De 10 a 21 de novembro, Belém sediará a COP30, primeira conferência climática da ONU realizada na Amazônia — escolha que colocará a natureza, os povos indígenas e o Sul Global no centro da diplomacia internacional.
O principal foco deste encontro multilateral será avançar com a nova meta de financiamento climático acordada na COP29: até 2035, as nações desenvolvidas devem desembolsar US$ 300 bilhões por ano em recursos públicos para ações climáticas de países em desenvolvimento — o triplo da meta anterior. Ela também cobra que, entre fontes públicas e privadas, sejam desembolsados US$ 1,3 trilhão por ano.
Na conferência, ainda terão destaque temas como a relação entre mitigação do clima e proteção da biodiversidade, os caminhos para a transição energética e o cumprimento dos planos climáticos nacionais, atualizados recentemente. Conforme estipulado pelo Acordo de Paris, os países signatários devem apresentar até setembro a nova versão desses planos conhecidos como contribuições nacionalmente determinadas (NDCs).
A secretária nacional de Mudanças Climáticas do Brasil, Ana Toni, foi nomeada como diretora-executiva da COP30. Em entrevista ao Dialogue Earth, Toni falou sobre as prioridades do governo brasileiro para a cúpula, o papel dos combustíveis fósseis na transição energética e a disputa por mais financiamento climático.
Dialogue Earth: Como seria uma COP30 bem-sucedida na perspectiva do Sul Global?
Ana Toni: Há três questões que gostaríamos que fossem abordadas, consideradas prioridades pelos países em desenvolvimento. A primeira é a adaptação, tema fundamental para o Sul Global. Esperamos avançar com a Meta Global de Adaptação e também em frentes como financiamento da adaptação, transferência de tecnologia, capacitação e soluções baseadas na natureza. Em segundo lugar, precisamos preservar a natureza para proteger o clima. Isso é relevante não apenas para os países amazônicos, mas também para outros do Sul Global. E a terceira questão é acelerar a implementação desses acordos de maneira ampla.
Você enfatizou a necessidade de romper as ‘barreiras’ das negociações climáticas na COP30. O que isso significará na prática?
Tomamos grandes decisões desde a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) e sabemos o que precisamos fazer. Chegamos a consensos importantes durante o Balanço Global na COP28 [a avaliação do progresso coletivo em relação às metas do Acordo de Paris], como interromper o desmatamento, triplicar as energias renováveis e avançar com uma transição energética para se afastar dos combustíveis fósseis. Agora precisamos avançar mais rápido na implementação dessas metas. Todos têm de fazer parte dessas ações.
Porém, muitas ações não virão da UNFCCC ou da COP30, como é o caso da reforma dos bancos multilaterais.
O presidente Lula afirmou recentemente que o país continuará produzindo e exportando combustíveis fósseis enquanto houver demanda global. Como isso se encaixa na transição energética?
Todos os países concordaram em abandonar os combustíveis fósseis; esse é o nosso ponto em comum. Não vamos retroceder, pois há um acordo em vigor. Lula disse que precisamos deixar de depender dos combustíveis fósseis. Existe uma dependência do consumo, apesar das alternativas mais baratas e mais limpas, e uma dependência das receitas provenientes dos combustíveis fósseis, como os royalties que os países recebem. A principal fonte de renda da Guiana são os combustíveis fósseis. Precisamos melhorar a estratégia para a transição. Todos os países precisam debater isso, especialmente em suas NDCs, como fez o Brasil.
O financiamento para ações contra as mudanças climáticas é fundamental para as reivindicações do Sul Global na COP30. Que tipo de avanço você espera ver?
Os países doadores estão dando sinais de que vão na contramão disso: cortes nos orçamentos de apoio internacional e aumento de gastos com as forças armadas. Não há indícios de que isso seja revisto na COP30. Não devemos nos iludir. O compromisso financeiro de US$ 300 bilhões já foi acordado na COP29, e agora a questão é garantir que esses fundos sejam entregues.
Também estamos trabalhando para atingir US$ 1,3 trilhão de financiamento público e privado. O processo está indo muito bem. Houve várias consultas e contribuições dos países e criamos um círculo de ministros das finanças. Esperamos que os presidentes da COP29 e da COP30 apresentem um plano sólido para chegar nesse US$ 1,3 trilhão. O que virá depois disso depende dos países.
Belém tem sofrido críticas pela falta de infraestrutura, acessibilidade e preparação para sediar a conferência. Como você responde a essas preocupações e o que está sendo feito para garantir que a COP30 seja um sucesso logístico?
Lula anunciou com bastante antecedência, ainda na COP28, que a COP30 seria em Belém. Queremos mostrar como é a Amazônia de verdade, já que muitas pessoas têm noções diferentes sobre a região. A maioria das emissões de carbono do Brasil vem do desmatamento, e não pretendemos esconder isso. Realizaremos a COP onde está a fonte dessas emissões, mas também onde está a solução para as mudanças climáticas. Não tenho dúvidas de que, apesar dos problemas logísticos, conseguiremos acomodar todos de maneira confortável.
Você espera que as tensões geopolíticas globais distraiam a atenção da COP30?
Os conflitos militares e tarifários vão desviar a atenção da COP e influenciar negativamente o resultado da cúpula. Estão tirando nossa energia e nossos recursos financeiros. Mas essa é a realidade com a qual estamos lidando. Faremos tudo o que pudermos para reforçar o multilateralismo, reunindo todos os países para discutir o clima. Precisamos de todos a bordo.
