Justiça

El Salvador: Ambientalistas lamentam volta da mineração de metais

Organizações pressionam o Congresso para voltar proibir a atividade no país enquanto mineradoras avançam com registros
<p>Manifestantes protestam contra a mina Cerro Blanco, na fronteira entre a Guatemala e El Salvador, em abril de 2023. Enquanto organizações salvadorenhas buscam manter proibição da mineração, empresas do setor avançam com planos de exploração (Imagem: Camilo Freedman / dpa / Alamy)</p>

Manifestantes protestam contra a mina Cerro Blanco, na fronteira entre a Guatemala e El Salvador, em abril de 2023. Enquanto organizações salvadorenhas buscam manter proibição da mineração, empresas do setor avançam com planos de exploração (Imagem: Camilo Freedman / dpa / Alamy)

Em dezembro de 2024, o Congresso de El Salvador reverteu uma decisão histórica e retomou a permissão da mineração metálica no país, sete anos após a nação centro-americana ter se tornado a primeira do mundo a proibi-la. 

A mineração de ouro tem uma história particularmente longa e conturbada em solo salvadorenho, com origens coloniais e profundos prejuízos ambientais, como a poluição de rios com metais pesados usados no processo. 

A nova lei estabelece que somente o governo de Nayib Bukele poderá autorizar ou realizar a mineração, ainda que essa função possa ser delegada a “instituições especificamente criadas ou projetadas para essa atividade” ou a empresas das quais o Estado seja sócio.

Desde que a nova lei foi aprovada em 2024, Vidalina Morales tem vivido momentos de angústia em Santa Marta, no departamento de Cabañas. Embora a mineração ainda não tenha sido oficialmente retomada, ela nota uma movimentação crescente na região: carros desconhecidos circulam à noite enquanto o latido dos cães sinaliza a presença de forasteiros.

Ela não sabe ao certo quem está naqueles veículos, mas seus vizinhos a alertam para “tomar cuidado”. A ambientalista preside a Associação de Desenvolvimento Econômico e Social (Ades), organização que, há mais de 20 anos, luta contra a mineração em El Salvador e que, segundo eles, foi alvo de represálias.

Mesmo após a proibição desse tipo de mineração em 2017, a organização permaneceu vigilante às investidas do setor. Em 2023, cinco de seus membros foram presos e acusados de crimes durante a Guerra Civil Salvadorenha (1980-1992). A entidade está convencida de que isso foi uma retaliação por sua luta contra a mineração. 

Outras organizações também contestaram as mudanças na lei de mineração. Em março, a Igreja Católica enviou uma petição com cerca de 150 mil assinaturas à Assembleia Legislativa de El Salvador cobrando a revogação da nova lei. Outras associações reuniram 59 mil assinaturas para entrar com uma ação constitucional na Suprema Corte do país.

Até agora, porém, essa pressão não tem conseguido alterar os planos do governo Bukele ou do setor de mineração. As mineradoras têm avançado discretamente com o cadastro necessário para explorar metais no país — algumas delas antes da aprovação da nova lei.

Mineradoras conhecidas demonstram interesse

A nova lei de mineração de metais atraiu figuras conhecidas, embora nenhum projeto específico tenha sido anunciado ainda. Desde dezembro, pelo menos três empresas do setor foram cadastradas no Registro de Comércio de El Salvador.

Entre elas, há um grupo formado por dois veteranos da mineração com um histórico controverso na América Central. A Citalá Resources, registrada oficialmente como empresa de mineração em 27 de fevereiro de 2025, foi fundada por dois advogados de um escritório especializado em investimentos no exterior. Seu conselho de administração é presidido pelo canadense Simon Ridgway e tem o venezuelano Pedro Rafael García Varela na vice-presidência. Ambos estão ligados à empresa canadense Radius Gold, com quase 30 anos de experiência em mineração de ouro em países como Peru, México, Guatemala e Honduras.

Ridgway e García Varela também fundaram a Entre Mares de Guatemala, empresa que participou da concessão da mina de ouro Cerro Blanco. Eles também comandaram uma subsidiária da canadense Bluestone Resources e outra da extinta Goldcorp. 

O projeto Cerro Blanco foi denunciado por supostos problemas de administração e risco de contaminação do lago Güija, compartilhado por Guatemala e El Salvador. O lago também está conectado ao rio Lempa, principal fonte de água salvadorenha. 

Embora a licença de mineração tenha sido suspensa em junho de 2024, a mina foi posteriormente vendida para a canadense Aura Minerals como parte da aquisição da Bluestone. Desde então, a nova proprietária do projeto respondeu às acusações de ameaças ambientais dizendo que mantém um “compromisso com a mineração responsável e sustentável”.

A Radius Gold também participou da mina San Martín, em Honduras, operada pelas extintas Glamis Gold e Entre Mares de Honduras, subsidiárias da Goldcorp. Embora fechado desde 2009, o projeto é lembrado como um exemplo dos impactos negativos da mineração a céu aberto: poluição, conflitos sociais e denúncias de violações aos direitos humanos.

Ativistas ambientais protestam contra projetos de mineração no Lago Güija
Ativistas ambientais protestam contra projetos de mineração no lago Güija, compartilhado por El Salvador e Guatemala. O lago está conectado ao rio Lempa, principal fonte de água salvadorenha (Imagem: Camilo Freedman / dpa / Alamy)

Segundo documentos do Registro de Propriedade e Terras acessados pelo Dialogue Earth, até o final de abril de 2025, a Citalá Resources não havia cadastrado nenhum imóvel em seu nome, mas seu registro inclui fusões e participação em empresas de economia mista. Isso é relevante, já que a nova lei de mineração de El Salvador estabelece que o Estado é o encarregado pela mineração de metais, embora também permita parcerias público-privadas.

A nova legislação ainda oferece incentivos fiscais aos investidores estrangeiros, incluindo isenção de impostos de até 20 anos.

Além da Citalá, outras duas empresas foram criadas em 17 de dezembro de 2024, seis dias antes da aprovação da nova lei: a Efatá e a Mega Obras y Servicios. Ambas são ligadas a grupos estrangeiros — de Colômbia e Venezuela — e foram oficialmente registradas em janeiro e fevereiro de 2025. Conforme suas atas de fundação, as duas são empresas auxiliares de mineração.

Resistência em terreno hostil

Apesar da recente mudança legal e do interesse de empresas estrangeiras, especialistas questionam a viabilidade de novos projetos.

Andrés McKinley, pesquisador da Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas, com décadas de experiência em mineração de metais e gestão de recursos hídricos, acredita que novos projetos de mineração em El Salvador não são viáveis.

“Não há água suficiente para atender às demandas das pessoas. A crise hídrica ocorre quando a disponibilidade de água atinge 1,7 mil metros cúbicos per capita ao ano. E já estamos nessa situação há alguns anos”, disse McKinley, referindo-se ao indicador de estresse hídrico desenvolvido e implementado desde a década de 1970.

Esse não é o único fator que pode inviabilizar a atividade. De acordo com McKinley, os estudos de prospecção realizados há cerca de 20 anos pela mineradora Pacific Rim mostraram que a densidade das reservas de ouro em El Salvador girava em torno de cinco e nove gramas por tonelada de terra: abaixo do necessário para se produzir um único anel.

Em uma postagem no X em novembro, anunciando que a lei seria revertida, Bukele afirmou que El Salvador tem reservas de ouro com a “maior densidade por quilômetro quadrado do planeta”. Essa afirmação é contestada por acadêmicos e especialistas.

Entendemos que precisamos de minerais, precisamos de metais. Mas isso não significa que a mineração deva ser feita em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias
Andrés McKinley, pesquisador da Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas

Em 2013, a então Divisão de Mineração da Diretoria de Regulamentação de Hidrocarbonetos e Minas do Ministério da Economia de El Salvador preparou um relatório intitulado “Recursos de Mineração Metálica em El Salvador”, acessado pelo Dialogue Earth.

O relatório afirmou que os principais depósitos de ouro e prata do país estão localizados nas regiões norte e leste, nos departamentos de Morazán, San Miguel e La Unión.

A área estimada com potencial de mineração é de 1,6 mil km², segundo o estudo, equivalente a quase 8% do território nacional. Algumas dessas áreas foram mineradas décadas atrás, como na mina de San Sebastián — uma das maiores até a década de 1990 e que, desde então, contamina o rio de mesmo nome no departamento de La Unión.

Até o momento, o governo salvadorenho se recusou a revelar os estudos que embasaram sua decisão de reativar a mineração de metais, declarando-os confidenciais por se tratarem de um “segredo comercial”. O mapa publicado por Bukele em novembro, no entanto, coincide com os pontos destacados pelo relatório do Ministério da Economia em 2013.

“Não somos contra toda mineração; entendemos que precisamos de minerais, precisamos de metais”, explicou McKinley. “Mas isso não significa que ela deva ser feita em qualquer lugar, sob quaisquer circunstâncias”.

Presidente salvadorenho Nayib Bukele discursa em canteiro de obras em Conchagua, costa leste do país
Presidente salvadorenho Nayib Bukele discursa em canteiro de obras em Conchagua, no departamento de La Unión, costa leste do país. Bukele afirmou que seu país tem reservas de ouro com a ‘maior densidade por quilômetro quadrado do planeta’, declaração contestada por especialistas (Imagem: Casa Presidencial de El Salvador / Flickr, CC0)

Repressão a protestos

A Ades e seus membros seguem resistindo ao avanço da mineração. Como faziam antes da aprovação da nova lei, eles mantêm uma rotina de manifestações e estudos sobre o tema. No início de junho, foi solicitada a retirada do juiz responsável pelo caso contra os cinco ativistas, sob o argumento de que o julgamento poderia ser parcial, já que havia suspeitas de que o magistrado teria integrado a Guarda Nacional durante a guerra civil. O pedido foi aceito em 6 de junho.

Em entrevista ao Dialogue Earth no início de abril, Vidalina Morales disse que havia uma “calma relativa” em Santa Marta, mas não era a hora de baixar a guarda: “O medo está presente porque sabemos do que eles são capazes, certo? Já vimos isso ao longo de todo o estado de emergência. O medo é que haja prisões”.

Há dois anos, seu filho foi preso em meio ao estado de emergência em El Salvador, decreto lançado pelo governo Bukele em março de 2022 e prorrogado sucessivamente pelo Congresso, supostamente em uma tentativa de reprimir o crime organizado. Na prática, isso permitiu prisões em massa e levou a centenas de denúncias de violações de direitos humanos. As comunidades de Cabañas também sofreram súbitos cercos militares.

Em meados de maio, o governo salvadorenho prendeu mais ativistas, enquanto o Congresso aprovou uma lei que aumentou os impostos pagos por organizações da sociedade civil e da imprensa independente, medidas que poderiam praticamente inviabilizar o funcionamento legal de algumas delas. 

Para esta reportagem, foram contatados o Ministério do Meio Ambiente, a Direção-Geral de Hidrocarbonetos, Energia e Minas e as novas empresas de mineração registradas no país, mas não obtivemos respostas até a publicação do texto.

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