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BYD expande mercado de carros elétricos pela América Latina

Fabricante de veículos eletrificados entra no mercado latino-americano com preços competitivos, tecnologia de ponta e estratégia agressiva de vendas
<p>Tráfego noturno em avenida próxima à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Frota automotiva latino-americana ainda é fortemente dependente de diesel e gasolina, mas o setor de veículos elétricos avança rapidamente para abrir novos mercados na região (Imagem: <a href="https://agenciabrasil.ebc.com.br/foto/2023-06/transito-na-esplanada-dos-ministerios-1686869972-0">Rafa Neddermeyer</a> / Agência Brasil)</p>

Tráfego noturno em avenida próxima à Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Frota automotiva latino-americana ainda é fortemente dependente de diesel e gasolina, mas o setor de veículos elétricos avança rapidamente para abrir novos mercados na região (Imagem: Rafa Neddermeyer / Agência Brasil)

Uma grande batalha está em curso no setor de veículos elétricos. Em meio à guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, a montadora chinesa Build Your Dreams (BYD) já supera a americana Tesla, sua principal concorrente nessa corrida global. 

Em 2024, a BYD vendeu 4,2 milhões de veículos elétricos e híbridos plug-in (com motor elétrico e bateria recarregável a partir de fontes externas), mais do que qualquer outra montadora no mundo, com uma receita anual de 777 bilhões de yuans (R$ 660 bilhões). Já a Tesla — comandada pelo bilionário Elon Musk, ex-funcionário especial do governo dos EUA — vendeu 1,8 milhão de unidades, atingindo uma receita de US$ 97,7 bilhões (R$ 605 bilhões). 

O relatório do primeiro trimestre da BYD em 2025 indica que as vendas de veículos elétricos e híbridos cresceram 60% em relação ao mesmo período do ano passado. Isso foi motivado, em certa medida, pelo lançamento de uma nova tecnologia de carregamento, a Super e-Platform: segundo a BYD, uma carga de só cinco minutos pode dar ao carro uma autonomia de 400 quilômetros. Até o momento, a rede Supercharger da Tesla oferecia 75% dessa capacidade em uma carga de 15 minutos.

Nos últimos anos, a BYD deixou de fabricar apenas baterias e colocou a China na liderança da eletromobilidade. Agora, a empresa começa a espalhar suas operações pela América Latina, região que ainda se move no ritmo do diesel e da gasolina.

De baterias a carros elétricos

A BYD surgiu em 1995, inicialmente como fabricante de baterias para telefones celulares. Em 2003, a companhia deu uma guinada decisiva quando o mercado de carros elétricos começou a decolar: a fim de ingressar no novo ramo, a empresa comprou a fábrica da chinesa Xi’an Qinchuan Automobile para projetar seus próprios veículos.

Cinco anos depois, ela surpreendeu a indústria automotiva com o lançamento do F3DM, modelo que a BYD considera o primeiro híbrido plug-in do mundo. Em 2022, ela parou de fabricar veículos convencionais a combustão e concentrou suas operações exclusivamente na produção de veículos elétricos e híbridos plug-in.

Atualmente, a BYD tem mais de 30 parques industriais e atua em aproximadamente 400 cidades em mais de 70 países. O presidente e fundador da empresa, Wang Chuanfu, atribuiu o sucesso da montadora à sua enorme equipe: “Por trás de cada uma de nossas tecnologias, há inovação, desenvolvimento verde e o trabalho árduo de 110 mil engenheiros”, disse ele em fevereiro.

Em entrevista à TV estatal chinesa, Wang afirmou ainda que os veículos elétricos da China estão pelo menos três a cinco anos à frente de seus concorrentes “em termos de produto, tecnologia e cadeia industrial”.

Modelos da BYD exibidos na sede da empresa em Shenzhen, sul da China
Modelos da BYD exibidos na sede da empresa em Shenzhen, sul da China. Em junho de 2024, a presidente peruana Dina Boluarte visitou o escritório da montadora durante sua viagem oficial à China (Imagem: Presidencia Perú / Flickr, CC BY NC SA)
Ônibus elétrico da BYD nas ruas de Santiago do Chile, em 2016
Ônibus elétricos da BYD integrados ao sistema de transporte público de Santiago do Chile, em 2016. Quase uma década depois, a estratégia da fabricante chinesa no país sul-americano agora está focada na venda de carros leves e híbridos plug-in (Imagem: Mara Daruich / Municipalidad de Santiago, CC BY NC)

Aposta alta da BYD na América Latina

A BYD quer dobrar suas vendas fora da China para 800 mil unidades em 2025. Sua meta é que quase metade de seus carros seja vendida no exterior.

“As empresas chinesas estão desesperadas para encontrar novos mercados e têm se mexido rapidamente na América Latina”, explicou Ilaria Mazzocco, especialista em política climática chinesa do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais de Washington, nos EUA. “O governo chinês tem apoiado esse movimento até agora, mas a América Latina ainda não é um substituto equivalente para o mercado europeu, que é muito maior”, disse Mazzocco ao Dialogue Earth. Desde novembro, os veículos elétricos fabricados na China enfrentam tarifas de até 45% na União Europeia.

A presença da BYD já é perceptível no Brasil: a empresa é responsável por sete de cada dez veículos elétricos vendidos no país, conforme dados do setor. Além disso, a BYD tem testado sua influência junto ao governo brasileiro por meio de um forte lobby para reduzir as tarifas de importação, que têm aumentado constantemente para incentivar a fabricação doméstica de veículos elétricos. A empresa está prestes a iniciar a produção em solo brasileiro a partir de sua fábrica em Camaçari, na Bahia, com operações programadas para iniciar no fim do mês. A data de início chegou a ser adiada devido a uma série de violações trabalhistas reveladas em dezembro passado: o Ministério do Trabalhou autuou a empresa por manter 163 trabalhadores chineses “em condições análogas à escravidão”, que eram submetidos a jornadas extenuantes e viviam em instalações precárias.

Na Colômbia, a BYD lidera o mercado de veículos elétricos, respondendo por 42,5% das vendas do setor em 2024, conforme a Associação Latino-Americana de Distribuidores de Automóveis (Aladda). O governo colombiano vem promovendo essa mudança por meio da Estratégia Nacional de Mobilidade Elétrica, que busca colocar 600 mil veículos elétricos nas ruas até 2030. A BYD já faz a montagem de ônibus elétricos na Colômbia e planeja abrir uma fábrica de montagem de carros leves. 

Em 2024, a BYD vendeu 40 mil unidades no México, número que espera dobrar em 2025. Parte de sua estratégia inclui a construção de uma fábrica com capacidade para produzir mais de 150 mil veículos ao ano. Porém, o projeto está parado enquanto Beijing estuda os riscos de vazamento dessa tecnologia de carros inteligentes por meio da fronteira com os Estados Unidos, segundo informações do Financial Times.

A BYD também lidera as vendas do setor no Equador, com mais de 47% do mercado de veículos elétricos. No Peru, ela espera conquistar 50% do mercado de veículos elétricos e híbridos até 2025. A marca também anunciou recentemente sua chegada à Argentina

“Há alguns anos, o foco da empresa era o transporte público urbano: ônibus elétricos no Chile e na Colômbia”, explicou Jose Luis Torres De La Piedra, especialista em eletromobilidade e ex-diretor de vendas da BYD Peru. “Houve uma redefinição dessa estratégia. Agora sua prioridade são os carros leves e os híbridos plug-in”.

“No Peru, o escritório [da BYD] existe desde 2018, quando a ideia de um carro elétrico parecia distante”, observou Torres De La Piedra. “Isso mostra uma visão de futuro. Eles não vendem apenas carros, vendem tecnologia. E hoje o mundo abraça a tecnologia”.

Futuro elétrico na América Latina?

Conforme os dados de 2024 da Aladda, quase 412 mil veículos eletrificados — ou seja, elétricos e híbridos plug-in — foram vendidos na América Latina, representando um crescimento anual de 73,5%. O Brasil liderou as vendas com um aumento anual de 89%, consolidando sua posição como o mercado mais importante da região, seguido pelo México (67%) e pela Colômbia (65%).

Enquanto a Tesla concentra sua estratégia nos Estados Unidos e na Europa, a BYD faz incursões na América Latina e no Sudeste Asiático com preços mais competitivos. Um ranking da publicação Rest of World revelou que os veículos mais baratos da BYD para a América Latina estão no México e no Chile; os preços começam em US$ 20.402 e US$ 21.191, respectivamente.

“Isso pode facilitar a transição para os carros elétricos na região. Mas também pode colocar outros concorrentes fora do jogo”, alertou Margaret Myers, diretora do Programa para a Ásia e América Latina do Inter-American Dialogue. “Os EUA não competem nessa faixa de preço”. 

Isso não passou despercebido pela Europa. Desde 2023, a Comissão Europeia tem monitorado de perto as empresas chinesas por suspeita de concorrência desleal — uma das hipóteses é que elas estejam recebendo subsídios do Estado chinês. Em outubro de 2024, foram impostas tarifas de 17% sobre os veículos elétricos da BYD vendidos no bloco europeu e, em março deste ano, jornais revelaram que a Comissão Europeia havia aberto uma investigação sobre as operações de uma fábrica da BYD na Hungria

Diante desse contexto, a América Latina deve se questionar se deseja continuar apenas como um mercado para os carros elétricos chineses ou se quer virar um centro de produção para a nova era automotiva.

Para Myers, se a América Latina jogar bem suas cartas, poderá se tornar um ator estratégico na revolução da eletromobilidade. “A questão fundamental é se a BYD está sendo integrada às cadeias de valor locais”, disse ela. “Se não houver transferência de tecnologia e processos de industrialização internos, não haverá benefícios no longo prazo. Se a América Latina não exigir hoje que esses investimentos incluam transferência de tecnologia, ela será deixada de fora dessa revolução — e a velha história de sempre se repetirá”.