Energia

COP30 testa a Amazônia: ativo global ou fronteira de exploração?

Governos da região reafirmam metas em busca de investimentos verdes, mas ampliam a exploração de combustíveis fósseis e mineração na Amazônia
<p>Comunidade ribeirinha na Ilha do Combú, em Belém do Pará. Pela primeira vez, a conferência climática da ONU será realizada na Amazônia, arena fortemente disputada por ambientalistas e grandes indústrias que exploram recursos naturais (Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil)</p>

Comunidade ribeirinha na Ilha do Combú, em Belém do Pará. Pela primeira vez, a conferência climática da ONU será realizada na Amazônia, arena fortemente disputada por ambientalistas e grandes indústrias que exploram recursos naturais (Imagem: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

Em novembro, o mundo voltará seus olhos para Belém, na Amazônia brasileira, que sediará a COP30. A conferência do clima da ONU pretende avançar com os planos nacionais de redução de emissões a partir de um dos biomas mais vitais para o equilíbrio climático do planeta.

Mas a floresta, peça-chave na regulação do clima, enfrenta crescente pressão de setores extrativistas, especialmente de combustíveis fósseis. À medida que a COP30 se aproxima, esse cabo de guerra entre preservação e exploração torna-se cada vez mais nítido.

“A Amazônia é um ativo geopolítico da região”, disse Joubert Marques, analista climático e de geociências do Instituto Internacional Arayara, organização que monitora projetos de petróleo, gás e mineração na Amazônia. “Quando é estratégico, especialmente na busca por financiamento, os governos adotam um discurso pró-conservação. Mas esse discurso parece sumir quando se trata de petróleo e gás”.

O Brasil sintetiza esse paradoxo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem reiterando a intenção do governo de explorar petróleo na margem equatorial. Essa nova fronteira de exploração inclui a região da Foz do Amazonas, uma área sensível por abrigar ecossistemas costeiros pouco conhecidos e a rica biodiversidade da floresta amazônica. No dia 20 de outubro, sob intensa pressão política, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) concedeu à Petrobras a licença de pesquisa exploratória na Foz do Amazonas. De acordo com a empresa, a perfuração está prevista para começar “imediatamente”.

No fim de setembro, a Agência Nacional do Petróleo, responsável por regular a exploração de combustíveis no Brasil, anunciou a inclusão de 275 novos blocos de petróleo e gás em um leilão previsto para 2026. A decisão elevou para 451 o total de áreas em oferta permanente desde junho. Segundo o Instituto Arayara, parte dessas áreas se sobrepõe a terras indígenas e unidades de conservação.

Ao mesmo tempo, o Brasil chegará à conferência de Belém com duas medidas ambiciosas voltadas à preservação da Amazônia: a Coalizão Aberta para Integração dos Mercados de Carbono e o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), ambas com o objetivo de valorizar a floresta em pé e transformar a conservação em oportunidade de renda.

A proposta da coalizão leva em conta que mais de 70% dos projetos de crédito de carbono do Brasil estão na Amazônia, e o potencial de arrecadação com sua venda pode chegar a US$ 21,6 bilhões até 2030. Já o TFFF, a menina dos olhos do governo brasileiro na COP30, propõe um modelo aprimorado de financiamento climático: em vez de recompensar os países apenas pela redução do desmatamento, prevê pagamentos por áreas de floresta preservada. Na Assembleia Geral da ONU, em setembro, o governo brasileiro anunciou um aporte de US$ 1 bilhão ao fundo, de um total esperado de US$ 125 bilhões de várias fontes.

Promessas reiteradas, mas ação tímida

O descompasso entre discurso e prática não é exclusividade do Brasil. Em toda a região, governos amazônicos reafirmam compromissos ambientais e buscam investimentos verdes, enquanto a cooperação e os resultados concretos e duradouros de preservação são limitados.

Em agosto, a Cúpula de Presidentes do Tratado de Cooperação Amazônica reuniu em Bogotá, na Colômbia, os oito países-membros para reforçar uma agenda comum de proteção do bioma. A Declaração de Bogotá, documento final do encontro, incluiu compromissos de cooperação técnica, combate a crimes ambientais, fortalecimento da presença do Estado sobretudo em áreas fronteiriças e ações para deter e reverter o desmatamento. 

A declaração representou a “reativação de um processo diplomático importante que pode levar a acordos comuns para a preservação”, segundo Ilan Zugman, segundo Ilan Zugman, diretor para a América Latina e o Caribe da 350.org, organização que atua pelo fim da dependência de combustíveis fósseis.

Ainda assim, segundo observadores e organizações que acompanharam o encontro em Bogotá, o texto deixou lacunas importantes. A declaração foi considerada uma oportunidade perdida de reconhecer a exploração de óleo e gás como uma das principais ameaças à Amazônia. A falta de metas concretas, inclusive sobre o fim do desmatamento, também gerou frustração entre os participantes. Se a Declaração de Bogotá servir de termômetro para a COP30, o tema sensível dos combustíveis fósseis pode ficar de fora das discussões.

“A linguagem genérica da declaração é uma clara evidência da dificuldade que a região tem em reconciliar a retórica com a prática, especialmente no debate sobre combustíveis fósseis”, disse Karla Maass, assessora de incidência da organização Climate Action Network América Latina.

Durante a cúpula, Lula defendeu a Amazônia como uma região unificada e o multilateralismo como caminho para enfrentar a crise climática.  Para Maass, o reconhecimento dessa unidade — ainda que em grande parte retórico — é uma característica singular do bioma, que ultrapassa fronteiras nacionais e compartilha desafios comuns. Ela observa, porém, que essa visão pouco se reflete nos fóruns multilaterais, como as COPs, onde temas como a exploração de combustíveis fósseis costumam dividir os governos da região e levá-los a diferentes blocos de negociação.

“Como diversos imaginários sobre a Amazônia coexistem na região, as propostas nacionais nem sempre convergem”, afirmou Maass. “Mesmo quando a floresta é usada como moeda de troca nas negociações, cada país a utiliza à sua maneira”.

Procissão de barcos no Círio de Nazaré
Procissão de barcos no Círio de Nazaré, celebração católica em Belém, outubro de 2024. Em meio a desafios logísticos e espaço limitado em hotéis, embarcações foram oferecidas como opção de acomodação para delegações internacionais na COP30, em novembro (Imagem: Ricardo Stuckert / Palácio do Planalto, CC BY ND)

Divisões internas se acentuam

Mas, às vésperas da COP30, também cresce a pressão de alguns parlamentares dos países amazônicos pelo fim dos combustíveis fósseis. No dia 8 de outubro, representantes de seis nações sul-americanas entregaram ao governo brasileiro um relatório sobre os “danos profundos” de cinco décadas da indústria na Amazônia, enquanto cerca de 800 legisladores assinaram uma carta aberta por um futuro livre de combustíveis fósseis na região. 

Entre as propostas apresentadas está a criação de uma moratória conjunta à expansão da mineração e dos combustíveis fósseis em todo o bioma amazônico. Até agora, parlamentares de cinco países — Bolívia, Colômbia, Peru, Equador e Brasil — apresentaram projetos de lei sobre o tema.

Na Colômbia, o presidente Gustavo Petro vetou em 2023 a assinatura de novos contratos de exploração de petróleo e gás, mantendo apenas os contratos em vigor. A decisão marcou uma inflexão na política energética do país, mas o futuro é incerto: Petro não disputará a reeleição em 2026, proibida pela Constituição colombiana, e o cenário político fragmentado levanta dúvidas sobre a continuidade das restrições aos combustíveis fósseis.

O deputado colombiano Juan Carlos Lozada, da base aliada do governo, afirmou ao Dialogue Earth que as políticas de Petro já funcionam, na prática, como uma moratória, mas ainda faltam “mecanismos legais para torná-las sustentáveis a longo prazo”. Apesar da resistência política, Lozada acredita que o país pode avançar: “Na Colômbia, poderíamos chegar a um acordo para proibir a exploração futura, pelo menos na Amazônia”. 

Enquanto isso, a exploração segue ganhando fôlego: entre 2022 e 2024, a região concentrou cerca de 20% das novas reservas de petróleo descobertas no mundo, consolidando-se como uma das principais fronteiras da expansão extrativista. Com isso, os governos amazônicos continuam a impulsionar esses setores.

No Brasil, em agosto, Lula vetou parte do chamado “PL da Devastação”, projeto de lei que afrouxava o licenciamento ambiental, mas manteve um dispositivo que acelera a aprovação de projetos considerados estratégicos, mesmo com alto impacto ambiental. Segundo o Instituto Arayara, mais de 2,6 mil projetos fósseis podem ser favorecidos pela lei. 

Já a Guiana, com a maior parte de seu território dentro da Amazônia, vive um boom do petróleo que a transformou em uma das novas potências globais do setor. Desde a descoberta de reservas massivas em 2015, a exploração avança em ritmo acelerado

O presidente do país, Irfaan Ali, tem repetido que o petróleo é essencial para o desenvolvimento nacional e para financiar a transição energética. Reeleito em setembro, ele prometeu seguir ampliando a produção e a exploração de novas áreas petrolíferas.

Karla Maass observa que, nos países amazônicos, prevalece a narrativa “de que a exploração extrativista da floresta é necessária como fonte de recursos, inclusive para mantê-la de pé”. Ela lembra que a região foi historicamente tratada como provedora de matéria-prima e que “os governos ainda não conseguem enxergar uma saída para a dependência dos recursos naturais”.

Queima de gás em área residencial de Enokanki, na província equatoriana de Orellana
Queima de gás em área residencial de Enokanki, na província equatoriana de Orellana. Em outubro, uma coalizão de parlamentares de seis países da região propôs uma moratória conjunta contra as operações petrolíferas no bioma amazônico, que já sofre os danos causados pela extração de petróleo e gás há décadas (Imagem: Patricio Terán / Dialogue Earth)

Mas a pressão sobre a Amazônia vai muito além da indústria fóssil. Entre 1985 e 2023, atividades como mineração, agricultura e pecuária avançaram sobre mais de 88 milhões de hectares de floresta nos países amazônicos, segundo o MapBiomas, iniciativa que monitora a cobertura do solo na região. 

Além disso, a expansão econômica na Amazônia vem acompanhada por uma escalada de atividades ilícitas que se aproveitam das brechas de fiscalização e da ausência do Estado. Em áreas de fronteira, desmatamento, mineração e tráfico de drogas se entrelaçam em redes que movimentam bilhões e ampliam a pressão sobre comunidades e florestas ainda preservadas. “Muitas vezes, os países não têm orçamento e recursos suficientes para combater esses grupos”, disse Zugman.

É nesse contexto que iniciativas de cooperação como o TFFF ganham relevância. Embora o fundo tenha sido apresentado como uma oportunidade de alinhar interesses econômicos e ambientais entre os países amazônicos, especialistas alertam que a efetividade dependerá do compromisso dos governos. “Se os países querem usar a floresta como moeda de troca, no bom sentido, para alcançar acordos mais ambiciosos, também precisam investir mais em sua conservação. Não basta colocar a Amazônia apenas como vitrine”, disse Zugman.

Observadores alertam ainda que, para ter impacto real, o TFFF precisará unir transparência e participação das populações locais — sob o risco de repetir promessas que nunca saíram do papel.

“Queremos entender melhor como irá funcionar o TFFF e ter a garantia de que os recursos vão chegar direto para as nossas organizações, que atuam no sentido de prestar um serviço ambiental que serve a todo o planeta”, disse Toya Manchineri, coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira. 

E completou: “Sabemos que nosso modo de vida é crucial para mitigar os efeitos das mudanças climáticas — e precisamos que o mundo veja a Amazônia para além do seu valor econômico”.

Juan Ortíz colaborou com a reportagem.

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