Energia

Peruanos temem monopólio de estatais chinesas em distribuição elétrica

Com duas empresas de capital chinês controlando a distribuição em Lima, críticos levantam dúvidas sobre concorrência e o futuro das tarifas de energia
<p>Homens consertam fiação elétrica em San Juan de Miraflores, Lima, Peru. Desde junho de 2024, toda a distribuição de eletricidade na capital peruana é feita por subsidiárias de duas estatais chinesas (Imagem: Jake Lyell / Alamy)</p>

Homens consertam fiação elétrica em San Juan de Miraflores, Lima, Peru. Desde junho de 2024, toda a distribuição de eletricidade na capital peruana é feita por subsidiárias de duas estatais chinesas (Imagem: Jake Lyell / Alamy)

Meses antes de a China Southern Power Grid International (CSGI) comprar as operações de distribuição elétrica da italiana Enel no Peru, concluída em junho de 2024, intensos debates ocorreram em Lima sobre o crescente domínio das estatais chinesas no setor.

A aquisição, avaliada em US$ 3,1 bilhões, foi autorizada pela autoridade antitruste do Peru após dez meses de deliberação. Com isso, a CSGI, por meio de sua subsidiária North Lima Power Grid, aumentou para 54% a participação no mercado elétrico da capital do país. Os 46% restantes são controlados pela China Three Gorges Corporation, outra estatal chinesa.

A chegada da GSI despertou preocupações em diversos setores, por alguns motivos: a alta concentração do mercado entre estatais chinesas e os riscos de concorrência desleal. A Sociedade Nacional de Indústrias (SNI), importante associação empresarial do país, teme que a novidade represente “uma concentração de 100% do mercado de distribuição de eletricidade em Lima nas mãos da República Popular da China”. Organizações sociais também sugeriram que esse “monopólio” poderia levar a aumentos nas tarifas de luz.

O Dialogue Earth líderes do setor, que apontam que uma boa regulamentação pode aplacar esses receios, embora alguns pontos mereçam mais atenção.

Monopólio elétrico em Lima?

O setor de eletricidade do Peru reúne mais de 80 empresas geradoras, 21 de transmissão e 23 distribuidoras. Desse último grupo — responsável pela construção, operação e manutenção de redes de média e baixa tensão — as maiores são a Pluz Energía, renomeada pela CSGI após a compra da Enel, e a Luz del Sur, subsidiária da China Three Gorges. Juntos, essas duas empresas em Lima e nas províncias vizinhas atendem a quase três milhões de clientes — cerca de um terço do mercado peruano.

A alta participação estrangeira na distribuição elétrica do Peru não é nova: em 2014, a própria Enel adquiriu seus ativos no país da espanhola Endesa, que atuava no Peru desde 1994. Porém, com o anúncio da venda das operações da Enel para a CSGI, as críticas focaram na participação crescente das estatais de um mesmo país no mercado peruano.

Especialistas consultados pelo Dialogue Earth explicaram que o monopólio é proibido no país e que as regras para a participação estrangeira são bem regulamentadas.

Luis Espinoza, ex-vice-ministro de Energia e especialista no setor, disse que, embora as leis tratem igualmente empresas nacionais e estrangeiras, o Indecopi, órgão regulador da concorrência, “impôs normas que devem ser fiscalizadas”.

O Peru não pode perder sua capacidade de regulamentar e fiscalizar o sistema elétrico
César Gamboa, diretor-executivo da organização Direito, Meio Ambiente e Recursos Naturais

O Indecopi autorizou a compra dos ativos da Enel pela CSGI em fevereiro de 2024, argumentando que a empresa cumpria a legislação peruana antitruste. Além disso, a estatal seguiu as regras do governo chinês para investimentos diretos no exterior.

A autorização do Indecopi exigia que a CSGI obtivesse seu fornecimento de energia por meio de licitações reguladas ou processos transparentes e competitivos. Isso serviria para impedir o favorecimento de empresas já afiliadas à sua aquisição, a Enel Distribución. “Se esses termos não tivessem sido impostos, a Enel poderia ter favorecido a contratação direta de suas empresas de geração com preços e condições pouco competitivos”, disse a Indecopi em resposta ao Dialogue Earth.

Conforme o SNI, a possibilidade de aumento da tarifa de luz é uma das questões que mais preocupa os peruanos após a venda da Enel Distribución. A rede de distribuição adquirida pela CSGI atende a 1,6 milhão de clientes, passando por áreas que incluem o norte da região metropolitana de Lima e as províncias de Callao, Huaura, Huaral, Barranca e Oyón.

Presidente peruana Dina Boluarte aperta a mão do presidente da China Southern Power Grid, Meng Zhenping
Presidente peruana Dina Boluarte visitou a China em junho de 2024 e se reuniu com o presidente da China Southern Power Grid, Meng Zhenping (Imagem: Presidência do Peru, Flickr, CC BY-NC-SA)

Espinoza explicou que, no Peru, os clientes menores — cuja demanda anual é inferior a 200 quilowatts e representam um terço do mercado — estão limitados pela legislação nacional a comprar de distribuidores como a Pluz Energía ou a Luz del Sur. Esses pequenos consumidores não podem comprar energia diretamente das empresas de geração, “mas nessa circunstância há um órgão regulador” para monitorar os preços, observou Espinoza.

A forte regulamentação sobre as empresas de distribuição significa que o aumento de preços é pouco provável no curto prazo, mas isso não quer dizer que o governo não deva permanecer vigilante. “A entidade distribuidora tem que obedecer às regras existentes no país. O Peru não pode perder sua capacidade de regular e fiscalizar o sistema elétrico”, disse César Gamboa, diretor-executivo da organização Direito, Meio Ambiente e Recursos Naturais.

Já a Indecopi afirmou que quaisquer mudanças nos preços seriam analisadas e reguladas pelo Órgão Supervisor de Investimentos em Energia e Mineração do Peru (Osinergmin), órgão regulador das empresas de eletricidade no país. A Indecopi também destacou que busca garantir a concorrência entre as empresas de geração de eletricidade para abastecer os usuários e evitar que as tarifas aumentem no futuro.

A Pluz Energía também não pode fazer nenhuma alteração em seus contratos de energia que possa provocar aumentos de preço até 2030, conforme os termos de seu contrato.

Especialistas disseram que as estruturas regulatórias não são perfeitas e que o órgão regulador, Osinergmin, pode mudar sua forma de operar. Por isso, ressaltaram a necessidade de monitorar a situação cuidadosamente, para garantir que o marco regulatório contra a concentração da distribuição de eletricidade seja suficiente para evitar problemas.

China nas redes elétricas da América Latina

Algumas vozes mais críticas acreditam que o controle das estatais chinesas sobre “o interruptor de luz” no país representa um risco geopolítico para o Peru. Em 2023, autores do think tank Atlantic Council, sediado nos EUA, escreveram que “a possibilidade de Beijing usar seu monopólio dos mercados de eletricidade para extrair concessões geopolíticas” do Peru e de outros países é “preocupante”. No entanto, até o momento, não há evidências de que os investimentos chineses estejam sendo direcionados dessa forma na energia latino-americana.

A imprensa chinesa apresentou a compra da CSGI como uma oportunidade comercial, destacando a infraestrutura de energia da América do Sul como um mercado em expansão. Isso ocorre particularmente no Peru e no Chile, onde a chinesa State Grid detém a Compañía General de Electricidad, a maior do setor no país.

Após a assinatura do contrato em 2021, surgiram discussões semelhantes sobre a influência do Estado chinês em operações no exterior. Na época, especialistas disseram ao Dialogue Earth que estatais chinesas não recebiam ordens diretas de Beijing, mas que havia justificativas razoáveis para debater os limites dos investimentos estrangeiros em setores estratégicos.

A State Grid também tem forte presença no setor elétrico brasileiro, com cerca de 20 concessões no país desde sua chegada em 2010. Entre elas, está o lance vencedor no maior leilão de transmissão de energia da história do país, realizado em 2024. O novo projeto prevê um investimento de US$ 3,6 bilhões para construir mais de 1,5 mil quilômetros de linhas de energia.

Assim como no Chile, especialistas disseram que o aumento dos investimentos estrangeiros no setor elétrico traz à tona questões pendentes sobre as regras de boa governança, participação pública e transparência. Isso também ocorre em um contexto de tensões na política interna e externa, além de mudanças no sistema de energia do país – que, segundo eles, deve permanecer sob a fiscalização contínua do governo peruano.

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