Clima

Iniciativa Bridgetown: A reforma financeira de Barbados vai vingar?

Desde 2022, proposta tem avançado em sua missão de garantir financiamento para os países mais vulneráveis ao clima, mas ainda encara grandes obstáculos geopolíticos
<p>Rua alagada em Acapulco, México, após a passagem do furacão Otis em 2023. Eventos climáticos extremos impactam com mais força os países subdesenvolvidos sem acesso a recursos emergenciais, algo que a Iniciativa Bridgetown busca mudar (Imagem: Luis E Salgado / ZUMA Press Wire / Alamy)</p>

Rua alagada em Acapulco, México, após a passagem do furacão Otis em 2023. Eventos climáticos extremos impactam com mais força os países subdesenvolvidos sem acesso a recursos emergenciais, algo que a Iniciativa Bridgetown busca mudar (Imagem: Luis E Salgado / ZUMA Press Wire / Alamy)

“Não podemos fingir, dia após dia, que alguém em outro lugar fará essa mudança. Esta é nossa família, nosso mundo e nosso momento de fazer a diferença”, afirmou Mia Mottley, primeira-ministra de Barbados, ao apresentar a Iniciativa Bridgetown ao mundo na Assembleia Geral das Nações Unidas em 2022.

O plano, que leva o nome da capital do país caribenho, propõe reformas no sistema financeiro global. A ideia é tornar o sistema mais justo, inclusivo e sensível à crise climática e às necessidades dos países em desenvolvimento. A proposta foi liderada por Mottley após ela assumir o cargo em 2018 e já está ajudando a reestruturar os termos da dívida pública de seu país para incorporar os riscos climáticos.

Desde então, a Iniciativa Bridgetown foi endossada por líderes globais, como o presidente da França, Emmanuel Macron, e organizações internacionais, incluindo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O tema também tem sido destaque em conferências globais, como as cúpulas climáticas da ONU. 

A Iniciativa Bridgetown tem pressionado por reformas concretas e tem atuado de forma semelhante a projetos do governo francês, de nações do V20 (grupo das 20 economias mais vulneráveis ao clima) e do G20 (grupo das maiores economias globais). No entanto, os especialistas consultados pelo Dialogue Earth entendem que o xadrez geopolítico atual apresenta grandes desafios para essa transformação. 

“Bridgetown é um esforço para reimaginar as instituições financeiras internacionais como órgãos de formulação de políticas públicas para fortalecer a resiliência econômica”, disse Noah Zucker, professor e pesquisador de economia política das mudanças climáticas na Escola de Economia de Londres. “Isso é resultado de um endividamento perigoso nos países emergentes e pobres”.

A iniciativa está chegando ao seu terceiro ano em um momento crítico para as dívidas das nações em desenvolvimento. Desde 2024, 62 países foram classificados com um endividamento de alto risco ou já totalmente incapazes de pagar suas dívidas de forma sustentável. A maioria das nações da África e da Oceania está na lista, embora todas as regiões do mundo estejam representadas.

Primeiros passos de Bridgetown

Mottley idealizou a Iniciativa Bridgetown ao lado do economista Avinash Persaud, ex-enviado especial de finanças de Barbados. Em julho de 2022, eles convocaram uma reunião com acadêmicos e representantes de organizações internacionais para discutir ideias sobre dívidas e financiamento climático nos países em desenvolvimento.

A reunião resultou em uma proposta de três eixos para enfrentar uma crise de dívida agravada por diversos conflitos, a pandemia de Covid-19 e desastres relacionados ao clima. 

A primeira ideia foi o acesso rápido e fácil ao dinheiro, especialmente em situações emergenciais. Para isso, o FMI foi encorajado a oferecer financiamento sem condições restritivas e criar um fundo fiduciário para apoiar a resiliência econômica. Também houve um pedido para que a instituição realocasse US$ 100 milhões em direitos especiais de saque, ativos de reservas financeiras pouco utilizados. Além disso, os governos do G20 foram chamados a autorizar a suspensão dos pagamentos de dívidas dos países em desenvolvimento aos bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs).

O segundo passo da Iniciativa Bridgetown foi exigir uma expansão de US$ 1 trilhão nos empréstimos dos bancos de desenvolvimento, recursos que deveriam priorizar projetos de resiliência às mudanças climáticas e o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

O que são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável?

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são um conjunto de 17 metas interconectadas para 2030 criadas pela ONU em 2015. Os objetivos abordam os desafios sociais, econômicos e ambientais mais urgentes do mundo.

Algumas metas estão diretamente ligadas às mudanças climáticas: a seção de energia limpa e acessível, que inclui a expansão da energia renovável em todo o mundo; ações climáticas para limitar os impactos das temperaturas e do nível dos oceanos; e metas para proteger a vida terrestre e aquática.

Por fim, a iniciativa propôs a criação de um mecanismo global para arrecadar fundos que ajudem na reconstrução de qualquer país atingido por um desastre climático, bem como no financiamento de longo prazo e a juros baixos do setor privado para ações climáticas.

“Mottley se conecta ao contexto internacional e fala sobre a necessidade de discutir o papel dos BMDs. Eles foram criados em um contexto de pós-guerra com a ideia de reconstrução, mas isso mudou. Esses bancos não respondem mais às necessidades dos países desenvolvidos e em desenvolvimento”, disse Sandra Guzman, diretora-geral do Grupo de Financiamento Climático para a América Latina e o Caribe.

Desde então, a agenda de Bridgetown passou por duas revisões, uma em 2023 e outra em 2024, trazendo melhorias à iniciativa original, com propostas adicionais. 

Na versão 2.0, o setor privado é chamado a reunir US$ 1,5 trilhão por ano para transformações “verdes e justas”, aumentar o financiamento para o cumprimento das metas de sustentabilidade da ONU para US$ 500 bilhões anuais e suspender as sobretaxas do FMI por três anos, entre outras propostas.

Em 2024, a versão 3.0 propôs a criação de novos impostos internacionais sobre grandes fortunas e setores como transporte, aviação e combustíveis fósseis — tributos que seriam destinados aos fundos climáticos. Além disso, o novo documento solicitou uma revisão das metodologias das agências de crédito internacionais para que todos os devedores e credores públicos e privados estivessem sujeitos a cláusulas de desastres naturais.

Navios petroleiros navegam pelo rio Negro, no Amazonas, Brasil
Navios petroleiros navegam pelo rio Negro, no Amazonas, Brasil. Em 2024, a Iniciativa Bridgetown propôs novos impostos internacionais para financiar a mitigação das mudanças climáticas e os esforços de resiliência, incluindo a tributação do setor de combustíveis fósseis (Imagem: John Michaels / Alamy)

“Algumas propostas originais foram questionadas por alguns países pobres por serem pouco relevantes para eles”, disse Michael Jacobs, professor de economia política da Universidade de Sheffield, no Reino Unido, ao Dialogue Earth. “Barbados ouviu e mudou algumas coisas. Isso indica que esse é um processo vivo, não apenas uma declaração para tentar influenciar a agenda internacional”.

Reformas realizadas

Além de ajudar a colocar o debate sobre o financiamento climático na agenda global, a Iniciativa Bridgetown foi parcialmente responsável por pressionar por reformas concretas nas organizações internacionais.

Por exemplo, em 2022, o FMI lançou o Fundo Fiduciário de Resiliência e Sustentabilidade (RST) de US$ 40 bilhões, que financia reformas para promover a resiliência climática nos países em desenvolvimento. Até 2024, foram aprovados 18 programas do RST no valor de US$ 8,4 bilhões. Esses recursos vieram dos direitos especiais de saque, conforme sugerido pela Iniciativa Bridgetown.

Entre os países desenvolvidos, o foco tem sido a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento. Em 2022, os acionistas do Banco Mundial determinaram que sua administração reformasse a missão, as operações e as finanças da instituição, o que foi chamado de Plano de Evolução do Banco Mundial. Além disso, o G20 criou um plano para tornar esses bancos “melhores, mais ousados e maiores”. Esse projeto está em processo de implementação.

Outra proposta da Iniciativa Bridgetown que avançou foram as cláusulas de resiliência climática. Essas cláusulas contratuais permitem que o pagamento dos empréstimos seja suspenso quando o país em questão sofrer uma grande emergência, como um evento climático extremo. Esses termos foram introduzidos pela primeira vez por Granada e Barbados, e vários BMDs também as incluíram em contratos de dívida.

Primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, fala na conferência climática COP26 em Glasgow, Reino Unido, 2021
Primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, fala na conferência climática COP26 em Glasgow, Reino Unido, 2021. Mottley lidera os esforços para que os mecanismos de financiamento global apoiem os países mais vulneráveis ao clima (Imagem: Karwai Tang / COP 26, CC BY-NC-ND 2.0)

O Dialogue Earth conversou com Rishikesh Bhandary, vice-diretor da Iniciativa de Governança Econômica Global da Universidade de Boston, nos Estados Unidos. De acordo com ele, Bridgetown entrou em um terreno de discussão sobre políticas públicas que inclui várias propostas semelhantes: “Todas elas compartilham o mesmo diagnóstico de que a arquitetura financeira deve impulsionar a transformação das economias em direção à resiliência climática”. 

As outras iniciativas às quais Bhandary se refere incluem, por exemplo: a Agenda Accra-Marrakech 2023 do V20, que propõe a transformação da arquitetura financeira internacional e o enfrentamento da crise da dívida ligada ao clima; o Pacto de Paris pelos Povos e o Planeta de 2023, que propõe uma política de financiamento mais eficaz; e a Agenda de Antígua e Barbuda para os Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento de 2024, que promove economias mais resilientes e a ampliação das ações climáticas.

Enquanto isso, o Fundo de Perdas e Danos da ONU foi aprovado e lançado em 2023. Esse mecanismo financeiro foi concebido para ajudar os países mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, sobretudo aqueles que sofrem perdas e danos além de suas capacidades de adaptação. No entanto, esse fundo — saudado como um avanço pela Iniciativa Bridgetown — recebeu apenas US$ 495 milhões em contribuições até o momento.

Além do Fundo para Perdas e Danos, a ONU aprovou uma nova meta anual de US$ 300 bilhões para o financiamento global do clima em sua conferência climática de 2024, a COP29, no Azerbaijão. Embora esse valor esteja muito aquém das expectativas dos países em desenvolvimento, Guzman disse estar esperançoso: “Eles pediram que o número não fosse só quantidade, mas também qualidade, referindo-se aos custos de capital e transações, bem como à dívida. Foi aí que a narrativa de Bridgetown desempenhou um papel importante”.

Os próximos desafios

Ritu Bharadwaj, diretor de resiliência climática, finanças e perdas e danos do Instituto Internacional para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, reafirmou que o financiamento para os países em desenvolvimento continua escasso: “Bridgetown gerou um debate global e evoluiu para incluir parâmetros mais amplos. O que ainda falta, no entanto, é um formato estruturado e uma [proposta para a] arquitetura global que traduza essa iniciativa de financiamento amplo e acessível para os países em desenvolvimento.”

Para Noah Zucker, Bridgetown trouxe alguns resultados positivos: “Ela foi bem-sucedida em mudar os termos do debate e houve algumas pequenas mudanças”. Ao mesmo tempo, ele não espera grandes reformas no curto prazo. “São mudanças expressivas em relação à forma como [as finanças internacionais] operavam no passado”.

Um dos principais desafios para Bridgetown é entender como responder e captar o conjunto diversificado de necessidades dos países em desenvolvimento
Rishikesh Bhandary, vice-diretor da Iniciativa de Governança Econômica Global da Universidade de Boston

Esses especialistas concordam que os próximos anos serão difíceis para a agenda de Bridgetown. O governo dos Estados Unidos se opõe frontalmente à reforma do sistema financeiro global, de acordo com um documento interno da ONU obtido pela Reuters. Além disso, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, questionou publicamente o trabalho dos bancos multilaterais de desenvolvimento em relação às mudanças climáticas.

“Um desafio importante para Bridgetown é entender como manter o foco nas metas ambiciosas e navegar pelas incertezas políticas, de uma forma que responda e capture o conjunto diversificado de necessidades dos países em desenvolvimento”, resumiu Bhandary. “Isso é difícil de conseguir e requer um equilíbrio cuidadoso”.

Para Jacobs, ainda há espaço para que a Iniciativa Bridgetown exerça influência geopolítica, principalmente nas negociações climáticas da ONU. Após a meta anual de financiamento de US$ 300 bilhões firmada na COP29, os países devem agora desenvolver um novo plano para chegar em US$ 1,3 trilhão até 2035.

“Se o plano tiver uma agenda ambiciosa para a reforma da arquitetura financeira global, pode-se dizer que Bridgetown terá sido bem-sucedida, deixando de ser uma iniciativa de Barbados para se tornar uma verdadeira iniciativa internacional”, disse Jacobs.