O Brasil também anunciou, durante a Cúpula de Líderes, uma meta de quadruplicar o uso de “combustíveis sustentáveis” até 2035, abrangendo hidrogênio, biogás e biocombustíveis. Apesar do otimismo do governo, Janet Ranganathan, vice-diretora de estratégia do World Resources Institute, alertou que isso pode aumentar o desmatamento ligado ao cultivo das matérias-primas usadas nesses combustíveis.
Os países também demonstraram disposição para discutir os minerais críticos da transição energética. Antes da conferência, o grupo G77 + China — que reúne 134 países em desenvolvimento — solicitou um “diálogo específico” sobre o tema. Já a Associação Independente da América Latina e do Caribe, que inclui Colômbia, Chile e Peru, alertou que a expansão da mineração pode se tornar um novo vetor de desmatamento, poluição e conflitos com comunidades locais.
COP da adaptação
Além de reduzir emissões, o mundo precisa fortalecer sua capacidade de adaptação aos eventos climáticos extremos — área em que o progresso tem sido limitado. O Brasil espera avançar nesse tema em Belém.
O Acordo de Paris estabeleceu essa meta sem definir como seria cumprida ou financiada. Desde a COP28, países e especialistas vêm consolidando indicadores de adaptação, reduzidos de mais de nove mil para cem, que devem ser aprovados na COP30. Hoje, cerca de 3,6 bilhões de pessoas vivem em regiões altamente vulneráveis aos impactos da crise climática.
“Para a América Latina, a questão principal é o financiamento para a adaptação”, disse Isabel Cavelier, diretora da organização Mundo Común. “Somos uma das regiões mais vulneráveis e temos que avançar nesse sentido”.
Tratado sobre metano
Em sua visita a Belém, a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley — conhecida por defender a reforma da arquitetura financeira internacional — propôs a criação de um tratado global juridicamente vinculante sobre o metano, gás de efeito estufa com potencial de aquecimento 80 vezes maior que o do dióxido de carbono.
“Os cientistas afirmam que essa é a principal maneira de não apenas interromper, mas de reverter o aumento da temperatura em todo o planeta”, disse Mottley durante a Cúpula dos Líderes. “O mundo precisa puxar o freio de mão do metano — um freio que pode nos dar mais tempo”.
Desde o lançamento do Compromisso Global sobre Metano na COP26, em Glasgow, a União Europeia e outros 159 países aderiram à meta de reduzir as emissões do gás em 30% até 2030, em relação aos níveis de 2020. Ainda assim, as emissões permanecem elevadas e podem não ter atingido seu pico.
Futuro das COPs
Após três décadas de conferências climáticas, crescem as discussões sobre como reformar o processo da COP para torná-lo mais ágil e eficaz — tema que também deve estar em pauta em Belém.
As propostas vão desde a adoção de novas regras de votação até a definição de critérios mais claros para escolher os países-sede. Hoje, as decisões são tomadas por consenso, o que frequentemente atrasa avanços.
Para enfrentar esse impasse, o Brasil criou um grupo formado por ex-presidentes da COP, com o objetivo de propor melhorias na governança climática. A expectativa é que o grupo apresente um relatório com recomendações durante a conferência.
“Algumas pessoas perdem a esperança porque ele é lento ou não produz resultados diante das evidências da crise climática”, disse Manuel Pulgar Vidal, ex-ministro do Meio Ambiente do Peru e presidente da COP20. “Mas quando você observa os detalhes, fica claro que tivemos avanço. Em muitos países da América Latina, o desmatamento diminuiu e as energias renováveis têm um papel considerável”.
A COP30 ocorre entre os dias 10 a 21 de novembro em Belém do Pará. Confira mais destaques da cobertura do Dialogue Earth aqui.
Esta reportagem é fruto de uma colaboração do Dialogue Earth com a Mongabay Latam. Ela foi produzida como parte da Parceria de Mídia sobre Mudanças Climáticas 2025, bolsa de jornalismo oferecida pela Earth Journalism Network, da Internews, e pelo Stanley Center for Peace and Security.



