Clima

Em ano de COP na América Latina, poucos países da região atualizam metas climáticas

Até agora, apenas Brasil, Uruguai e Equador revisaram suas metas, enquanto emissões seguem em alta na região que sediará a próxima conferência do clima
<p>Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seu homólogo chileno Gabriel Boric na cúpula do G20, em novembro de 2024. O Chile e o Brasil estão entre os países latino-americanos que já enviaram ou estão finalizando seus novos planos climáticos, conforme previsto no Acordo de Paris (Imagem: Marcelo Segura / <a href="https://prensa.presidencia.cl/fotografia.aspx?id=292448">Presidência da República do Chile</a>)</p>

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva com seu homólogo chileno Gabriel Boric na cúpula do G20, em novembro de 2024. O Chile e o Brasil estão entre os países latino-americanos que já enviaram ou estão finalizando seus novos planos climáticos, conforme previsto no Acordo de Paris (Imagem: Marcelo Segura / Presidência da República do Chile)

Desde que o Acordo de Paris foi firmado em 2015, as nações signatárias assumiram o compromisso de apresentar, a cada cinco anos, metas cada vez mais ambiciosas para frear o aquecimento global. O objetivo das chamadas contribuições nacionalmente determinadas (NDCs, na sigla em inglês) é limitar, até o fim do século, o aumento da temperatura do planeta em até 1,5 °C dos níveis pré-industriais. No entanto, as metas atuais, previstas até 2030, já levariam o planeta a um aquecimento estimado entre 2,6 °C a 3,1, °C.

Este ano, os países têm a chance de mudar essa trajetória ao encaminharem seus planos para 2035. O prazo de envio à Organização das Nações Unidas foi encerrado oficialmente em fevereiro, mas até agora apenas 21 dos 195 membros respeitaram o combinado. Na América Latina, essa lista inclui apenas o Brasil, Uruguai e Equador.

A América Latina é responsável por menos de 10%  das emissões globais de gases de efeito estufa, mas é altamente vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. Responder aos desastres climáticos enquanto reduz suas emissões pode ser desafiador, considerando que a região recebe apenas 17% do financiamento climático anual. 

Mesmo com metas para limitar as emissões, elas seguem crescendo no México e Brasil, os dois maiores poluidores da região, além de Argentina, Colômbia, Chile e Paraguai, segundo relatórios de transparência, exigidos pelo Acordo de Paris.

“As emissões da região seguem crescendo atreladas ao crescimento econômico”, explicou Alejandra López, diretora de diplomacia climática na organização Transforma. “As NDCs são uma oportunidade para repensar os modelos de desenvolvimento. Os países terão que avaliar suas ações se quiserem atingir a neutralidade de carbono”.

Definição de novas metas climáticas

A criação de um plano climático nacional não é simples. Embora o trabalho geralmente seja liderado pela pasta ambiental de cada país, o governo inteiro acaba envolvido, pois os compromissos impactam direta ou indiretamente as demais atividades — como a agricultura e a indústria. Além disso, é preciso garantir o financiamento necessário para colocar os planos em prática.

As NDCs refletem as realidades dos países, e os governos podem escolher a melhor forma de apresentá-las. Embora não sejam juridicamente vinculantes, os planos climáticos nacionais costumam estar associados a leis — por exemplo, a Lei-Quadro sobre Mudanças Climáticas do Chile e a Política de Mudanças Climáticas do Uruguai.

O Uruguai, junto com o Brasil, foi um dos primeiros países latino-americanos a apresentar suas NDCs atualizadas, ainda em 2024. A diplomacia brasileira aproveitou a ocasião da última conferência climática da ONU, a COP29, para lançar seu novo plano climático. Como anfitrião da COP30, marcada para novembro em Belém do Pará, o anúncio do Brasil era bastante aguardado e dividiu opiniões.

Brasil: ‘ruim, mas não terrível’

O Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões de 59% a 67% até 2035, em comparação com os níveis de 2005. Em sua NDC anterior, apresentada em 2016, o país havia prometido reduzir as emissões em 37% até 2025 e 43% até 2030. Segundo os últimos dados disponíveis, porém, as emissões líquidas do país em 2022 caíram 20,4% em relação aos níveis de 2005. Na COP29, o vice-presidente brasileiro, Geraldo Alckmin, descreveu a nova NDC como “ambiciosa, mas realista”. 

Claudio Angelo, coordenador de políticas internacionais do Observatório do Clima, explicou que o fato de o Brasil ter apresentado uma meta elástica de redução de emissões revela que o país poderia ter feito mais: “A meta é ruim, mas não é terrível. Também não está alinhada com a meta de 1,5 °C de aquecimento global”, disse Angelo ao Dialogue Earth.

A NDC propõe “continuar trabalhando para zerar o desmatamento”, mas não inclui a meta anunciada anteriormente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de alcançar o desmatamento zero até 2030. O desmatamento na Amazônia brasileira caiu 7% em 2024 em comparação com 2023. 

Ele também pede a “adoção de modelos sustentáveis de produção agrícola e pecuária” e chama os países desenvolvidos para assumirem a liderança da transição energética, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis.

Gado pastando em fazenda de Gaúcha do Norte
Gado pastando em fazenda de Gaúcha do Norte, no estado de Mato Grosso, Brasil. A nova NDC do país exige a adoção de modelos sustentáveis de produção de gado (Imagem: Flávia Milhorance / Dialogue Earth)

Os esforços de adaptação também ocupam um lugar central na NDC brasileira. O país vai rever seu atual plano nacional de adaptação e pressionará para que planos de adaptação locais e setoriais sejam criados ainda este ano. 

O Brasil está propondo um plano de transformação verde com vários instrumentos financeiros para financiar sua NDC, como reformas tributárias, títulos verdes e mercados de carbono.

Uruguai: sem mudanças, com a ‘mesma desculpa’

A meta de redução de emissões na nova NDC do Uruguai segue inalterada: até 2035, o país se comprometeu a limitar as emissões anuais a 9,26 milhões de toneladas de dióxido de carbono, 818 mil de metano e 32 mil de óxido nitroso. No novo plano climático, o governo do então presidente Luis Lacalle Pou afirmou que a NDC anterior era “muito ambiciosa” e por isso não seria apropriado ir além desse teto de emissões. 

Martina Casas, bióloga e ativista ambiental uruguaia, discorda: “Isso é um mau retrato das pessoas que comandam a política nacional. Não se pode argumentar que, por já ter sido ambicioso, você deva manter o mesmo de antes. É a mesma desculpa de sempre: somos um país pequeno e poluímos pouco”. De acordo com ela, o governo anterior “não cumpriu as metas já apresentadas, e os planos de procurar petróleo em alto-mar não são compatíveis com a NDC”.

A NDC do Uruguai busca promover a eletrificação do transporte e a eficiência energética, além de “avaliar a possibilidade” do uso do gás natural. O Uruguai gera até 98% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis. O país também planeja aumentar sua área de plantação florestal em 20%, manter sua atual cobertura de floresta nativa, melhorar a captura de carbono na agricultura e implementar tecnologias que reduzam as emissões de metano em locais de descarte de resíduos.

Assim como o Brasil, o Uruguai também acrescentou um trecho sobre adaptação em seu plano climático. As promessas do país para 2035 incluem a implementação de ferramentas para prevenir e administrar riscos de seca, a aprovação de dez planos de gestão de bacias hidrográficas e aquíferos, planos de manejo para todas as áreas protegidas e a geração de relatórios anuais de perdas e danos.

Mulher entrega cheque grande de projeto agrícola para produtora rural
Projeto Pecuária e Clima, iniciativa do Ministério de Pecuária, Agricultura e Pesca do Uruguai em parceria com o Ministério de Meio Ambiente, trabalha com famílias de produtores para fortalecer a criação de gado em pastagens naturais (Imagem: FAO Americas, Flickr, CC BY-NC-SA)

Equador: Reduções ‘incondicionais’

O Equador também apresentou seu novo plano climático, comprometendo-se a cortar 7% de suas emissões até 2035, com base nos níveis de 2010 — algo a ser cumprido “incondicionalmente”. Há ainda um corte “condicional” de 8% em todos os setores da economia (o NDC anterior continha metas diferentes para cada setor), porém, segundo o país, isso depende de financiamento internacional.

Em sua NDC anterior, com metas até este ano, o Equador se comprometeu a reduzir em 9% as emissões nos setores de energia, indústria, resíduos e agricultura. Também se comprometeu a alcançar uma redução adicional de 4% por meio de mudanças no uso do solo, com o florestamento e o manejo florestal. No total, o governo estima ter reduzido suas emissões em 5% com sua primeira NDC.

Karina Barrera, ex-subsecretária de Mudanças Climáticas do Equador, disse que as novas metas são mais ambiciosas, apesar das restrições financeiras. “No entanto, é difícil dizer que a meta está alinhada com o objetivo global de 1,5 °C”, acrescentou. “O que o país está fazendo está dentro de suas capacidades e responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Ainda estamos lutando com outras lacunas de desenvolvimento e outras prioridades na região”.

O Equador afirma que promoverá a energia renovável, desenvolverá a mobilidade sustentável e reduzirá as emissões de processos industriais, como a produção de cimento. Também implementará sistemas de produção agrícola “sustentáveis e de baixo carbono”, além de aumentar as áreas de conservação e promover a captura de metano em aterros sanitários.

A NDC estabelece setores prioritários para a adaptação — patrimônio natural, patrimônio hídrico, saúde, assentamentos humanos, setores produtivos e segurança alimentar — com medidas detalhadas para cada setor. O documento também incluiu uma proposta de marco para perdas e danos e considerações sobre gênero, faixa etária e cultura.

Chile: versão preliminar em consulta

O Chile também apresentou sua nova NDC, mas ainda numa versão preliminar e em fase de consulta pública. A versão finalizada só deverá ser publicada daqui a pelo menos dois meses.

Na minuta do Chile, o governo reitera suas metas atuais para 2030: não emitir mais do que 1,1 bilhão de toneladas de CO₂ equivalente (CO₂e) entre 2020 e 2030, atingir o pico de emissões de gases de efeito estufa até 2025 e atingir emissões anuais de 95 milhões de toneladas até 2030. Além disso, o novo documento acrescenta o compromisso de não ultrapassar a emissão de 490 milhões de toneladas de CO₂e entre 2031 e 2035 e reduzir as emissões anuais para 91 milhões de toneladas até 2035. 

Vicente Sepulveda, pesquisador do Centro de Energia da Universidade do Chile e um dos coautores da nova NDC do país, descreveu essas ambições como “realistas”. Porém, ele também avaliou que várias apostas do Chile, como a expansão do hidrogênio verde e da eletromobilidade, ainda têm futuro incerto.

Carolina Palma, coordenadora da organização chilena de justiça ambiental FIMA, segue na mesma linha: “Estamos sendo mais ambiciosos do que podemos cumprir. O Chile já havia se comprometido a fazer com que todos os carros vendidos tivessem emissão zero até 2035, mas não vejo nenhuma mudança importante para atingir esse objetivo”, disse Palma. “Além disso, o plano de descarbonização [recentemente anunciado] para o fechamento de usinas elétricas movidas a carvão é bastante falho”. 

A proposta de NDC exige planos setoriais para reduzir as emissões, que devem incorporar medidas para proteger o emprego em atividades vulneráveis às mudanças climáticas. Além disso, o plano menciona o estabelecimento de uma meta de eficiência energética, o aumento da recuperação de resíduos orgânicos e uma transição para o transporte rodoviário, ferroviário e marítimo de baixa emissão.

Presidente do Chile, Gabriel Boric, participou do lançamento do primeiro ônibus a hidrogênio fabricado no Chile em dezembro passado
Presidente do Chile, Gabriel Boric, participou do lançamento do primeiro ônibus a hidrogênio fabricado no Chile em dezembro passado. Uma das novas metas do país é a transição para o transporte rodoviário de baixa emissão (Imagem: Alex Ibañez / Presidência da República do Chile)

Com relação à adaptação, o plano exige um inventário nacional dos impactos das mudanças climáticas, incluindo perdas e danos. Ele destaca a redução “significativa” da escassez de água e o aumento da resiliência do setor de saúde. Até 2035, 50% das novas obras de infraestrutura pública considerarão as mudanças climáticas na fase inicial de cada projeto. Ao menos dez mil hectares de florestas nativas também devem ser plantados por ano a partir de 2031.

A NDC do Chile também inclui um componente marinho: o país busca expandir sua área de ecossistemas terrestres e aquáticos protegidos em pelo menos um milhão de hectares até 2030. Até 2035, o país terá um plano de gestão para 50% de suas áreas marinhas protegidas. Atualmente, mais de 40% do território marítimo do Chile está sob alguma categoria de proteção.

Próximos passos

A Colômbia, o México e o Panamá estão em processo de elaboração de seus novos planos climáticos — mas, conforme López, eles ainda devem levar algum tempo para concluí-los. O da Argentina não é esperado até meados deste ano, segundo as declarações da ex-subsecretária de Meio Ambiente, Ana Lamas, na última conferência de biodiversidade da ONU, a COP16, no ano passado.

Para Enrique Maurtua Konstantinidis, consultor sênior de políticas climáticas, a grande maioria das NDCs latino-americanas apresentadas este ano será conservadora: “Embora algumas delas sejam mais ambiciosas do que antes, não serão os grandes compromissos que gostaríamos. Os governos serão cautelosos. Porém, ao somarmos todas elas, estaremos um pouco mais próximos da meta de 2 °C”.

A COP30 será realizada no Brasil entre 10 e 21 de novembro. A ONU espera que outras NDCs estejam em vigor antes disso, para facilitar o balanço da cúpula. Se a COP29 foi vista como uma conferência focada em finanças — com uma nova meta de financiamento climático bastante criticada — a COP30 será focada nesses compromissos.

Em visita ao Brasil em fevereiro, o secretário-executivo da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudanças Climáticas, Simon Stiell, disse que “a grande maioria dos países indicou que apresentará novos planos este ano”. Ele acrescentou que faz sentido que as partes levem mais tempo nas NDCs “para garantir que esses planos sejam de boa qualidade, descrevendo adequadamente como contribuirão para esses esforços”.

Esta reportagem faz parte da COMUNIDAD PLANETA, projeto de jornalismo liderado por Periodistas por el Planeta, do qual o Dialogue Earth é membro.

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