Clima

Inclusão da sociedade civil é posta à prova na COP30 no Brasil

Expectativas de influência da sociedade civil nas negociações da ONU em novembro, em Belém, esbarram em altos custos, burocracia e mensagens contraditórias
<p>Ativista indígena em ato na COP28 em Dubai, Emirados Árabes Unidos, 2023. Organizações pediram o fim da extração de petróleo, a proteção dos ecossistemas e o cessar-fogo na Palestina (Imagem: <a href="https://flic.kr/p/2pm7ChE">Mídia NINJA</a> / <a href="https://www.flickr.com/people/midianinja/">Flickr</a>, <a href="https://creativecommons.org/licenses/by-nc/2.0/deed.pt-br">CC BY NC</a>)</p>

Ativista indígena em ato na COP28 em Dubai, Emirados Árabes Unidos, 2023. Organizações pediram o fim da extração de petróleo, a proteção dos ecossistemas e o cessar-fogo na Palestina (Imagem: Mídia NINJA / Flickr, CC BY NC)

A cúpula climática COP30 é um dos eventos mais aguardados da ONU em anos. Seus organizadores têm reiterado o papel central da sociedade civil, com o presidente André Corrêa do Lago convocando o setor para um “mutirão global contra a mudança do clima”.

Após décadas do que ativistas climáticos consideram letargia nas negociações climáticas, Corrêa do Lago aposta na pressão popular para destravar posições conservadoras. “Se não houver um grande envolvimento da sociedade civil, dos atores mais variados, é muito difícil que os governos façam o seu melhor”, disse em entrevista ao site Sumaúma em março.

Estar na COP e se manifestar é um direito, não um presente dado pelo governo Lula
Savio Carvalho, diretor de regiões da 350.org

O contraste com as últimas COPs é nítido. Nos três anos anteriores, elas foram sediadas em países cujos regimes autoritários restringem os direitos à liberdade de expressão e protesto. Segundo organizações observadoras, a repressão a ativistas e as violações aos direitos humanos limitaram a participação de movimentos sociais. Manifestações que costumam ocorrer em espaços públicos — como as vistas nas ruas e praças da Escócia durante a COP26 — foram, na maioria dos casos, confinadas a áreas controladas pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).

Em contraste, o governo brasileiro e a presidência da COP30 anunciaram medidas como a criação de um grupo de trabalho técnico, voltado a fortalecer a participação social, e os círculos temáticos, que promovem a interlocução direta entre a sociedade civil e a organização da cúpula.

O que é uma COP climática?

Essa conferência anual reúne os 198 países membros da Convenção do Clima da ONU para discutir ações globais contra as mudanças climáticas.

Nas COPs climáticas, representantes dos países debatem temas como a redução de emissões de gases de efeito estufa; a adaptação aos impactos climáticos; e financiamento a países em desenvolvimento para que possam desacelerar o uso de combustíveis fósseis e se tornar mais resilientes aos efeitos da crise climática.

A última COP, a COP29, foi realizada em Baku, no Azerbaijão, em novembro de 2024. A COP30 será realizada em Belém, no Brasil, de 10 a 21 de novembro de 2025.

Stela Herschmann, especialista em política climática do Observatório do Clima, vê com bons olhos a predisposição do país ao diálogo, mas faz um alerta sobre esses círculos e grupos de trabalho: “Nós ainda não sabemos com clareza como essas iniciativas irão funcionar na prática. E, no fim das contas, elas irão informar a presidência da COP, e não o processo formal de negociações”. 

Para ativistas como Savio Carvalho, diretor de regiões da 350.org, o Brasil não faz mais do que sua obrigação. Embora o nível de restrição à participação social tenha variado ao longo da história das COPs, ele acredita que a experiência dos três últimos anos cimentou uma atmosfera romântica em torno da COP30. “Estar na COP e se manifestar é um direito, não um presente dado pelo governo Lula”, disse Carvalho ao Dialogue Earth.

Participação esbarra em alto custo

Além da expectativa de maior participação social, outro fator tem levado a COP30 às manchetes: os preços exorbitantes de hospedagem em Belém. A escassez de leitos inflacionou os preços, que já chegam a R$ 2 milhões por duas semanas de evento. 

Outros entraves logísticos, como os altos custos das passagens aéreas, mesmo em voos nacionais, comprometem o acesso e colocam em xeque os discursos de inclusão dos organizadores. Segundo a 350.org, até organizações da Amazônia e do próprio estado do Pará têm relatado dificuldades financeiras e logísticas para participar da conferência. 

Em março, o secretário especial do governo para a COP30, Valter Correia da Silva, afirmou ao site Sumaúma que os preços abusivos de hospedagem podem ser criminalizados. Ele pretende sensibilizar a população local sobre os limites do que é aceitável e sobre o impacto que o evento pode ter no turismo e na economia da cidade a médio e longo prazo.

Vista aérea de reforma no Porto Futuro, em Belém
Vista aérea de reforma no Porto Futuro, em Belém. Os preços exorbitantes das acomodações e passagens aéreas durante a COP30, além de outros obstáculos, comprometem o acesso da sociedade civil à conferência (Imagem: Christian Braga / Dialogue Earth)
Vendedores de açaí no Ver-o-Peso, famoso ponto turístico de Belém
Vendedores de açaí no Ver-o-Peso, famoso ponto turístico de Belém e maior mercado ao ar livre da América Latina. Autoridades brasileiras temem que o aumento abrupto de preços devido à cúpula gere um impacto duradouro na economia local (Image: Christian Braga / Dialogue Earth)

Mas as promessas do governo federal para centralizar reservas de hospedagens e mitigar práticas abusivas até agora não se concretizaram. “Até hoje, a maioria de nós não sabe onde vai se hospedar”, disse Carvalho, da 350.org. Ele considera um “escândalo” a contradição entre o discurso de inclusão social e a tolerância a preços que tornam essa participação inviável. “É assim que o Brasil pretende receber a sociedade civil?”, questionou.  

Esse cenário se agravou com a redução do financiamento internacional para a agenda climática, especialmente após a suspensão de repasses trilionários pelo governo dos Estados Unidos a organizações ao redor do mundo.

Para Alisi Rabukawaqa-Nacewa, ativista de Fiji e representante da rede Pacific Climate Warriors, da 350.org, a dificuldade de acesso a financiamento traz uma escolha difícil. Partindo das ilhas do Pacífico, os custos de participar de uma COP são sempre altos. Mas a inação climática sai ainda mais cara. 

“Quando conseguimos acessar fundos, vem a questão: estar fisicamente na COP, para garantir que não seremos esquecidos, ou investir em ações locais com resultados palpáveis?”, questiona ela.

Presença em COP não garante resultados

Nos últimos anos, as COPs cresceram vertiginosamente. De menos de cinco mil participantes nas primeiras cúpulas no fim dos anos 1990, a presença saltou para cerca de 30 mil na COP21, que resultou no Acordo de Paris em 2015, e ultrapassou as 84 mil pessoas na COP28, em Dubai, em 2023. Para Herschmann, essa tendência é uma reação saudável ao agravamento desproporcional da crise climática.

Mas chamados para que as COPs reduzam o número de participantes têm crescido, e chegar até Belém não é garantia de participação da cúpula. O acesso à chamada Blue Zone, onde acontecem as negociações, só é permitido a organizações não governamentais e intergovernamentais que estejam registradas pela UNFCCC como observadoras, um processo burocrático que termina por excluir muitas organizações com atuação local. “Todo ano, novas organizações pedem para se tornar observadoras, e a fila de espera pode chegar a até quatro anos”, disse Herschmann. 

As restrições não param por aí. Uma vez na Blue Zone, a entrada nas salas de negociação, bem como os espaços de fala dentro delas, são bastante limitados. Sem direito a voto, cabe à sociedade monitorar e tentar influenciar os posicionamentos das partes envolvidas.

Ao mesmo tempo, o número de lobistas da indústria do petróleo nas COPs disparou. Na COP28, eram 2.450, mais do que a maioria das delegações nacionais. Na COP29, em Baku, havia 1.773 representantes do setor. Além disso, mais de 130 integrantes de organizações que promovem desinformação climática participaram do evento, segundo um levantamento do Important Context, projeto do instituto norte-americano Accountability Journalism Institute.

Representantes de organizações socioambientais participam de sessões paralelas na Cúpula da Amazônia, em Belém, 2023
Representantes de organizações socioambientais participam de sessões paralelas na Cúpula da Amazônia, em Belém, 2023. A conferência reuniu líderes e ministros dos países amazônicos, mas frustrou observadores pela falta de compromissos para proteger a floresta (Imagem: Palácio do Planalto / Flickr, CC BY ND)

“São grupos cujos interesses estão em jogo, no sentido mais pejorativo da frase”, disse Herschmann. Para ela, o conflito de interesses deve ser levado em conta, especialmente quando a demanda por credenciamento supera a oferta. “Afinal, é daí que vem a causa do problema e o atraso da solução”.

Pressão das ruas

Os povos da Amazônia, região sede da COP30, vêm há meses reivindicando a co-presidência do evento. A proposta, apresentada em uma carta entregue pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira a André Corrêa do Lago em fevereiro, ganhou novo fôlego durante o Acampamento Terra Livre (ATL) — maior mobilização de povos indígenas do Brasil, realizada em abril, em Brasília.

Essa articulação indígena resultou na criação da Aliança entre os Povos Indígenas da Amazônia, do Pacífico e Austrália e na entrega de uma nova carta aberta ao presidente da COP30. Dentre as exigências está a participação de suas lideranças nas negociações climáticas, em igualdade de condições com chefes de Estado.

A resposta tem vindo na forma de iniciativas governamentais, como a criação da Comissão Internacional Indígena, que pretende aumentar a representatividade dos povos indígenas brasileiros e internacionais nos debates da COP30. 

Mas para ativistas como Sila Mesquita, socióloga e coordenadora da Rede Grupo de Trabalho Amazônico — que articula mais de 600 entidades comunitárias em torno da mudança do paradigma de desenvolvimento na Amazônia —, ações coordenadas por órgãos governamentais não bastam para garantir a participação independente e a representatividade da sociedade civil. “A gente precisa lembrar que sociedade civil é sociedade civil, e governo é governo”, disse Mesquita ao Dialogue Earth.

Joenia Wapichana, advogada brasileira e ex-deputada federal, participa de manifestação de povos indígenas na COP28. Ela usa uma coroa de penas alaranjadas.
Joenia Wapichana (centro), advogada brasileira e ex-deputada federal, participa de manifestação de povos indígenas na COP28, em Dubai (Imagem: Estevam Rafael / Palácio do Planalto, CC BY ND)

Mesquita integra a Cúpula dos Povos, evento paralelo à COP30 com foco em justiça climática que, segundo organizadores, já conta com a participação confirmada de mais de 500 entidades nacionais e internacionais. A expectativa é reunir até 30 mil pessoas em torno de temas como transição energética justa, políticas de desmatamento zero e responsabilização de corporações pelo aquecimento global.

“Nosso movimento é um contraponto ao discurso oficial da COP e do governo”, disse Eunice Guedes, coordenadora da Articulação de Mulheres Brasileiras. 

Além das atividades previstas no campus da Universidade Federal do Pará, em Belém, a Cúpula dos Povos também pressiona por metas climáticas mais ambiciosas e pelo fim da presença de lobistas dos combustíveis fósseis nas COPs.

Para Herschmann, especialmente em um ano marcado por um contexto geopolítico em meio a guerras, escalada de tensões econômicas e desconfiança no multilateralismo, a atuação da sociedade civil na Blue Zone não é suficiente. Protestos espalhados pela cidade serão cruciais para mover a agulha nas salas de negociação. “A pressão da rua tem um volume muito maior, de pessoas e de decibéis”, disse. 

Até agora, o governo do Pará tem enviado sinais preocupantes sobre como responderá às mobilizações sociais em novembro. Em fevereiro, em Belém, indígenas que ocuparam o prédio da Secretaria de Estado de Educação em protestos ligados ao setor foram recebidos com corte de energia e spray de pimenta

Sobre o lugar que a sociedade civil terá durante a COP30, Carvalho disse: “Ainda é cedo para bater o martelo”.